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Jornalismo

Incentivar os alunos com dinheiro funciona?

Ao premiar estudantes por assiduidade ou desempenho, abrimos as portas para instituir uma chantagem na aprendizagem

PorNOVA ESCOLARodrigo RatierCamila Monroe

01/09/2010

Ilustração Mariana Coan sobre foto Bambu Productions/Getty Images
OUTRA NOTA
O melhor incentivo para fisgar o aluno é
uma aula bem dada

A proposta teve o efeito de uma bomba no universo da Educação. No último mês de agosto, o jornal Folha de S.Paulo revelou a intenção do governo do estado de oferecer um "vale-presente", no valor de 50 reais, aos alunos com notas baixas que participassem de aulas de recuperação em Matemática. Inicialmente, o projeto-piloto contemplaria 1,2 mil estudantes de 6º e 7º anos, que receberiam a quantia (que poderia ser gasta em livros, CDs e cadernos) se não faltassem às aulas. Segundo os idealizadores, havia o temor de muitas ausências e desistências durante o reforço.

Logo após o anúncio - que repercutiu negativamente -, o secretário da Educação Paulo Renato Souza adiou a ação, afirmando que ela precisava ser mais bem discutida com a sociedade. A iniciativa paulista está longe de ser a única no controverso terreno da remuneração de alunos. No Rio de Janeiro, a prefeitura lançou em 2007 um projeto que premiava com 760 reais crianças e jovens que fechassem um ciclo de ensino (séries iniciais ou finais do Fundamental ou Médio) com nota máxima. Já o governo fluminense recompensou com notebooks no ano passado 7.553 estudantes que se destacaram na avaliação de desempenho da rede. Em países como os Estados Unidos, a prática é tão difundida que mereceu atenção da Universidade Harvard, uma das mais prestigiosas do planeta. Entre 2007 e 2009, o economista Roland Fryer Jr. capitaneou o mais completo estudo já realizado sobre o tema, que distribuiu o total de 6,3 milhões de dólares a 38 mil alunos em 122 escolas (leia o quadro na página seguinte). O objetivo da sondagem era verificar se a isca monetária levaria a um melhor aprendizado.

Pesquisa conclui que os impactos na aprendizagem são baixos

A pesquisa concluiu que, apesar de alguns avanços no comportamento das turmas e no desempenho em algumas disciplinas, "o impacto de oferecer incentivos a estudantes para melhorar notas em exames é estatisticamente zero", escreveu Fryer Jr. no relatório final. Independentemente do resultado de iniciativas como essas, a questão central é outra: que mensagem passamos ao oferecer dinheiro a uma criança para que vá à escola ou se saia bem nas provas?

Vista no contexto das reformas educacionais que ocorreram na América Latina a partir da década de 1990, a premiação faz parte dos mecanismos da economia de mercado introduzidos no ambiente escolar com a pretensão de modernizá-lo. Alguns, inegavelmente, tiveram impacto positivo, como a implantação de sistemas de avaliação para identificar o que os alunos sabem e a pro­fis­sionalização dos gestores escolares (que­ hoje têm de estar comprometidos com a aprendizagem, além de liderar a administração da escola). Outras, porém, têm gerado mais perdas do que ganhos, como as modalidades de bonificação docente que exacerbam a competitividade entre professores e escolas ou o ranqueamento das melhores - e piores - instituições de ensino.

A ideia de mesada estudantil parece se encaixar nesse segundo grupo. Levada ao extremo, como se tudo tivesse um preço, conduz ao cenário imaginado e descrito pela professora Lisete Arelaro, diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à Folha: "Se ficar quieto, tem 5 reais. Se falar, você tem 3 reais. Se acertar a questão, você ganha uma figurinha. É impossível esse tipo de processo". Nessa espécie de chantagem para a aprendizagem, o esforço do aluno estará sempre condicionado a algum tipo de recompensa.

Isca ineficaz
Nos EUA, uma pesquisa sobre incentivos financeiros em sala distribuiu 6,3 milhões de dólares a 38 mil alunos. O impacto na aprendizagem foi pequeno

 
Nova York
Washington
Dallas
Chicago
Escolas participantes
63 17 22 20
Total de estudantes
17,5 mil 6 mil 4 mil 10,5 mil
Como foi o estudo
Ao longo do ano letivo, alunos do 4º e do 7º ano passaram por dez avaliações externas. Os mais bem-sucedidos podiam ganhar até 250 dólares (4º ano) e 500 dólares (7º ano). Alunos do 6º ao 8º ano recebiam pagamentos por cinco quesitos: frequência, comportamento, uso de uniforme e trabalho em sala e em classe. Crianças do 2º ano ganhavam 2 dólares por cada livro lido e mais 2 ao responderem corretamente a um questionário sobre a obra. Podiam chegar a 80 dólares por ano. Alunos do 9º ano ganharam recompensas por notas altas em cinco disciplinas (Inglês, Matemática, Ciências, Ciências Sociais e Educação Física).
Resultados
Os estudantes pagos não se saíram melhor nos exames do que os que não recebiam nada. Melhoria em comportamento e frequência, mas pouco avanço nas avaliações externas. Os alunos incentivados se saíram melhor do que os não pagos em avaliações de leitura. Frequência e notas melhoraram, mas desempenho nas avaliações externas seguiu ruim.

Fonte: Estudo Financial Incentives and Student Achievement: Evidence from Randomized Trials, de Roland Fryer Jr.

Mostrar o prazer de conhecer mais sobre o mundo

Pagar alguém para estudar é renunciar a qualquer tentativa de demonstrar que a Educação, por si própria, não só é indispensável à vida em sociedade como também pode ser, sim, prazerosa (o que não é sinônimo de diversão e festa). Segundo especialistas em Psicologia da Educação, a satisfação em aprender vem do ato de passar de um patamar de conhecimento para outro superior, compreendendo melhor o mundo que nos rodeia e a nós próprios. Você certamente conhece a sensação - poderosa! - de desenvolver uma nova habilidade ou assimilar algo que não entendia bem...

Para compartilhar com a garotada esse gosto por estudar, é fundamental lidar com a motivação em aprender. Nesse ponto, o "que" e o "como" ensinar são a chave para que o aluno veja sentido no ato de ir à escola - em outras palavras, que entenda como as novas informações reorganizam o conhecimento que já possuía. Como conseguir isso? Em seu livro O Diálogo entre o Ensino e a Aprendizagem, a especialista em alfabetização Telma Weisz lista as principais características de uma boa situação de aprendizagem: os alunos põem em jogo tudo o que sabem sobre o que se quer ensinar (testam hipóteses e enfrentam contradições), têm problemas a resolver (nem tão simples nem tão difíceis, mas desafiadores para o nível em que se encontram), encontram grande circulação de informações (não só os dados de livros e outros materiais escritos, mas a forma como os colegas encaram e resolvem a proposta etc.) e descobrem o conteúdo trabalhado em suas características socioculturais reais (sem simplificação para facilitar, afastando-se de seu uso social).

Esta edição de NOVA ESCOLA traz exemplos concretos de como é possível chegar lá. Conheça a lista de premiados do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, um grupo de docentes capaz de encantar as turmas com conhecimento didático - desde sempre, a melhor arma motivacional da Educação. Esses e muitos outros professores do Brasil conseguem mostrar a crianças e adolescentes que estudar é uma atividade que exige esforço e dedicação, mas leva a recompensas bem mais valiosas do que um "presente" de 50 reais.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
O Diálogo Entre o Ensino e a Aprendizagem
, Telma Weisz, 136 págs., Ed. Ática, tel. 0800-11-5152, 39,90 reais

INTERNET 
Íntegra do estudo da Universidade Harvard (em inglês).

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