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Jornalismo

Cinco lições de vida que recebi como professora

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16/10/2016

Depois de tanto tempo, ainda mantenho o prazer de estar em sala de aula com meus alunos. Tenho muito orgulho da minha profissão! E, como vocês imaginam, a alfabetização é a área em que me sinto mais realizada. Tenho consciência do empoderamento que proporciono aos meus meninos e meninas. E não estou falando só com os pequenos, não! Uma vez, li o texto de uma aluna da EJA que dizia: “Agora que sei ler e entendo as coisas, nunca mais eu vou apanhar!” . São esses momentos emocionantes, únicos, que levam um educador a refletir que valeu cada esforço, cada tentativa, cada ação.

Eu poderia contar a vocês uma história que presenciei ou vivi para cada ano dessa minha longa jornada de mais de 30 anos na Educação. Sem falar das outras muitas histórias do tempo em que eu era aluna e olhava para a maioria dos professores com o olhar de extrema admiração.

Muitas dessas lembranças me marcaram como professora. E digo mais: me marcaram como ser humano. Carrego-as comigo, não como um fardo pesado e cansativo, mas como uma inspiração e um caminho a seguir em minha profissão. Quero contar cinco delas.

 

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Muitos professoras e professores, contribuíram em minha formação enquanto professora, alfabetizadora. Mas faço questão de mencionar três.

Na infância, Dona Terezinha, professora da 2ª série, que deu continuidade à minha alfabetização. Foi com ela que descobri o valor de saber escrever. Depois, com Dona Francisca, descobri o prazer da leitura. Ganhei dela meu primeiro livro infantil. Acredito que trago um pouco das duas em meu jeito de ser na sala.

Já como professora formada, conheci a Inês, minha eterna professora orientadora. Em seus cursos renovei minhas práticas alfabetizadoras e reaprendi a aprender e ensinar!

 

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Lembro-me que, quando menina, em uma pequena cidade do interior de São Paulo onde morei com minha família, aconteceu um fato absurdo, mas infelizmente não raro. Uma professora foi impedida de entrar em um estabelecimento comercial simplesmente por ser negra! Na minha cabeça de criança, aquilo era inconcebível, afinal ela era um ser humano e era “professora”. Como era possível que alguém tivesse coragem de barrar uma professora na porta? Justo ela, que abre as portas do mundo do conhecimento para tanta gente? Infelizmente, essa situação persiste ainda hoje, em muitas partes desse nosso Brasil, com barreiras nem sempre visíveis, mas que limitam espaços e oportunidades a muitos professores vítimas do racismo e do preconceito.

 

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O preconceito não é só de raça, mas também de gênero. Há alguns anos, estávamos eu e outros colegas, empolgados e prontos para conhecer as novas turmas naquele que seria o primeiro dia de aula, quando ouvimos de uma mãe : “Mas ele é quem vai dar aulas a minha filha, um homem, um professor?!” Era pura discriminação, só porque ele era um homem que iria dar aula a uma turma cheia de crianças pequenas, o que seria trabalho de mulheres. Felizmente, a garota não foi trocada de sala. Ela e a família tiveram a oportunidade de conhecer um professor fantástico, competente, que encantava e envolvia toda a escola com suas propostas e desafios de aprendizagem, especialmente em Matemática e Ciências. Eu olhava para ele e pensava como é possível que alguém seja tão criativo e inovador! Isso tudo não porque ele era homem, mas porque era um grande professor.

 

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Por falar em professor comprometido, me veio a memória de uma colega em uma escola na capital paulista, onde trabalhávamos juntas, que me bateu à porta, no ano de 2000, propondo a parceria em um projeto de alfabetização para as nossas turmas. Ela estava extremamente alegre e ansiosa para que começássemos o quanto antes a desenvolver o trabalho, e falava sem parar das possibilidades que tínhamos à mão. Fiquei olhando aquela empolgação meio incrédula, surpreendida com suas palavras. Quando ela parou de falar, perguntei: “Mas sua aposentadoria não está prestes a ser publicada ainda neste mês?” E ela me respondeu, com entusiasmo: “Ainda dá tempo!” Passaram-se anos e trago comigo essa lição: todo tempo é tempo de ensinar e aprender, de aprender e ensinar! Apesar de tudo, nesses tempos de incertezas na Educação que estamos vivendo, espero que essa vontade de transformar o mundo se renove em mim e em cada educador, a cada ano que venha!

 

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Já contei aqui, uma vez, que eu não sonhava e não queria ser professora. Foi minha mãe, Rayld, que me forçou a fazer o magistério. Ela sabia, naquele momento, o que seria melhor para mim. Então, aconteceu o que eu não esperava: em 1988, me apaixonei pela Educação, e nascia, assim, uma professora dentro de mim.
Lembro que meu pai, José, gostava de dizer aos amigos, de peito cheio, orgulhoso, sempre emocionado, com os olhos marejados: “Minha filha é professora!” E depois de alguns anos, ao ver formadas não uma, mas duas filhas professoras (minha irmã e eu), ele não cabia em si de felicidade. Em casa, tínhamos almoço ou jantar especial em comemoração e homenagem pelo Dia do Professor.

Em 2014, quando recebi o maravilhoso Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, meu pai foi embora antes do combinado! Mas deu tempo de dizer a ele o quanto eu o amava e de ver sua enorme felicidade em saber que sua filha professora havia sido escolhida para receber um reconhecimento tão importante pelo trabalho na alfabetização.

Para ele e minha mãe, meus agradecimentos eternos por proporcionarem a mim um ofício tão especial, honroso, privilegiado e bonito como esse de ser professor!

 

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Para todos vocês, queridos professores, desejo mais do que a devida valorização em nossa profissão. Desejo respeito, boas condições de trabalho, salário digno, boa formação, muitas e muitas portas abertas e – por que não dizer? – a felicidade. Mas se essas portas estiverem fechadas, insista e bata mais forte para ser ouvido. E se isso ainda não adiantar, desejo força e persistência, porque será preciso forçá-la! Educação se faz assim: com decisão, compromisso e coragem!

Um grande abraço e feliz dia dos professores!

Mara Mansani

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