De onde vem a brincadeira?
Com jogos típicos da África, a turma passou a valorizar outras culturas e a respeitar as diferenças
PorMaggi KrauseAlice VasconcellosLarissa Darc
24/11/2017
Compartilhe:
Jornalismo
PorMaggi KrauseAlice VasconcellosLarissa Darc
24/11/2017
As crianças de cabelo liso zombavam das meninas com cabelo crespo. Quem tinha a pele mais escura não era convidado para algumas brincadeiras. Ao observar a interação no intervalo da EE Narciso da Silva César, em Araraquara (SP), a professora Maria Fernanda Luiz notou como as relações raciais interferiam na convivência entre os estudantes. E resolveu que o contato das turmas de 3º e 4º anos com a cultura africana poderia acontecer por meio das brincadeiras infantis e, de quebra, combateu os sinais de racismo.
Para ensiná-las aos alunos, Maria convidou estudantes africanos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Núcleo de Estudo e Pesquisa União Africana da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Alguns vieram até a escola, outros explicaram as regras via Skype ou vídeo. O importante, para a turma, foi o contato com eles, que mostraram um pouquinho da cultura de países como Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, orientando os alunos na execução das brincadeiras.
As crianças estranharam os sotaques regionais, mas nem por isso deixaram de reparar nas regras, um dos pedidos de Maria Fernanda à turma. Aprendida a atividade, as crianças a registravam em seu caderno para que, depois, pudessem praticá-la.
As produções foram feitas de maneira individual e coletiva. Juntos, eles discutiram sobre como redigir os textos para que outras pessoas entendessem o jogo e aprenderam a usar o imperativo. Em alguns momentos, a docente organizou os alunos em duplas para escrever.
"Algumas expressões faladas nos outros países eles não conheciam e precisaram procurar no dicionário. Foi ótimo, pois estávamos trabalhando a ordem alfabética", explica ela. Além de revisados, os textos produzidos foram ilustrados, compondo um livro entregue à Coordenadoria Executiva Especial de Promoção da Igualdade Racial da cidade de Araraquara. Assim, o conhecimento dos pequenos pôde se multiplicar para outros lugares.
O desafio, que deu origem a jogos como "três-marias", exige pedrinhas e um buraco no chão. Caso não esteja em um lugar com terra, recorte um círculo de papel para delimitar o campo. O objetivo é jogar as pedrinhas para cima, tirar uma ou mais do buraco e pegar de volta a sua antes que ela caia no chão. Quem erra passa a vez. Vence quem tirar mais pedras do buraco.
Garrafinha, Labirinto e Matacuzana (leia nos destaques nesta página) estão entre as atividades lúdicas registradas pelos alunos. Fabiano Maranhão, mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos e especialista em relações étnico-raciais, defende a relevância de trazer para a escola esses saberes. "As brincadeiras praticadas na África podem ser uma boa porta de entrada para narrar a memória desse continente com 54 países", diz ele.
O contato com essa diversidade dá chance de diminuir preconceitos. "Na escola a trajetória dos africanos e afro-brasileiros é estudada unicamente a partir da escravização. Mas não exploramos as reais origens dessas pessoas. Por isso, quis apresentar o ponto de vista de quem nasceu e cresceu no continente africano", conta a educadora, que também é pesquisadora do Grupo de Estudos em Educação das Relações Étnico-Raciais da Unesp.
Em paralelo às brincadeiras, Maria Fernanda promoveu contação de histórias, rodas de danças com ritmos afro-brasileiros, exibição de vídeos e oficinas de teatro, entre outras atividades. Foram dois anos de trabalho planejado para mudar o olhar para a contribuição negra na sociedade. O conjunto de atividades, que recebeu o nome Brincando e Conhecendo a África, rendeu à Maria Fernanda o 7º Prêmio Educar para Igualdade Racial e Gênero na categoria Professora do Ensino Fundamental.
"É essencial que as crianças conheçam as histórias de outros países, suas brincadeiras e costumes", defende Tizuko Morchida, pesquisadora da USP e coordenadora do Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos. "O brincar é uma forma de expressão que possibilita aprender a interagir com os outros. Em jogos com regras, as crianças vivem situações que envolvem emoção, imaginário e valores", explica a especialista.
A mudança de postura dos alunos de Maria Fernanda, com certeza, foi gradual, mas hoje o clima na hora do recreio é outro. "Quem fazia piadas percebeu como as suas atitudes magoavam os outros." Também mudou a autoestima dos que eram deixados de lado. Eles se fortaleceram ao perceber que não eram culpados por serem tratados daquela forma. Viram que quem precisava mudar não eram eles, e sim quem os discriminava."
Imagens: MINNA MINÁ
Últimas notícias