A NOVA SERRA LEOA Depois de sofrer quatro
golpes de estado, o país realiza, desde 2002,
eleições diretas. Foto: Issouf Sanogo/AFP
Aos poucos, ditaduras africanas violentas e corruptas têm dado lugar a regimes democráticos
(veja o mapa na página 3). Fatores internos - como os processos de independência, a organização de partidos e a pressão de movimentos populares - levaram em muitos casos a reformas políticas. "Foi baseado nelas que alguns países puderam realizar eleições multipartidárias e buscar a solução de conflitos políticos pela via institucional. Esse processo, entretanto, foi lento, sofrido e, muitas vezes, permeado por guerras civis", explica Pio Penna Filho, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Foi o caso de Serra Leoa. O país se tornou independente dos britânicos em 1971 e, por sete anos, viveu sob uma república presidencialista de partido único. Depois disso, passou por quatro golpes de estado - o último deles, em 1996, derrubou o primeiro presidente eleito. A luta pelo poder desencadeou uma guerra civil, que durou dez anos e contabilizou 50 mil mortos. Somente em 2001 foi selado um acordo de paz que permitiu a realização de eleições diretas, em 2002. Desde então, a situação é de estabilidade.
Alternância de poder é sinal de consolidação democrática
A democracia, no sentido mais amplo, é um valor africano anterior ao período colonial. O historiador burquinense Joseph Ki-Zerbo (1922-2006) destaca no livro
Para Quando a África? que em muitas sociedades tradicionais era comum a família votar quanto às decisões que a afetassem. Vêm de longe também, de acordo com ele, os conflitos étnicos, que seriam antes de tudo contendas sociais. Alguns grupos, que foram privilegiados economicamente na época da colonização, depois acabaram formando partidos. "Não querendo partilhar o poder, formaram regimes monopartidários. Isso, no entanto, tem mudado e a diversidade de legendas é politicamente saudável", afirma Leila Leite Hernandez, especialista em História da África Contemporânea e professora do Departamento de História da USP.
Cabo Verde, independente de Portugal desde 1975, teve apenas um partido político até 1990. Com a aprovação da Constituição, em 1992, o sistema passou a ser pluripartidário. E o mais positivo é que não há hegemonia de nenhuma corrente. O segundo turno das eleições presidenciais de 2006 foi acirrado: o vencedor teve só 2% de vantagem sobre seu adversário.
A solidez de uma democracia também está relacionada à alternância de poder. Independente dos britânicos em 1957, Gana viveu golpes militares intercalados por breves governos civis. Só em 1992, com a aprovação de uma constituição, foram permitidos partidos de oposição. Em 2001, a chegada da oposição à presidência marcou a primeira transferência democrática de poder desde a independência. Os governistas foram batidos em 2008, com uma nova transição pacífica.
O avanço da democracia no continente faz com que alguns países da África comecem a atuar com maior desenvoltura no cenário mundial e a negociar questões de seu interesse. Hoje, despontam focos de autonomia política e econômica que servem como balizas para a construção de um novo futuro.
Uma história rica e pouco conhecida
Na escola, que segue a perspectiva eurocêntrica, a África costuma ser citada quando o tema é o surgimento do homem. De fato, é lá que estão os primeiros registros de vida humana. Fora isso, o continente geralmente só volta a ser iluminado quando se trata das grandes navegações europeias. Como se nesse intervalo nada tivesse ocorrido por lá. Essa maneira de pensar prevaleceu entre os pensadores por muito tempo. O filósofo Friedrich Hegel (1770-1831), por exemplo, afirmou que "a África não tem interesse histórico próprio, senão o de que os homens vivem ali na barbárie e na selvageria, sem fornecer nenhum elemento à civilização". A concepção de que o continente tem um passado começou a ganhar força em meados do século 20. Com a independência de diversos países da região, os africanos passaram a pesquisar e divulgar sua história. Veja a seguir exemplos que comprovam o desenvolvimento desses povos.
- Político
Constituído no século 14, o Reino do Congo era organizado em aglomerados populacionais que funcionavam com capitais regionais, além de uma central. A impressionante estrutura do reino despertou o interesse dos portugueses, que quiseram manter relações comerciais com ele.
- Social
Um dos primeiros impérios de que se tem notícia na África subsaariana é o do Mali. Nos anos 800, época dos ataques bárbaros à Europa, seus habitantes já viviam em cidades. Tombuctu, a mais famosa, funcionava como um ponto de descanso das caravanas que atravessavam o Saara.
- Cultural
A escrita é mais um fator citado quando se fala no desenvolvimento da região. E ela não se resume aos hieróglifos egípcios. Outro exemplo africano é o alfabeto do Reino Bamum, no atual Camarões, desenvolvido no século 18. Até então, o histórico do povo era preservado pela tradição oral.
- Comercial
Antes do contato com os europeus, os africanos faziam negócios com árabes e indianos. Veleiros desses dois povos já navegavam no oceano Índico por volta de 1200, época em que o tráfego na costa atlântica ainda era insignificante.
Por razões como essas, é preciso entender que os africanos são protagonistas de sua história. "Não se pode dizer que são apenas explorados e subdesenvolvidos culturalmente", diz Amailton de Azevedo.
Países africanos com governos democráticos
Países africanos com governos democráticos
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1990
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2010
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1. Argélia 2. Botsuana 3. Egito 4. Gâmbia 5. Madagascar 6. Marrocos 7. Maurício 8. Senegal 9. Sudão 10. Tunísia 11. Zimbábue |
1. África do Sul 2. Angola 3. Argélia 4. Benin 5. Botsuana 6. Burkina-Fasso 7. Burundi 8. Cabo Verde 9. Camarões 10. Chade 11. Comores 12. Congo 13. Costa do Marfim 14. Djibuti 15. Egito 16. Etiópia 17. Gabão 18. Gâmbia 19. Gana 20. Guiné Equatorial 21. Guiné-Bissau 22. Lesoto 23. Libéria 24. Madagascar |
25. Malauí 26. Mali 27. Marrocos 28. Maurício 29. Mauritânia 30. Moçambique 31. Namíbia 32. Níger 33. Nigéria 34. Quênia 35. República Centro-Africana 36. Repúpluca Democrática do Congo 37. Ruanda 38. São Tomé e Príncipe 39. Seichelles 40. Senegal 41. Serra Leoa 42. Somália 43. Tanzânia 44. Togo 45. Tunísia 46. Uganda 47. Zâmbia 48. Zimbábue |
Fonte: Almanaque Abril, 1990 e 2010
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Amailton de Azevedo
Leila Leite Hernandez
Pio Penna Filho
BIBLIOGRAFIA
A África e os Africanos na Formação do Mundo Atlântico - 1400-1800, John Thornton, 436 págs., Ed. Campus, tel. 0800-026-5340, 99,90 reais
África - Horizontes e Desafios no Século XXI, Charles Pennaforte, 64 págs., Ed. Atual, tel. (11) 3613-3000, 31,90 reais
A África na Sala de Aula - Visita à História Contemporânea, Elikia M’Bokolo, 584 págs., Ed. Colibri, 25 euros
África Negra, História e Civilizações - Até ao Século XVIII, Tomo I, 584 págs., Ed. Colibri, 25 euros
África Negra, História e Civilizações - Do século XIX aos Nossos Dias, Tomo II, 626 págs., Ed. Colibri, 25 euros
História Geral da África - Metodologia e Pré-História da África, Vol. I, J. Ki-Zerbo (coord.), 863 págs., Ed. Ática, tel. 0800-115152 (edição esgotada)
Para Quando a África?, Joseph Ki-Zerbo, 172 págs., Ed. Pallas, tel. (21) 2270-0186, 40 reais