Lição de mestre
Ao conhecer as características de estilo de autores profissionais, os alunos aprendem diferentes maneiras de estruturar um texto e abordar um tema
31/12/2015
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Jornalismo
31/12/2015
Inspirar-se em textos escritos por nomes de sucesso da literatura, como Clarice Lispector (1920-1977), para se apropriar das marcas de estilo deles e desenvolver as próprias, é um comportamento escritor importante, que colabora com o processo de produção textual. Mas, para que ele seja colocado em cena pela turma, o professor tem de ensinar a detectar as características de determinado escritor profissional em vários textos e usá-las em suas produções.
"É importante que os estudantes sejam levados a observar as criações e as transgressões literárias para que possam enriquecer suas produções", diz Cristina Zelmanovitz, pedagoga e pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), em São Paulo. Clarice Lispector, por exemplo, escreve usando os sentimentos e os detalhes da vida dos personagens como fios condutores da história. Ela rompe com o que é considerado normal e correto ao começar o texto Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (158 págs., Ed. Rocco, tel. 21/3525-2000, 50 reais) com uma vírgula e terminar com dois pontos. Há muito que observar também nos escritos de Machado de Assis (1839-1908). Ele é famoso por ser irônico ao retratar a sociedade do século 19 e fazer com que o narrador da história manipule os acontecimentos. Sabendo dessas e de outras marcas, é possível comandar um bom trabalho de leitura e apurar o olhar dos jovens. "Essas características são como moldes", diz Claudio Bazzoni, assessor de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e selecionador do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.
O primeiro passo é escolher as obras de um autor a serem dissecadas de acordo com as necessidades de aprendizagem da turma. Não se trata, então, de eleger textos ditos fáceis ou difíceis, assinados por nomes consagrados. Por exemplo, focar o jeito de finalizar as histórias pode ser interessante quando os alunos sempre mostram que os personagens vivem felizes para sempre. Trabalhar com Oscar Wilde (1854-1900) ajuda a garotada a tomar gosto pelos fins trágicos (leia nos quadros abaixo a análise feita por estudantes do 6º ano de contos do autor e trechos das produções que realizaram). O emprego do discurso direto e do narrador onisciente também pode fazer parte da lista.
Durante a leitura de alguns contos do autor, os alunos encontraram algumas características que definem seu jeito de escrever
"(...) Ela só tinha permissão para brincar com crianças da sua condição (...) Mas (...) o Rei deu ordens para que ela convidasse quaisquer crianças amigas (...)"
Conto O Aniversário da Infanta
"'O meu jardim é só meu', berrou o Gigante (...) Ele era um gigante muito egoísta. (...) Veio então a Primavera e por toda parte havia flores em botão e passarinhos (...)"
Conto O Gigante Egoísta
"A Lua de cristal gelado debruçou-se para escutar."
Conto A Cotovia e a Rosa
"Ele beijou o Príncipe Feliz nos lábios e caiu morto aos seus pés."
Conto O Príncipe Feliz
Conhecendo as marcas estilísticas do escritor, a turma produziu seus próprios textos
Depois da leitura, é importante conversar bastante com os alunos para que eles percebam as características que marcam os textos. Alguns recursos nem sempre ficam explícitos depois da primeira análise: é preciso levar a garotada a percebê-los. Para isso, questione algumas decisões do autor. Enxergar as maneiras com que ele resolve problemas acerca da forma e da linguagem e refletir sobre como chegou a essa resolução e por que fez essa opção também é uma possível pauta de debate antes da produção propriamente dita (leia a sequência didática).
No entanto, esse tipo de atividade não deve ter como pretensão, em hipótese alguma, criar Clarices, Machados, Wildes e outras cópias. "Ao ler várias obras de um mesmo autor, os alunos passam a conhecê-lo mais a fundo. Mas, quando partem para a produção, embora se apropriem de certas marcas, têm de ter liberdade para desenvolver seus escritos", destaca Cristina.
A proposta também não pode tangenciar a escolarização da leitura. O real objetivo de focar os traços de um escritor, além de fazer com que os estudantes conheçam mais sobre a cultura escrita para redigir melhor, é ajudá-los a perceber que seguir um escritor, acompanhando os marcos de sua trajetória profissional, é uma saborosa aprendizagem.
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