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Jornalismo

Cinco sextos por vinte-avos?

Para que mesmo seu aluno precisa aprender isso? Ensinar com eficiência exige que você trabalhe em conjunto, sabendo que jovem deseja formar

PorRicardo Falzetta

01/12/2001

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Alunos de Garopaba aprendem a usar o Teorema de Pitágoras
Alunos de Garopaba aprendem a usar o Teorema de Pitágoras:
Matemática com sentido e integrada a outras áreas.
Foto: Eduardo Marques
"As pessoas acham que o bom matemático é aquele que sabe fazer contas mirabolantes. Não é verdade. Em geral, os melhores têm aversão a esse tipo de operação." A frase é de Rui Lopes Viana Filho, medalha de ouro da 39ª Olimpíada Internacional de Matemática, em entrevista à revista Veja em agosto de 1998, aos 16 anos de idade. Ora, se até os "crânios" têm aversão às contas mirabolantes, por que a escola insiste em ensiná-las? O chamado conteúdo obsoleto, sem significado para o aluno, é um dos principais entraves da disciplina na escola, concordam todos os especialistas.

Se tomarmos um depoimento de Paulo Freire durante o VIII Congresso Internacional de Educação Matemática, vamos confirmar que um ensino mais criativo, menos centrado no lado procedimental, é mais democrático e produz cidadãos mais críticos, indagadores e autônomos. Disse Freire: "Eu não tenho dúvida nenhuma de que dentro de mim há escondido um matemático que não teve chance de acordar, e eu vou morrer sem tê-lo despertado". Não só dentro do mestre, mas de muitas das gerações que hoje encaram a Matemática como uma matéria chata, complicada ou misteriosa.

Nesse cenário, planejar um curso passa a depender do cidadão que se quer formar. E como ninguém tem gavetas de conhecimento na cabeça, onde repousam isolados os conteúdos, a única saída é planejar de forma coletiva. Há que buscar nexos com as demais áreas e entre os próprios conteúdos da disciplina. "Não se pensa mais na Matemática como uma seqüência linear de informações, mas como uma teia de relações", diz Célia Maria Pimenta, mestre em Educação, Avaliação e Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A conclusão parece simples, até lógica. Mas mudar a prática, ainda mais tendo sido formado no modelo tradicional, é sempre complicado.
Turma da 8ª série da professora Maricléia finaliza o estaqueamento da planta baixa de uma casa econômica no pátio da escola: contexto social. Foto: Eduardo Marques
Turma da 8ª série da professora Maricléia finaliza
o estaqueamento da planta baixa de uma casa
econômica no pátio da escola: contexto social.
Foto: Eduardo Marques

Planejar coletivamente significa ter um conhecimento mínimo das outras áreas. Por isso, o professor de Matemática, assim como todos os colegas, não pode parar de estudar. Tem de conhecer as possiblidades, saber o que vem sendo feito, atualizar-se nas práticas pedagógicas. Em resumo, precisa de uma formação contínua.

Definir conteúdos, partindo desse ponto de vista, também é um processo que requer mudanças. Se a busca é pela contextualização, pelo estabelecimento de relações entre a Matemática e as demais áreas, não se pode pensar em exigir numa prova, por exemplo a resolução de divisões entre frações (como a do título desta reportagem) ou cálculos na casa dos milhões, sem que o aluno saiba por quê. "É preciso ter coragem de tirar conteúdos como esse do currículo", afirma Maria Sueli Monteiro, consultora em educação matemática.

Pitágoras em Garopaba

Isso não significa optar por um ensino improvisado. "O professor tem de ter muito claros os conceitos que seus alunos precisam dominar ao final de cada nível de ensino", assinala Célia Maria. Mas saber esses conteúdos significa também entender para que eles servem e não apenas decorar algoritmos ou procedimentos.

Professora  Maricléia da Rosa Antônio.  Foto: Eduardo Marques

Professora 
Maricléia da
Rosa Antônio.
Foto: Eduardo
Marques

Assim faz a professora Maricléia da Rosa Antônio, na Escola de Educação Básica Professor José Rodrigues Lopes, em Garopaba, a 90 quilômetros de Florianópolis. Em suas aulas sobre o Teorema de Pitágoras para 8ª série, ela mostra a aplicação do conceito no trabalho de um mestre-de-obras ao estaquear uma casa. Antes de apresentar a teoria, Maricléia conversa com a turma sobre moradia e faz uma análise da situação social e financeira da comunidade. Em seguida, eles partem para o desenho de uma planta baixa de uma casa econômica. O teorema não cai de pára-quedas. "Pesquisamos sua origem enfatizando a história da Matemática e evidenciando-a como uma produção coletiva."

Neste ano, um grupo de alunos fez uma apresentação sobre o esquadro dos arquitetos egípcios, um triângulo retângulo de lados 3, 4 e 5. No pátio (ou na praia, quando o clima permite), a garotada pratica o que estudou. "Eles reconhecem a utilidade da Matemática na resolução de problemas práticos e seu papel na organização econômica e social das civilizações."

A matemática é importante porque

- dá ao aluno condições de interpretar situações cotidianas, permitindo que ele se insira no contexto sociocultural e no mercado de trabalho

- desenvolve a capacidade de argumentar, fazer conjecturas, propor mudanças

- ao trabalhar com a resolução de problemas, desenvolve nele a criatividade e a crítica, estimulando o espírito de investigação e de pesquisa e tornando-o mais autônomo e ousado

- permite que o aluno estabeleça relações com outras áreas do conhecimento

- contribui, em todos esses sentidos, para a formação do cidadão ético, que cumpre os deveres e respeita os direitos dos outros indivíduos

Quer saber mais?

Escola de Educação Básica Professor José Rodrigues Lopes, R. Prof. Antônio José Botelho, 284, CEP 88495-000, Garopaba, SC, tel. (0_ _48) 254-3509

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