Remexa nas memórias de infância
Estimular professores a relembrar as trajetórias pessoais deles pode melhorar a prática pedagógica e a relação na equipe
PorLaís Semis
12/03/2018
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Jornalismo
PorLaís Semis
12/03/2018
Quais as cantigas de roda que os docentes de sua escola mais gostavam quando criança? Ou qual a melhor memória que eles têm de um professor nessa mesma época? Para os que têm
filhos, será que eles recordam a sensação que tiveram ao levar seus pequenos para o primeiro dia na Educação Infantil? Como eles escolheram a profissão docente? Estimular os professores a revirar a própria história pode ser uma boa maneira de valorizar o trabalho que realizam e levá-los a repensar sobre a prática pedagógica.
Na EMEIPI Profª Márcia Aparecida Faria, em Caçapava (SP), o elemento disparador de uma série de reflexões foi o média-metragem Dentro da Caixinha, dirigido por Guilherme Reis. “O filme traz a história de três idosos que relembram as cantigas de infância, então pensei que isso poderia instigar a equipe a também fazer uma viagem no tempo”, conta a orientadora pedagógica Karine Rezende. Ela usou a obra para iniciar um trabalho feito em seis encontros dentro dos horários reservados para a formação em serviço. Para não deixar outros temas importantes de lado, o projeto só ocupava meia hora das três semanais dedicadas ao estudo e planejamento coletivo. Em cada reunião, um trecho do filme era exibido para disparar as discussões. O objetivo de Karine era alinhar a possibilidade de ampliar o repertório de cantigas, um pedido da equipe, com a proposta de evidenciar as marcas que professores e escola deixam na trajetória pessoal de cada um.
As cantigas de roda foram tema dos dois primeiros encontros. Depois, cada participante foi convidado a montar uma caixa com suas lembranças. Karine levou suas fotos para inspirar a
equipe: um registro da festa junina em sua primeira escola e outra em companhia de primos, professoras e diretora na Educação Infantil. Isso mobilizou todos a revirar seus baús em busca de memórias físicas. “Quando há envolvimento do formador, o trabalho fica mais coerente, afinal ele também pode mostrar-se como pessoa”, considera Maria Virgínia Gastaldi, formadora de professores de Educação Infantil do Instituto Avisa Lá. A cada reunião, o andamento da conversa levava a equipe a acrescentar itens na caixinha. Além de fotos, foram resgatados cadernos escolares, convites de formatura, histórico escolar e até o telegrama de convocação para assumir cargo de professor.
As marcas que a escola deixa
“Fiquei um pouco assustada no início da proposta, pensando: ‘Vamos mexer com o nosso passado?’”, relembra a professora Vanusa Aparecida Lemes. Era a primeira vez que ela participava de uma formação que considerava não só o seu lado profissional mas também o pessoal.
“Todo educador mora dentro de uma pessoa. Considerar isso é fundamental no processo de formação”, diz Rosaura Soligo, coordenadora do Instituto Abaporu de Educação e Cultura. Mas, com o pouco tempo, as escolas acabam priorizando os conteúdos de ensino e as metodologias. O fortalecimento das duas facetas do professor melhora a consciência em relação ao impacto das ações e emoções dele no ambiente de trabalho.
Relembrar o próprio período escolar pode ajudar na relação com o outro. “Para muitas crianças, a creche é o primeiro contato fora da família. É uma fase de grande impacto na vida delas”, diz Karine. E não só para os pequenos. Até estabelecer confiança, os responsáveis também se sentem inseguros. Afinal, os filhos, nessa faixa etária, não têm como se defender ou se queixar e estão nas mãos de estranhos. “Queria que as docentes se sensibilizassem sobre a importância de ter uma boa relação com as famílias e sua influência nas memórias afetivas dos bebês”, diz a orientadora.
Para atacar esses pontos, durante a formação, as docentes levantaram os marcos positivos e negativos em seus próprios percursos escolares, o papel dessas experiências na escolha da profissão e a trajetória do magistério até a efetivação na atual escola. “Fazer o profissional olhar para si mesmo e relembrar o que foi significativo na sua história facilita entender o comportamento das crianças e humaniza as relações”, pontua Rosaura.
O resultado foi aprovado. “Vivemos muito o hoje. Foi importante voltar ao passado e pensar nos erros e acertos, porque olhei para eles numa perspectiva de aprendizagem”, diz Vanusa. “Depois das reuniões, ficou claro ser preciso prestar atenção até mesmo nas pequenas ações como educadora, porque elas ficam para o resto da vida”, diz a professora Ariana Lima. Foi o que fez Vanusa. “Estava com um bebê difícil de lidar e tendia a deixá-lo um pouco de lado. Mas mudei meu comportamento, fui conhecer mais dele e me aproximei da família”, conta. “Aprendi a valorizar a bagagem que cada criança tem.”
Nesse processo, é essencial garantir que o conhecimento adquirido impacte também os alunos. O trabalho de Karine, além de melhorar as relações entre os membros da equipe, gerou reflexões sobre a prática pedagógica e ampliou o repertório de cantigas regionais.
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