Na Educação Infantil, as crianças constroem noções de identidade e subjetividade que precisam ser apoiadas. A postura do professor na condução das atividades da rotina é essencial ao aprendizado. Veja quais os sete pontos mais importantes, de acordo com os conceitos essenciais trazidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
1. Cuidar e educar
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) já estabeleciam que cuidar e educar não eram dimensões separadas, mas sim, duas faces de uma experiência única. A BNCC valida e reforça esse conceito de que as ações de cuidado estão plenamente integradas com as ações de conhecer e explorar o mundo, criando campo propício para a sistematização dos conhecimentos, que acontece na etapa posterior do Ensino Fundamental.
Assim, quando o professor estimula e apoia a criança a se sentar e a comer com outros colegas à mesa, por exemplo, proporciona à criança a chance de aprender sobre cuidados com o próprio corpo – à medida que ela vai construindo hábitos alimentares – e também propõe o aprendizado sobre os alimentos mais presentes na mesa daquela comunidade da qual a escola faz parte. As crianças também aprendem a criar noção de rotina, que pode ser organizada e dividida por horários de refeição. Além disso, é nesse momento que os meninos e meninas da creche têm mais uma situação propícia para a interação e para o fortalecimento de vínculos.
A ideia do cuidar está atrelada à postura de cuidado do professor, que pode se manifestar em diferentes situações da rotina. “Quando ele organiza as produções das crianças em uma exposição, por exemplo, está adotando um cuidado estético”, explica Débora Rana, formadora de professores e coordenadores pedagógicos na etapa de Educação Infantil e séries iniciais, do Instituto Avisa Lá e Somos Educação.
Outro exemplo é quando o professor demonstra preocupação e zelo com o ambiente físico para proporcionar espaços estimulantes e seguros a ser explorados pelas crianças, organizados e contendo materiais adequados. Ter na sala um espaço reservado para cada criança, onde ela possa guardar seus próprios pertences (um cabideiro para pendurar as mochilas ou armário com prateleiras); organizar o momento das refeições com toalha de mesa ou jogo americano, pratos, talheres e copos adequados e limpos, guardanapos, alimentos saudáveis e bem preparados são outros exemplos de dimensões de cuidados importantes para que o aprendizado se efetive na escola.
2. Formação do vínculo
Os cuidados físicos são a principal maneira de estreitar vínculos e transmitir para a criança uma segurança afetiva, que a ajudará a desbravar os conhecimentos do mundo ao seu redor e desenvolver a autonomia. Uma criança insegura pode ter muito mais dificuldade de explorar o mundo por si própria e pode manifestar incômodo ao fazer isso, com reações de nervosismo e irritação. “Quando se está trocando uma fralda, alimentando ou dando banho na criança, é importante que a professora esteja inteira para a criança, que se observe as reações dela, que proponha interações, não pode ser algo mecânico”, explica Mariana Americano, formadora de educadores e membro da Rede Pikler Brasil.
Esses são momentos privilegiados para a construção de vínculos e criam uma oportunidade ímpar para o trabalho de valorização da autoestima. Aprender a comer sozinho, a limpar-se após usar o banheiro e a tomar banho são algumas das primeiras tarefas que uma criança aprende a desenvolver sem o auxílio de um adulto. A confiança que adquire ao aprender a cuidar de si mesma será fundamental para as demais aprendizagens. Uma criança que não é motivada a realizar sozinha ações simples do cotidiano, por contar sempre com um adulto que faz por ela, poderá não ter segurança e autoestima para desbravar novas aprendizagens. Quando o adulto toma à frente do processo, mesmo sem intenção, comunica que a criança não é capaz de fazer de maneira autônoma. Nesse processo, a criança pode se retrair. Uma criança insegura e dependente dos adultos terá mais dificuldade para aprender coisas novas, pois não se sente capaz, tem medo de não conseguir, não se arrisca...
3. Incentivo à autonomia
Em instituições de ensino com escadas ou com longos corredores, os professores podem ficar tentados a pegar as crianças pelas mãos ou a carregar as que apresentam maior dificuldade de locomoção. Essa atitude tem uma boa intenção, os educadores acreditam que assim as crianças terão mais tempo para o lazer e outras atividades se chegarem mais rapidamente na pracinha ou em outra sala de aula, por exemplo. Mas incentivar a autonomia da criança pode ser até mais benéfico e é importante: permite que ela enfrente obstáculos e os supere, respeitando seu próprio ritmo.
“Pode ser muito mais valioso para o desenvolvimento motor a criança passar mais tempo na escada, aprendendo a descer os degraus, do que no parque”, diz Mariana Americano. Além disso, se a criança começa a descer e falha e em seguida o professor a carrega, ela vai achar que não consegue, o que impacta diretamente na autoestima. “Da próxima vez que perceber que chegou a uma escada, nem vai tentar descer sozinha, vai logo estender os bracinhos para que alguém a pegue”, complementa a formadora.
4. Respeito ao ritmo da criança, independentemente da idade
Outro aspecto que a Base reforça é a centralidade da criança no processo educativo. Nesse contexto, é preciso ter cuidado para não estigmatizar as crianças pequenas, utilizando os objetivos de aprendizagem relacionados às faixas etárias como algo rígido e estanque. “O professor precisa entender que cada criança tem seu tempo e respeitar isso”, diz Maria Thereza Marcilio, coordenadora da Avante, instituição voltada à educação e à mobilização social.
5. Observação ativa
No cotidiano escolar, é importante que o professor equilibre experiências mais livres, ficando no lugar do observador, com outras mais dirigidas. Mesmo nas atividades dirigidas pelo professor, o ideal é que a criança tenha espaço e tempo adequados para reagir aos estímulos propostos, sem a intervenção imediata do professor. “Para a criança ser competente, ela precisa ser ativa. Para ser ativa, precisa ter tempo e espaço. O adulto não pode fazer tudo por ela, tem de fazer com ela, provocar e observar a resposta”, afirma Beatriz Ferraz, diretora da Escola de Educadores Bacuri.
A postura de observador atento permite que o professor organize seu planejamento de acordo com as reais necessidades das crianças. Assim, ao propor um ambiente rico para a exploração motora, onde as crianças possam engatinhar livremente em segurança, e com brinquedos onde possam se apoiar para levantar, por exemplo, o professor pode perceber como cada criança se movimenta. É interessante observar como o bebê senta, engatinha, deita, levanta e quais tipos de apoios ele usa, se fica na ponta do pé ou não ao se erguer. Tudo isso são pistas que o educador pode levar em conta para o desenvolvimento de outras atividades de acordo com a etapa em que ela está, independentemente da faixa etária. Nesse processo, é também importante que o professor tenha instrumentos para registrar as aprendizagens das crianças.
6. Exploração livre, mas com contextos planejados
Ao definir o currículo, as redes estaduais, municipais e a equipe gestora de cada escola vão decidir os objetos de conhecimento do patrimônio social, científico e cultural que serão apresentados às crianças. Isso significa que, embora haja uma valorização das atividades do cotidiano enquanto eixos estruturantes da educação e da formação das crianças, não se pode utilizar apenas essas referências no dia a dia da escola, o que empobreceria o cotidiano. As crianças devem ser estimuladas a explorar livremente, porém, em contextos cuidadosamente planejados pelo professor. Essa intencionalidade se expressa, muitas vezes, na organização dos espaços, na escolha dos materiais que serão oferecidos para as crianças etc.
O mais importante é variar situações e deixar que as crianças escolham, dentre as opções oferecidas pelo professor, do que vão querer brincar, de quais colegas querem estar próximos, quanto tempo vão permanecer em determinada atividade ou brincadeira, se vão passar por todas as opções ou não; e situações em que o professor vai conduzir as ações das crianças, por exemplo, durante a leitura de uma história, todos devem estar sentados em silêncio para ouvir ou em uma brincadeira de roda, todos devem brincar juntos e seguir as “regras” do jogo. Permitir que as crianças vivenciem os dois tipos de experiências é fundamental, pois elas oferecem aprendizagens diferentes: na primeira, a criança aprende a escolher, tomar decisões etc.; na segunda, a gostar dos livros, das histórias, a participar de situações coletivas, a respeitar regras simples etc.
Nesse sentido, uma boa ideia para proporcionar a exploração e o desenvolvimento de diversas habilidades para as crianças é criar um espaço de ateliê, onde elas possam experimentar livremente atividades de sua escolha, de forma segura e com materiais adequados à sua etapa de desenvolvimento. Esse é um exemplo de como as crianças podem se apropriar dos espaços, estabelecendo seus percursos de forma mais livre e se expressarem com mediação e escuta ativa do professor, sem intervenções diretas.
O parque é outro ambiente que favorece o desenvolvimento de várias habilidades, mas para isso deve ter recursos diferentes, que estimulem a interação das crianças com o meio. “O parque da escola não pode ter os mesmos elementos do playground do prédio, como pás e baldes. Pode ter isso, mas precisa ir além”, diz Silvana Augusto, assessora pedagógica de redes municipais de ensino para o segmento de Educação Infantil, formadora do Instituto Singularidades. Ela sugere que o ambiente tenha um espaço com água, onde as crianças possam afundar objetos, uma área verde que permita observar os fenômenos da natureza, uma casinha com diversos materiais interessantes que remetam à cultura local e lugares onde as crianças possam guardar objetos coletados de um dia para o outro para dar continuidade à brincadeira.
7. Organização do tempo
Reforçar a criação de uma rotina dentro da escola também é educativo. As crianças aprendem sobre a passagem do tempo e convenções sociais, incluindo os horários para se alimentar e cuidar da higiene. Essa noção de rotina também transmite segurança. Afinal, como as crianças pequenas ainda não sabem olhar as horas para se situar no tempo, ter uma rotina com momentos que se repetem todos os dias ajuda a prever o que está por vir, diminuindo a ansiedade e a agitação. Por exemplo, se a criança sabe que todos os dias depois da história tem o lanche, então, se está com fome durante a história, poderá se autorregular e esperar um pouco mais, pois sabe que logo poderá comer. Da mesma forma, se a criança sabe que todos os dias antes da hora da saída vai brincar no parque, ela já tem consciência de que, após as brincadeiras, chegará o momento de ver de novo os pais e essa percepção minimiza a saudade, dando mais segurança. Quando a rotina muda todos os dias, as crianças tendem a ficar mais dependentes dos adultos, pois não conseguem se regular sozinhas, não sabem o que vai acontecer no momento seguinte, então, ficam mais predispostas a se sentir ansiosas.
No entanto, vale lembrar que há várias maneiras de organizar a rotina. Beatriz sugere, por exemplo, estruturar a rotina diária em grandes blocos, em vez de pensar em aulas centradas em componentes curriculares ou mesmo em Campos de Experiência. “É possível pensar em momentos de interação da criança em grandes grupos, incluindo diversas faixas etárias, de cuidados pessoais e situações em que a criança terá livre escolha para interagir com o ambiente e com a natureza”, sugere. A partir disso, gestores e educadores poderão definir as atividades que serão propostas no futuro, sempre as organizando em torno de contextos lúdicos. Alguns horários precisam ser fixos e outros, não. E cabe à equipe gestora e aos professores fazerem esse exercício, determinando o que pode ser flexibilizado e qual é o limite.
Fonte: Fernanda Pinho, mestre em Educação e coordenadora de projetos do Instituto Natura