É melhor pagar à vista ou a prazo? Qual o va- lor de uma mercadoria antes de sofrer aumento? Qual é o preço final de um produto que sofreu um desconto e, em seguida, um acréscimo? É melhor pagar à vista ou a prazo? Como calcular a melhor taxa de juros do mercado? Essas questões, que parecem muito mais próximas do universo dos adultos que dos jovens, são importantes conteúdos matemáticos. Devem, portanto, ser exploradas em classe nos anos finais do Ensino Fundamental (leia os exemplos de problemas nas páginas seguintes).
Priorizar temas do cotidiano ligados ao mundo das finanças é um dos caminhos possíveis para introduzir a Matemática financeira. "O ideal é deixar de lado fórmulas decoradas e apenas situações falsas. É preciso preparar os alunos para concluir, por exemplo, que desconto em pagamento à vista significa juros embutidos no financiado", diz Lilian Nasser, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do material didático Matemática Financeira para a Escola Básica: Uma Abordagem Prática e Visual (132 págs., Ed. IM-UFRJ, tel. 21/2562-7511, 25 reais).
Não basta, porém, tratar de situações semelhantes às do dia a dia. É necessário mobilizar os estudantes a resolver problemas em que sejam colocados em jogo diversos conhecimentos previstos no currículo, como porcentagem e juros. Nesse aprendizado, eles devem ser apresentados a estratégias como a notação decimal, que facilita os cálculos. Uma taxa de 20%, por exemplo, pode ser representada por i = 0,2, ou seja, 20/100. Também é possível introduzir os fatores de correção (1 + i) e (1 - i), sendo 1 igual a 100%, ou seja, 100/100. Assim, multiplica-se por (1 + i) em caso de aumento e por (1 - i) em caso de desconto.
Após a conclusão de atividades envolvendo porcentagens e juros simples (acréscimos em que, a cada período, os juros são calculados sobre o capital inicial), os alunos podem ser desafiados a resolver problemas com juros compostos (nos quais eles são calculados sobre o capital acumulado ao longo de um período). Esse conteúdo deve ser apresentado de maneira exploratória, pois cálculos desse tipo exigem, em geral, o uso de ferramentas como função exponencial, que serão vistos no Ensino Médio.
Gráficos podem facilitar o trabalho com juros compostos. Uma boa estratégia é usar o eixo de setas, um diagrama composto de um eixo horizontal que exerce a função de uma escala no tempo e setas verticais que indicam os valores em cada período. "Eles funcionam como apoio visual, que permite entender a variação do dinheiro", explica Carlos Mathias, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Juros, contas imprevistas e debates sobre o orçamento
Propostas de planejamento financeiro são um bom recurso para incrementar o trabalho. O professor David Gouveia Alves, do Colégio Ciman, em Brasília, apostou numa sequência didática desse tipo. A turma do 9º ano deveria, em grupos, administrar as finanças de uma família hipotética. Alves reproduziu questões comuns, como a possibilidade de recorrer ao cheque especial e economizar para saldar uma dívida.
Cada equipe tinha um coordenador responsável por receber, via e-mail, informações sobre a família, que tinha renda preestabelecida e gastos fixos mensais. Semanalmente, todos eram comunicados sobre novas situações, que incluíam despesas extras. Assim, os estudantes tinham de tomar decisões sobre o que seria feito e realizar novos cálculos de acordo com as escolhas realizadas.
As decisões de cada grupo também eram enviadas ao professor por e-mail. Em classe, a turma debatia suas resoluções. "Essa situação gerou discussões muito ricas sobre o que deveria ocorrer em cada momento e sobre os conteúdos abordados, como os juros", explica Alves.No começo, os problemas eram um desafio para a classe, lembra Mylena Rodrigues, hoje com 16 anos e aluna do 1º ano do Ensino Médio. "Agora, esse conteúdo serve de base para o estudo de outros, como a função exponencial", diz ela.
Matemática financeira
Veja exemplos de problemas indicados para os anos finais do Fundamental e entenda os erros mais frequentes cometidos pelos estudantes ao resolvê-los
1. Depois de um aumento de 15%, um televisor passou a custar R$ 460. Qual era o preço do aparelho antes do aumento?
Resolução Para calcular o valor anterior do televisor, é possível usar a notação decimal. Basta multiplicar o preço original por 1,15, como a seguir:
Erro comum Calcular 15% de 460 e subtrair o valor. A porcentagem precisa ser determinada com base no valor desconhecido, antes do aumento.
2. Em um ano, o preço de uma mercadoria triplicou. Qual a porcentagem de aumento?
Resolução Uma possibilidade é usar o fator de correção. Se o preço da mercadoria é y e i é a porcentagem do aumento, temos:
Erro comum Responder 300%. Quando calculamos 300% de determinado valor, estamos, de fato, triplicando, como em 300% de 5 = (300/100).5 = 3.5 = 15. A pergunta, no entanto, refere-se ao aumento. Retomando o exemplo, ao triplicarmos 5 e atingirmos 15, verificamos o aumento de 10, que corresponde a 200% de 5.
3. Um aparelho de telefone celular foi anunciado nas lojas A, B e C pelo preço de R$ 200, diante de diferentes opções de pagamento, conforme dispõe a tabela abaixo. Negociando, consegui um desconto de 10% na loja A, para pagamento à vista. Se eu considerar o valor para pagamento à vista, que me foi concedido pela loja A, como minha referência de preço do telefone celular, quais serão as taxas de juros (mensais) adotadas pelas lojas B e C, no caso de alguém optar pelo pagamento em 30 dias?
Loja A
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Loja B
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Loja C
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R$ 200 à vista
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R$ 200 à vista
ou R$ 216
em 30 dias
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R$ 200 à vista
ou em 30 dias
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Resolução Para obter o preço à vista na loja A, com o desconto, deve-se multiplicar o valor inicial pela notação decimal do desconto de 10%:
Em seguida, deve-se calcular a taxa de juros praticada pelas demais lojas, seguindo o mesmo raciocínio: multiplicar o valor oferecido pela loja A e o fator de correção, usando como valor final o preço oferecido nos outros estabelecimentos, na sequência:
Assim, chega-se aos juros da loja B e da loja C.
Erro comum Considerar que a taxa de juros da loja B é 8%, após ter feito o cálculo sobre a referência de R$ 200
200. (1+i) = 216
1 + i = 216/200
1 + i = 1,08
i = 0,08
i = 8%
4. Em uma liquidação, determinado produto teve seu preço original reduzido em 10%. Nas compras com cheque, porém, o vendedor decidiu aumentar o preço do produto em 10%. Comparativamente ao preço original do produto, o que podemos afirmar sobre o último preço dele?
Resolução Se o preço original do produto é x, o preço da liquidação é (0,9). x (notação decimal referente ao desconto de 10%). Após o aumento de 10% sobre o preço da liquidação, multiplica-se por 1,1 (notação decimal do aumento). O valor torna-se:
Isso significa que o preço do produto torna-se 99% do preço original. Se ele custasse R$ 100, o valor com desconto seria R$ 90. Um acréscimo de 10% sobre esse preço resultaria em R$ 99.
Erro comum Entender que o preço retornou ao valor original por terem sido dados, consecutivamente, um desconto e um acréscimo de 10%. O desconto e o acréscimo são frações calculadas sobre valores diferentes.
5. Beto depositou R$ 800 na poupança, à taxa de 10% ao ano. Depois de um ano, depositou mais R$ 1.120. Após mais um ano, recebeu o montante de R$ 2.240. Qual a taxa do último período de aplicação?
Resolução É possível utilizar o eixo de setas para sinalizar os diversos depósitos ao longo do período de tempo.
Após o primeiro ano, o capital é a soma o depósito inicial com juros e do depósito de R$ 1.120, como descrito abaixo:
O cálculo da taxa do último período de aplicação é obtido com a multiplicação entre o capital resultante no primeiro ano e o fator de correção. Veja abaixo:
Erro comum Desconsiderar o rendimento do primeiro ano, somando R$ 800 e R$ 1.120 e, em seguida, calcular os juros sobre o último valor.
Consultoria Lilian Nasser e Carlos Mathias.