Estudo foca alunos com fraco desempenho em Matemática
Após investigar a trajetória de estudantes com mais dificuldade na disciplina, a pesquisadora francesa Marie-Jeanne Perrin-Glorian aponta caminhos para ajudá-los
01/11/2010
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Jornalismo
01/11/2010
Marie-Jeanne Perrin-Glorian, professora
emérita da Universidade de Artois,
na França, na Semana da Educação 2010
Imagine um país em que os alunos vão mal em Matemática. O desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), em 2006, foi decepcionante: os estudantes ficaram quatro pontos abaixo da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as 30 nações mais desenvolvidas do planeta. O resultado provocou inúmeras discussões sobre como evitar um novo papelão no próximo exame (cujas notas, aliás, devem ser divulgadas no mês que vem). Pesquisadores da área foram convocados para explicar os maiores obstáculos no aprendizado da disciplina - e opinar sobre como os professores podem agir para mudar essa realidade incômoda.
O tal país - infelizmente - não é o Brasil. É a França. Para nossa tristeza, nossos alunos estão muito pior, a quase 100 pontos da proficiência conseguida por lá... Entretanto, o fraco resultado obtido pelos franceses revela que o ensino da Matemática é um desafio tanto em nações desenvolvidas como nas marcadas pela desigualdade social. E que, de alguma forma, caminhos para a evolução de um país também podem interessar a outros. Com esse espírito, a Fundação Victor Civita (FVC) trouxe a especialista Marie-Jeanne Perrin-Glorian, professora emérita da Universidade de Artois, na França, para uma palestra na Semana da Educação 2010 (leia mais sobre o evento no quadro da página seguinte).
Considerada uma das principais autoridades na área de didática da Matemática, Marie-Jeanne trabalha na formação de professores desde 1968, época em que começaram a surgir os primeiros institutos de pesquisa dedicados exclusivamente ao ensino de Matemática. Um de seus estudos mais marcantes analisou as dificuldades de alunos de baixo desempenho na disciplina na região norte da França. O trabalho, feito com séries equivalentes ao 4º, 5º e 6º anos, teve informações coletadas ao longo de dois anos.
Resultados em mão, Marie-Jeanne descobriu que boa parte dos obstáculos decorre da maneira inadequada como a disciplina é lecionada. Em geral, as aulas ou são pautadas por exemplos concretos (mas sem a compreensão da utilidade deles para outros problemas) ou pela simples apresentação dos conteúdos (que podem até ser memorizados, mas não fazem sentido para a turma).
Imersos em um ensino que não considera, de fato, suas necessidades, os alunos com mau desempenho passam a apresentar deficiências de formação. Marie-Jeanne destaca três problemas recorrentes: falta de domínio dos termos matemáticos na escrita (daí vem a dificuldade de entender enunciados de problemas, por exemplo), falhas ao representar matematicamente os problemas (quando é necessário traduzir o que se pede com símbolos, números, variáveis etc.) e lacunas na acumulação do conhecimento (o que gera barreiras difíceis de superar ao longo da trajetória escolar).
Melhoria do ensino passa pelo foco em duas etapas essenciais
De acordo com Marie-Jeanne, para ajudar os alunos com mais dificuldade é fundamental repensar duas etapas de ensino. Nesse ponto, a especialista recorre à obra do francês Guy Brousseau, precursor da chamada Teoria das Situações Didáticas. Não custa relembrar o que esse pioneiro da didática da Matemática defende: segundo Brousseau, cada conhecimento ou saber pode ser determinado por uma situação - entendida como uma ação entre duas ou mais pessoas. Para solucioná-la, os alunos mobilizam o que já conhecem, criando estratégias para resolver o que foi proposto.
Brousseau chama de devolução a etapa da situação didática em que o estudante, com base nas propostas do professor, assume o problema como seu e busca conhecimentos próprios para desvendar o problema. Marie-Jeanne sugere esforço especial para não interromper essa fase. Muitas vezes, com a expectativa de que a aprendizagem ocorra num curto espaço de tempo, o educador resolve o problema diante da primeira dificuldade do aluno (leia mais no quadro à esquerda).
Um exemplo clássico é quando a turma, frente a um enunciado mais complicado, pergunta ao professor se a conta "é de mais ou de menos". A tentação é eliminar a dúvida, pois muitos acreditam que o estudante só vai solucionar o problema com seu direcionamento. Os próprios estudantes esperam ansiosos pela dica - para eles, é comum que o educador detalhe a atividade e indique os resultados. "Esse jogo implícito de expectativas é o chamado contrato didático. Os jovens esperam determinadas ações do docente e vice-versa", diz Priscila Monteiro, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.
Devolver o desafio à turma
Os alunos devem buscar respostas, em vez de esperar o veredito do professor
Fonte: Palestra Reflexões para Melhorar o Ensino e a Aprendizagem de Matemática, de Marie-Jeanne Perrin-Glorian
Autonomia para resolver problemas
Para mudar esse quadro, Marie-Jeanne explica que o professor precisa, ao longo do tempo, discutir as relações com a turma até que se construa outro contrato, que permita aos alunos ter autonomia para solucionar os problemas, utilizando procedimentos próprios.
A outra etapa que pede atenção é a institucionalização. Trata-se do momento, geralmente posterior à discussão do conteúdo, em que o professor dá caráter científico aos conhecimentos adquiridos, apresentando o saber social presente na situação didática. Marie-Jeanne aponta dois comportamentos questionáveis. O primeiro é começar o ensino de um conteúdo pela institucionalização, apresentando fórmulas e algoritmos antes que os alunos confiram sentido às estratégias de resolução. O segundo é ignorar essa fase, encerrando o assunto sem apresentar formalmente os conceitos presentes na atividade (leia o quadro à esquerda).
Marie-Jeanne defende que a institucionalização se integre à devolução. Um processo importante para que essa ponte ocorra é a validação, momento em que o professor leva o aluno a argumentar se a solução proposta para uma situação se aplica, também, a outros problemas. "A ideia é estabelecer vínculos entre a solução de um problema específico, contextualizado, e a linguagem matemática formal, mais abrangente", explica a especialista. "Essa articulação é fundamental para consolidar a aprendizagem dos conceitos matemáticos."
Registrar o caminho do pensamento
Documentar o raciocínio ajuda a mostrar sua aplicação em outras questões
Fonte: Palestra Reflexões para Melhorar o Ensino e a Aprendizagem de Matemática, de Marie-Jeanne Perrin-Glorian
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CONTATO
Priscila Monteiro
BIBLIOGRAFIA
Didática da Matemática - Reflexões Psicopedagógicas, Cecilia Parra e Irma Saiz (orgs.), 258 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 49 reais
Ensinar Matemática na Educação Infantil e nas Séries Iniciais - Análise e Propostas, Mabel Panizza, 188 págs., Ed. Artmed, 48 reais
Introdução ao Estudo das Situações Didáticas - Conteúdos e Métodos de Ensino, Guy Brousseau, 128 págs., Ed. Artmed, 35,90 reais
O Ensino de Matematica Hoje, Patrícia Sadovsky, 112 págs., Ed. Ática, tel. 0800-11-5152, 27,90 reais
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