Literatura: autores e estratégias para atividades nos Anos Finais
O trabalho com o texto literário é atemporal e permite a inserção transversal e interdisciplinar de diversos conteúdos, enriquecendo o aprendizado dos alunos
09/05/2023
Compartilhe:
Jornalismo
09/05/2023
Tem interesse no tema "Neurociência, adolescências e engajamento nos Anos Finais"?
Inscreva-se neste tema para receber novidades pelo site e por email.
Por meio da leitura literária, podemos ampliar, por exemplo, o nível de consciência crítica dos alunos.
“Ora, se ninguém pode passar 24 horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.”
As palavras de Antonio Candido, inscritas na obra O direito à literatura, nos colocam diante de uma reflexão necessária ao entendimento sobre o estudo do texto literário no cotidiano escolar, já que a escola é a principal responsável por apresentar o sujeito ao universo das palavras e da leitura literária e por mediar a criticidade na compreensão dos textos. Leitura não é uma prática unicamente do espaço escolar, mas, feita nesse espaço, colabora para o desenvolvimento de outras possibilidades de ler o mundo.
Ao revitalizar as formas literárias, percebemos que o universo ficcional, para alcançar a realidade, busca maneiras de tocar a sensibilidade e oportuniza um conhecimento tão necessário quanto o científico. Mesmo que percorra caminhos inusitados, traz à tona questões críticas e explora a liberdade, humanizando o homem por meio da fruição. Assume muitos poderes, inclusive um fulgor do real que permite que saberes ocupem um espaço indireto. E, como já reconheceu Jorge Amado, “a literatura será sempre uma arma do homem em sua caminhada pela terra, em sua busca de felicidade”. Está em nossas mãos propor o intercâmbio de textos nas suas mais diversas formas de arte.
O trabalho com o texto literário é atemporal e não espacial, ou seja, nos permite a inserção transversal e interdisciplinar de conteúdos de natureza étnica, social e econômica, sendo possível que o leitor se conecte com a herança cultural da humanidade e estabeleça relações interpessoais partindo de suas vivências.
A arte literária é uma união profunda de almas, um contágio que (re)direciona para um mesmo objetivo, é singular, mas também múltipla. Ideia já difundida no século 20 pelo autor brasileiro Lima Barreto: “Apresenta com um poder de contágio que a faz facilmente passar de simples capricho individual, para traço de união, em força de ligação entre os homens”.
LEIA MAIS: Como ter um currículo literário favorece a formação de leitores
E é oportuno, colegas, termos esta conversa agora, já que começamos o mês com um dia dedicado aos nossos autores e suas obras. O primeiro dia de maio remora o nascimento de José de Alencar e é o Dia da Literatura Brasileira.
A escolha do autor se dá como forma de valorização de seu empenho para que fosse constituída uma literatura genuinamente brasileira, distanciando-se dos padrões da Europa, com enredos que visitavam as paisagens típicas do Brasil e temáticas sobre o meio rural, mas também urbano, além da abordagem do contexto cultural indígena.
Essa é uma chance para explorar o surgimento do romance no Brasil. Mostre que o folhetim foi responsável por levar o romance a um público mais numeroso, em virtude do desenvolvimento da imprensa.
Explique que as peripécias eram contadas em capítulos, divulgados dia a dia com a intenção de induzir o leitor a seguir o enredo, semelhante à técnica folhetinesca das novelas e das famosas séries da atualidade que mantêm o suspense em sequências de cenas. Os romances do século 19 garantiram mais autonomia à literatura, já que pretendiam compreender e valorizar fatores sociais, culturais e linguísticos das diversas regiões brasileiras.
Lucíola e O Guarani, romances de José de Alencar, foram poetizados em forma de cordel e podem ser revisitados pela turma. Klévisson Viana já nos avisa: “Portanto, caro leitor/ Sendo fiel ao que li/ Eu mostrarei nos meus versos a meiga e linda Ceci/ Com seu leal defensor/ O devotado Peri”. Se achar adequado, apresente os versos seguindo a técnica folhetinesca com o corte no momento culminante de uma cena.
Para problematizar, peça aos alunos que façam uma pesquisa sobre as personagens de novelas e séries mais marcantes da atualidade e quais foram suas percepções em relação às características de cada indicação e sua relação com o perfil de quem as elegeu.
Depois de um debate, oriente que relacionem alguns elementos importantes como tempo, espaço, enredo e episódios. Feito isso, é hora de criar perfis que possam situar a transição temporal do folhetim para o contexto atual. Pode ser feito em mural, na sala de aula, ou por meio de compartilhamento em redes sociais.
Inúmeras são as formas de tecer diálogos intertextuais. O linguista José Luiz Fiorin pontua que a intertextualidade é “um processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo”.
Se voltarmos ao trânsito literário e pararmos diante de Miguel de Cervantes, encontraremos Dom Quixote revisitado por Carlos Drummond de Andrade e Candido Portinari. Nas páginas da Revista Prosa Verso e Arte, podem ser lidos os poemas de Drummond que, em comemoração aos seus 70 anos, lançou um livro com alusões às imagens de Portinari.
Se desejar ampliar um pouco mais a visão de sua turma sobre a arte e a literatura, visite o museu virtual de Portinari. O artista também dialoga com a estética de João Cabral de Melo Neto com a série Retirantes, por meio do quadro Criança morta. Conversam ainda os textos de Drummond (Poema de sete faces), Adélia Prado (Com licença poética) e Chico Buarque (Até o fim). Que tal contextualizar as obras para que os alunos possam ampliar o horizonte de leitura?
Ainda tomando como ponto de referência poemas de Drummond, sugiro O homem; as viagens e Eu etiqueta. Explore o ponto de vista do locutor sobre a relação do homem moderno com a capacidade de conviver e também sobre o consumismo, colocando em discussão a temática trazida pelos poemas. Levante o que os alunos pensam a esse respeito e solicite que expressem seu ponto de vista por meio de imagens, assim como fez Portinari.
Por meio da leitura literária, podemos ampliar o nível de consciência crítica de nossos alunos em relação aos problemas sociais e às questões étnico-raciais, possibilitando uma visão mais realista do continente africano e a percepção da diversidade étnica e cultural dos africanos que foi trazida para o Brasil.
A obra de Solano Trindade foi considerada transgressora pelo fato de usar a arte como forma de combate ao racismo. O pernambucano nasceu 20 anos após a abolição da escravatura, mas ainda persistia duramente o preconceito contra ex-escravizados e seus descendentes.
Fez da palavra seu instrumento de militância. Amar é uma constante em mim e Tem gente com fome são exemplos de como a poesia é desbravadora e libertária e toda diversidade cabe na cadência dos versos. Conheça um pouco mais sobre Solano e desperte a criticidade em seus alunos. Convide-os a interpretar os textos, mostre que, quando compartilhamos nossa cultura, superamos desafios e minimizamos as distâncias sociais.
Para explorar o potencial leitor de sua turma e conhecer o interesse literário deles, promova o Leitor Oculto. A atividade funciona assim: cada aluno deverá enviar uma carta a um colega indicando a leitura de uma obra (pode ser feito um sorteio).
Oriente que a indicação seja contextualizada, além da necessidade de que os alunos informem resumidamente fatos importantes sobre o autor e a essência sumarizada, despertando o interesse pela leitura.
Dessa forma, depois de receber a carta, cada aluno deverá ler a obra indicada e, no dia marcado, revelar sua leitura e trocar ideias com a turma e especialmente com o autor da carta.
Em seu acervo, para uma reflexão de temas atuais que permeiam as aflições adolescentes, sugiro Por um pedaço de terra, de Renato Tapajós; Depois daquela viagem, de Valéria Piassa Polizzi; A vida é agora: ser jovem nos tempos da AIDS, de Eliane Maciel; Vida de droga, de Walcyr Carrasco; e Feliz ano velho, de Marcelo Rubens Paiva.
Enfim, professores, deem ao texto literário a força necessária para representar a realidade e configurar diferentes lugares de fala, seja da escritura, da enunciação ou dos sabores e saberes que a literatura pode nos proporcionar.
Boa leitura e até breve!
Ana Cláudia Santos é professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede estadual de ensino há 20 anos e mestranda em Educação Profissional e Tecnológica. Foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, nas edições de 2014 e 2018, com os trabalhos O Povo Conta e O (Ser)tão de Cada Um. Recebeu a medalha Ordem do Mérito Educacional (MEC) – Grau de Cavaleiro e o troféu Capitão-Médico João Guimarães Rosa, da Academia de Letras da PMMG.
Últimas notícias