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Jornalismo

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Certa vez, o escritor Ruy Castro disse que o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), ao escrever sobre um reles jogo Flamengo e Canto do Rio ou o velório de um jogador obscuro, estava apenas usando o futebol como um pretexto para mergulhar em suas obsessões: o heroísmo e o medo, a multidão e o indivíduo, a vida e a morte. Para alguns, é assim mesmo. A paixão pelo esporte vai além da torcida. Rodrigues e outros, como José Lins do Rego (1901-1957) e Luis Fernando Verissimo, retratam o universo futebolístico em crônicas, como A Realeza de Pelé (leia um trecho abaixo). "Nesse gênero, o fato não é protagonista, como na notícia. Uma faceta do acontecimento ou o inusitado pode ser o destaque", diz Claudio Bazzoni, professor do Colégio Santa Cruz, em São Paulo. A crônica também difere do artigo de opinião, em que o autor defende uma tese e argumenta. "A crônica surpreende pelo conteúdo e pela linguagem", fala Bazzoni.

Priscila Campanholo, professora da pós-graduação em Formação de Escritores, do Instituto de Educação Superior Vera Cruz (ISE Vera Cruz), sugere trabalhar com o gênero por meio da leitura e da escrita.

Inicie indicando crônicas diversas sobre o tema. Sugestões podem ser encontradas em O Brasil em Campo (Sônia Rodrigues/org., 160 págs.,Ed. Nova Fronteira, tel. 21/3882-8200, 27,90 reais), O Berro Impresso das Manchetes (Ed. Agir, 540 págs., tel. 21/3882-8200, 55 reais) e A Pátria de Chuteiras - todas de Rodrigues - e Flamengo É Puro Amor, de Lins do Rego (Ed. José Olympio, 208 págs., tel. 21/2585-2000, 29 reais). Oriente a leitura coletiva de três e indique outras duas para apreciação individual. Explique que depois será discutido como o futebol foi abordado em cada uma, quais os recursos presentes (como narrador-personagem, metáforas, comparações e ironia). "É interessante ainda questionar os limites entre o ficcional - possíveis lembranças do narrador - e o não ficcional - como fatos explicitados pelo narrador. E recorrer também aos exemplos lidos, para destacar que, frequentemente, as crônicas se baseiam em um fato ou um dado (veiculado em reportagens) e são ampliadas com reflexões e conjecturas", diz Priscila.

Feito isso, desafie os alunos a escrever crônicas sobre futebol e divulgá-las no mural da escola. Para começar o projeto, peça que, considerando o material já apreciado, eles anotem as características do gênero em texto corrido ou em tópicos. Em seguida, é tempo de elaborar reflexões e sistematizar o que foi explorado até então. Com base no que a garotada elencou, faça uma lista no quadro. Sugira que todos leiam dois textos em busca de mais informações: Literatura de Jornal (O Que É a Crônica), de Artur da Távola (1936-2008), e Ser Cronista, publicado em A Descoberta do Mundo (Clarice Lispector, Ed. Rocco, 480 págs., tel. 21/3525-2000, 58,50 reais). Para encerrar essa etapa, terão de organizar a lista na aula seguinte com seu auxílio.

Antes de liberar a turma para escrever, incentive a leitura de mais crônicas, em paralelo às outras tarefas. Se possível, deixe à disposição de todos as coletâneas já citadas e sugira que leiam online À Sombra das Chuteiras Imortais, também de Rodrigues. Para dar mais repertório à moçada, Priscila sugere ainda exibir o trecho do documentário Nós Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos (Marcelo Masagão, 73 min, Riofilme), em que é feita uma comparação entre um drible do jogador Garrincha (1903-1983) e passos de dança do norte-americano Fred Astaire (1899-1987). "Chame a atenção para a presença de ideias pressupostas, como o futebol-arte e a brasilidade do futebol, e o tom poético usado na aproximação entre o esporte e a arte", diz ela.

Sugira que cada estudante busque um fato relacionado à Copa de 2014 no Brasil (em uma reportagem, por exemplo) e apresente para os colegas a ideia - essa é uma maneira interessante de fazer o planejamento da escrita. Com base nisso e no estudado até então, todos deverão escrever uma crônica com narrador em primeira pessoa, recorrendo a recursos como metáforas e comparações. Reserve duas aulas para o trabalho. "Vale comentar que esse gênero textual tem a ver com olhar para as pequenas coisas do cotidiano e que o autor não tem como objetivo convencer o leitor. Ele conta uma boa história mobilizando certos recursos da língua", diz Rita Faleiros, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Depois, recolha e analise as produções, mas sem deixar marcas.

Surpreenda a classe ao propor a leitura e a produção de crônicas sobre o mundo do futebol. Foto Lemyr Martins. Ilustração Bruno Algarve

"(...) Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés." 

Trecho da crônica A Realeza de Pelé, de Nelson Rodrigues

Análise de um bom modelo e revisão do texto

Antes de os estudantes iniciarem o processo de revisão, distribua cópias de A Realeza de Pelé. Faça a leitura em voz alta e discuta a construção da temática e a presença de sequências narrativas no texto, a informalidade da linguagem e o modo com que é feita a passagem do fato (o jogo Santos e América, em 1958) para outras reflexões e comentários (como referência a entrevistas e a uma suposta conversa com outro torcedor). Oriente os alunos a grifar, com canetas coloridas, marcas de oralidade (como gírias), recursos poéticos (comparações e metáforas, por exemplo) e palavras que expressam tempo (como advérbios, conjunções e locuções adverbiais). Converse sobre a riqueza desses recursos para a elaboração do texto. Sugira que ampliem a lista feita no início do projeto com isso. Para contribuir mais com o repertório dos jovens, peça que leiam em casa Sem Exagero, crônica em que Verissimo discute a realeza de Pelé em relação a craques contemporâneos (leia um trecho abaixo). Solicite que prestem atenção nos marcadores temporais. Em seguida, sistematize as informações.

Devolva as crônicas aos alunos e peça que façam a releitura e a revisão em duplas. Oriente a análise do uso da norma culta, das marcas de oralidade, dos recursos poéticos e da variação no uso de marcadores temporais. Na aula seguinte, todos deverão trocar os textos entre si e revisá-los. Depois, os autores devem fazer a escrita de uma nova versão e entregar as crônicas e os textos intermediários a você. Leia tudo e converse com os jovens, propondo melhorias. Se for o caso, peça a elaboração de uma nova versão. Organize a montagem do mural - os textos devem ser impressos em tamanho adequado para a leitura.

Ao avaliar o percurso de cada um, observe as alterações nas revisões: colaboraram para melhorar o texto final? O jeito de contar a história é um dos trunfos do cronista. Então, considere se as marcas de oralidade e a focalização (ponto de vista do narrador) foram bem usadas.

Surpreenda a classe ao propor a leitura e a produção de crônicas sobre o mundo do futebol. Fotos Lemyr Martins, Sergio Berezovsky e Alexandre Battibugli. Ilustração
Bruno Algarve

"(...) Volta e meia, vem a discussão. Pelé era mesmo tudo que se diz dele? O Maradona era melhor? O Messi é melhor? Meu testemunho não interessa. (...) E o grande mérito de Pele é que ele resiste ao videotape completo. Se tivesse ficado só em filme, só os seus grandes momentos estariam registrados. Já o videotape completo traz tudo: o passe errado, o tombo sentado, a chuteira desamarrada. E Pelé resiste aos detalhes. Ele era bom até amarrando a chuteira." 

Trecho da crônica Sem Exagero, de Luis Fernando Verissimo

1 Ler para se familiarizar Recomende que os alunos leiam crônicas sobre futebol de autores como Nelson Rodrigues. Convide-os a se preparar para escrever as próprias crônicas.

2 Listar para conhecer mais Peça que a moçada anote as principais caracterísitcas do material lido e pesquise mais informações sobre crônicas. Também oriente a turma para ler mais modelos para construir um bom repertório e se inspirar.

3 Escrever para experimentar Inicie o trabalho de produção de texto. Cada aluno deve buscar um fato relacionado à Copa no Brasil e escrever uma crônica em primeira pessoa. Encerrado o trabalho, recolha os materiais.

4 Ler mais para aperfeiçoar Sugira a leitura de mais duas crônicas e converse com a turma sobre marcas de oralidade, recursos poéticos e palavras que expressam a passagem do tempo.

5 Revisar para finalizar Devolva os textos para os estudantes e peça que revisem as crônicas. Recolha as produções intermediárias e as finais para analisar o percurso de cada um. Providencie a montagem do mural.

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