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Jornalismo

Análise dos verbos no pretérito

Os tempos verbais não devem ser ensinados só como uma regra gramatical. O importante é os alunos compreenderem sua função prática no texto

PorElisângela Fernandes

01/12/2010

"João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém..." Propor o uso do pretérito com base no famoso verso de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) é bem mais interessante do que pedir que os alunos conjuguem os verbos de forma mecânica e descontextualizada. Associar a gramática à produção e interpretação de texto é uma forma mais efetiva de garantir que a turma aprenda a utilizar os verbos no tempo correto, escreva com eficiência e perceba sutilezas durante a leitura. Três tempos verbais do indicativo caracterizam o passado: os pretéritos perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito. Seu desafio em sala é demonstrar qual a função de cada um deles dentro de um texto.

Jeane Mari Sant'Ana Spera, docente do Departamento de Linguística da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), campus de Assis, alerta: "Não é adequado ensinar os verbos descolados da função comunicativa dos textos. Dessa forma, os estudantes não percebem os diferentes efeitos que eles, os verbos, podem produzir no uso da língua culta".

 

Ainda que raramente utilizado na linguagem oral e nas produções dos alunos, o pretérito mais-que-perfeito deve ter sua função explicada: marcar ações em um passado anterior ao da narrativa. A turma vai encontrá-lo mais em textos antigos, como na abertura do romance O Alienista, de Machado de Assis (1839-1908): "As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte..."

Segundo a professora Suely Amaral, linguista e doutora em Educação, os estudantes do 6º ano já dominam o uso dos pretéritos perfeito e imperfeito na linguagem oral e falam e escrevem sobre fatos que já ocorreram sem dificuldade. "O problema está na sistematização desses conteúdos e na compreensão de quando, por que e para que usar um ou outro na escrita", afirma.

Análise e produção textual ajudam a entender os verbos

Para Jeane Mari, é essencial explicar que os diferentes tempos verbais não servem apenas para marcar o tempo cronológico, ou seja, indicar a sequência dos fatos. Eles possibilitam ao autor, além de descrever o que ocorreu no passado, caracterizar seu ponto de vista sobre o cenário e o ambiente e expor sua opinião sobre os personagens.

"Reconhecer esses aspectos da narrativa é um importante passo para que o aluno perceba tanto a dinâmica e a pontualidade dos acontecimentos ao utilizar o pretérito perfeito quanto os movimentos prolongados com o uso do imperfeito", explica Lazuita Goretti de Oliveira, professora de Língua Portuguesa da Escola de Educação Básica (Eseba) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) (leia duas atividades propostas por ela no quadro abaixo).

Em geral, os verbos conjugados no pretérito imperfeito são utilizados em narrativas como pano de fundo ou cenário, como na frase "O Lobo Mau estava à espreita em uma floresta escura e sombria". Muitas vezes o imperfeito marca ações rotineiras no passado, como neste exemplo: "Todos os dias, Cinderela limpava e cozinhava, enquanto suas irmãs dormiam" (leia a sequência didática).

Já os verbos no pretérito perfeito apresentam uma ação acabada, que está diretamente relacionada à progressão do enredo no tempo. Por exemplo: "Um dia chegou o príncipe". "É comum a garotada usar o pretérito imperfeito só no início, por exemplo, com o 'era uma vez', e depois empregar apenas o pretérito perfeito", comenta Suely. Assim, o texto se torna mais pobre, pois o leitor não é introduzido no ambiente e no clima em que ocorre a história.

Lazuita e Vilma Aparecida Gomes, que também leciona na Eseba, fazem do ensino da gramática um importante aliado no desenvolvimento dos alunos em relação à leitura e à escrita de gêneros variados. Para estudar as diferenças entre os pretéritos, as duas educadoras trabalham de forma semelhante. Apresentam vários gêneros - pode ser conto, crônica e até letra de música -, a garotada identifica as características de cada um deles, reconhece os tempos verbais utilizados e faz uma reflexão sobre o seu uso. A supervisão delas é constante.

No passo seguinte, os jovens produzem narrativas. O importante é que os textos possam dar ênfase não só às ações concluídas, marcadas pelo pretérito perfeito, mas que contextualizem ao máximo o cenário e os personagens, sempre com o auxílio do pretérito imperfeito. Elas avaliam se nas produções textuais a garotada consegue perceber as relações de sentido presentes no uso de cada um dos tempos verbais. "O objetivo é levar a turma a entender que há diferentes maneiras de contar o passado e que isso é essencial para produzir textos de qualidade", explica Vilma.

Sentidos do pretérito perfeito e do imperfeito

Análises de diversas narrativas ajudam os estudantes a identificar os diferentes usos dos tempos verbais

Atividade 1
Grife os verbos presentes no trecho do conto Tempo de Chuva, de Elias José (1936-2008), indique em que tempo estão e reflita sobre a sua função. 

"... A mãe achava ruim, prometia bater, mas Pitu não resistia. Mal começava a chover, saía na chuva, molhava o corpo, corria pra lá e pra cá. Se a chuva era forte, melhor: Pitu preparava barcos e ia soltá-los na enxurrada que passava entre a rua e o passeio. Molhava o corpo. Sujava de barro o corpo e a calça..."

A aluna identifica todos os verbos do texto e indica que estão no pretérito imperfeito.

A explicação dela para a escolha feita pelo autor: "O pretérito imperfeito indica ações habituais de Pitu no passado em dias de chuva".

Atividade 2
Reescreva o trecho do conto trocando o tempo verbal do pretérito imperfeito para o perfeito. 

A mãe achava ruim, prometeu bater, mas Pitu não resistiu. Mal começou a chover, saiu na chuva, molhou o corpo, correu pra lá e pra cá. Se a chuva fosse forte, melhor: Pitu preparava barcos e foi soltá-los na enxurrada que passou entre a rua e o passeio. Molhou o corpo. Sujou de barro o corpo e a calça.

Na reescrita, a estudante passou os verbos para o pretérito imperfeito corretamente, com exceção de "achava", "fosse" e "preparava".

Para que o objetivo da atividade seja cumprido, a turma deve perceber que ocorreu uma mudança de sentido na narrativa. Ela passou a descrever ações concluídas de Pitu em um dia de chuva.

Agradecimentos à Professora Lazuita Goretti de Oliveira e à aluna Lorena Oliveira Silva, do 6º ano da Escola de Educação Básica (eseba) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que realizou a atividade acima.

Quer saber mais?

CONTATOS
Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia, tel. (34) 3218-2905
Suely Amaral

BIBLIOGRAFIA
Para Entender o Texto
, Francisco Platão Savioli e José Luiz Fiorin, 431 págs., Ed. Ática, tel. 0800-11-5152, 82,90 reais

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