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Jornalismo

Saiba como avaliar as ações antirracistas da sua escola

Sua escola é antirracista? Conheça instrumentos que ajudam a avaliar as propostas e ações pedagógicas

PorLavini Castro

05/06/2024

A escola precisa estar atenta para que os trabalhos sobre educação para as relações étnico-raciais não sejam isolados, mas ocorram durante todo o ano e em todos os componentes curriculares. Fotos: Lana Pinho/NOVA ESCOLA

Em muitas escolas estão presentes ações pedagógicas voltadas ao combate ao racismo no mês de novembro, quando estamos nos aproximando do, agora, feriado nacional da Consciência Negra

A escola se enfeita com os “murais da consciência”, feitos pelos alunos e com incentivo dos professores, que trazem frases com apelos como  “fim do racismo”, “racismo é crime” e “igualdade para todos os grupos raciais”. 

Pode acontecer ainda a organização de palestras sobre o tema, com a presença de intelectuais, para sensibilizar as crianças em relação ao comportamento antirracista e até rolar uma roda de capoeira, que bem representa a cultura afro-brasileira. 

Já pude ver também a escola enfeitada com máscaras africanas e professoras mais habilidosas e descoladas fazendo turbantes nas alunas. E a escola fica realmente bonita de se ver! Isso mostra o quanto a cultura afro-brasileira existe e contribui para nosso repertório cultural enquanto povo brasileiro. 

Entretanto, resta saber o quanto essas estratégias, de fato, colaboram para a aprendizagem da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) que, em suma, espera-se que afetem nossa consciência para superarmos o racismo. 

Será que essas atividades demonstram, verdadeiramente, que a escola desenvolve um trabalho consistente de ERER?

Essa é uma dúvida recorrente para gestores e professores que se identificam com a Educação Antirracista. Porém, como entender que a inserção da temática está sendo feita de forma eficiente e verdadeira? 

Atividades no Dia da Consciência Negra precisam acabar?

Antes de qualquer coisa, é preciso evidenciar que de jeito nenhum é necessário acabar com as estratégias pedagógicas do 20 de Novembro. Elas são importantes dentro de um contexto mais amplo. 

Nosso grande incômodo é a manutenção dessa data como único momento, dentro do calendário escolar, em que a cultura negra é lembrada, assim como ocorre com as culturas indígenas em abril. 

Pense comigo: por que o 20 de novembro, trabalhado de forma pontual, em algumas escolas, acaba não colaborando com a consciência negra, mas prejudicando-a?

Digo que em uma sociedade racista como a nossa, que não valoriza a presença negra e seus elementos culturais, quando apenas ‘enfeitamos’ a escola, sem um trabalho de sensibilização e valorização, pode ser um incentivo indireto para a discriminação.

Quem já não presenciou nos murais sobre a Consciência Negra pichações discriminatórias, desumanizando as imagens de pessoas negras, descaso com os enfeites que enaltecem a cultura afro-brasileira ou até queixas dos alunos negros ridicularizados pelos colegas? 

Outro ponto que demonstra que, isoladamente, esse trabalho não é efetivo é a própria maneira como, às vezes, ele é feito. Muitos cartazes trazem mensagens de criminalização do racismo ou afirmam que todos os grupos raciais merecem respeito, mas as imagens que acompanham o título ainda colocam a pessoa negra em posição de inferioridade. 

Às vezes, são imagens que retratam o negro no período da escravidão ou pessoas negras em posição socioeconômica inferior, acentuando um lugar de subalternidade, imagens que não se alinham ao discurso que o cartaz traz. 

Quando isso acontece, provavelmente, não houve uma ação pedagógica de sensibilização e valorização da cultura afro-brasileira, nem uma preocupação com a curadoria das imagens utilizadas. Isso ocorre com trabalhos pedagógicos feitos às pressas, afinal, são essas as imagens popularizadas e que rondam o imaginário coletivo, impregnado pelo racismo estrutural.

Quando não há um Projeto Político Pedagógico (PPP) antirracista nas escolas, pode ocorrer também a romantização da presença negra por meio  de performances em que a negritude se apresenta, como a representação de máscaras e outros elementos artísticos, danças, vestimentas, comidas típicas, sem tocar no problema do racismo em si. 

O que fazer?

Mais uma vez, é necessário entender que o racismo é uma ideologia de poder historicamente construída, que exalta a presença e a cultura europeia e, mais recentemente, norte-americana, ou seja, branca, em detrimento dos grupos negros e indígenas que tiveram suas culturas discriminadas, inferiorizadas e até demonizadas. 

Diante desse contexto, é fundamental existir uma preparação pedagógica para a aprendizagem das relações raciais para as novas gerações, para que elas venham a ser a mudança de paradigma cultural, quebrando o ciclo da discriminação. 

Evitamos, assim, que nossas crianças aprendam a naturalizar a discriminação, que as crianças brancas aprendam que são o modelo de humanidade e discriminem outros grupos raciais e que as crianças negras aprendam a se desvalorizar, pois assim são descritas no imaginário social construido pelo racismo. 

Dessa forma, o 20 de novembro deve entrar no calendário pedagógico como dia de reflexão crítica. A equipe pedagógica não deve trabalhar o tema de forma leviana, como pode ocorrer na produção rápida dos cartazes e enfeites sem ao menos promover um projeto pedagógico que discuta o problema do racismo e provoque a reflexão das relações raciais. E isso não é feito em um dia ou uma semana. 

É preciso um bom aquecimento do tema até que a escola esteja preparada para trabalhar a temática como “comemoração da consciência negra”, é preciso refletir o racismo e como combatê-lo, identificar valor na presença negra e suas contribuições exaltando os elementos da cultura material e imaterial atribuídos aos negros, ou seja, atribuir aos negros e indígenas pertença e humanidade.

Valorização da diversidade racial durante o ano todo

Para que isso tudo aconteça, precisamos de boas estratégias pedagógicas antirracistas que invistam não só em cenários, mas em boas formas de promoção das relações entre os diferentes grupos sociais que transitam na escola.

Já pensou como anda a efetivação da ERER em sua escola? Você pode afirmar que sua escola tem práticas verdadeiramente antirracista?

Primeiro, toda a equipe pedagógica precisa conhecer algumas ferramentas antirracistas, também conhecidas como políticas de ações afirmativas.

Leis 10.639/2003 e 11.645/2008

A Lei 10.639/2003 torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica, visando assegurar o direito à igualdade de visibilidade das diversas culturas que compõem a sociedade brasileira. Depois, houve uma nova alteração pela Lei 11.645/2008, que inseriu nesse mesmo contexto o ensino das histórias e culturas dos povos indígenas na Educação Básica.

Diretrizes Curriculares Nacionais

A Resolução CNE/CP 01/2004 estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Este documento não apenas reconheceu a urgente necessidade do ensino sobre histórias e culturas africanas e afro-brasileira, como ofereceu o entendimento da necessidade de uma educação que valorizasse a diversidade e combatesse as desigualdades raciais, delineando princípios condutores para nossas ações pedagógicas.

Estatuto da Igualdade Racial 

O Estatuto da Igualdade Racial foi uma lei sancionada em 2010, sendo um conjunto de regras e princípios jurídicos que visam a coibir a discriminação racial e a estabelecer políticas para diminuir a desigualdade social existente entre os diferentes grupos raciais.

Indicadores de Qualidade na Educação para a Relações Raciais

Os Indicadores de Qualidade na Educação - Relações Raciais na escola é uma publicação que traz instrumentos que permitem à comunidade escolar avaliar suas práticas, ao mesmo tempo em que descobre novos caminhos para construção de uma educação com a marca da igualdade racial. Os indicadores promovem uma metodologia participativa provocando a reflexão de como anda a intervenção pedagógica escolar quando o assunto é a educação para as relações étnico raciais.

Tais ferramentas antirracistas trataram de estimular a produção de conhecimento, gerar a valorização da cultura negra e indígena, a fim de desenvolver a noção de pertencimento étnico-racial, visando a construção de uma nação democrática, na qual todos possam ter seus direitos garantidos e sua identidade valorizada. 

Na prática, buscam enriquecer o currículo escolar a fim de possibilitar o reconhecimento da positivação da imagem negra por meio de sua história e cultura, promovendo assim condições de empoderamento e ampliação da participação de tais grupos em diferentes espaços sociais.

Agora que você teve acesso a esses marcos legais que ajudam a balizar ações na escola sob uma perspectiva antirracista, você pode identificar como anda o trabalho a partir de um instrumento de avaliação proposto pela  professora Rosa Margarida de Carvalho Rocha, em sua coleção Que História é Essa? Caderno de apoio Afropedagógico. Acesse e realize sua avaliação.

Acesse a avaliação clicando aqui

Observar como anda a consolidação da ERER em nossas escolas é tarefa indispensável para assegurar a inclusão equânime de todos os grupos sociais no quesito da participação e responsabilização na construção de uma sociedade mais democrática em que todos se sintam respeitados e valorizados.

Por isso, toda equipe pedagógica deve se preocupar em fazer valer a prática da ERER, entendendo que o ensino de valor sobre histórias e culturas dos diferentes grupos raciais do Brasil tem impacto na melhora do nosso convívio com aquele que é o outro na relação social. 

A equipe pedagógica precisa estar atenta para que os trabalhos sobre educação para as relações raciais não venham a alimentar desigualdades ou discriminações raciais e que não sejam isolados. 

Ainda vivemos em uma sociedade racista, mas acredito que é possível mudar essa realidade. Para isso, no entanto, é necessário esperançar, conforme nos ensinou Paulo Freire, um outro tipo de sociedade, uma sociedade mais humana - e aí podemos acrescentar antirracista -, uma sociedade que nasça da empatia e do diálogo que permita a todos aprenderem a olhar a realidade a partir de diferentes perspectivas, promovendo valores, atitudes e comportamentos de respeito mútuo.

Lavini Castro é educadora antirracista. Doutoranda em História Comparada pelo PPGHC/UFRJ. Mestre em Relações Étnico Raciais pelo PPRE/CEFET-RJ. Historiadora pela UFRJ. Professora de História do Ensino Fundamental e Ensino Médio das redes pública e particular do estado do Rio de Janeiro. Idealizadora e coordenadora da Rede de Professores Antirracistas. Ganhadora do Prêmio Sim à Igualdade Racial do ID_BR em 2021.

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