É possível investigar qualquer espaço
Pesquisando sobre fontes diversas, a turma percebe que a História faz parte da vida
PorSophia WinkelBruna Nicolielo
01/11/2014
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Jornalismo
PorSophia WinkelBruna Nicolielo
01/11/2014
Utensílio doméstico
"Na minha casa tem uma cadeira que era da minha avó. O nome dela era Maria Luisa. Ela teve só uma filha, minha mãe. Nó morávamos juntas mas quando ela morreu eu e minha mãe ficamos muito triste e até mudamos de cidade. Uma parte de mim saiu mas aquela cadeira fica como lembrança da melhor avó do mundo."
Kayllane Luisa, 13 anos
Alunos desmotivados, sem interesse pelo conteúdo. Isso parece familiar? O professor Janilson Sales da Silva Oliveira, da EM João Bezerra Filho, em Xexéu, a 142 quilômetros de Recife, vivia essa situação com a turma do 6°ano. "O que faço para mudar isso? Como?", se perguntava. Ele decidiu que era hora de rever as propostas de trabalho e planejou uma sequência didática para mostrar como a História está presente na nossa vida, embora pareça distante. O objetivo era fazer com que os jovens analisassem diferentes tipos de fonte histórica e reconhecessem os vestígios do passado inseridos no cotidiano.
Com poucos recursos, à exceção do livro didático, Oliveira convidou a garotada a refletir sobre a seguinte definição de registro histórico: "Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca". O conceito do pesquisador francês Marc Bloch (1886-1944) - presente na obra de sua autoria Apologia da História ou o Ofício do Historiador (160 págs., Ed. Jorge Zahar, tel. 21/2529-4750, 39,90 reais) - foi o ponto de partida para uma discussão em classe: será que havia História em todo lugar mesmo?
Isso parecia muito diferente do que a garotada associava à disciplina: apenas o que era preservado nos museus tinha valor. Oliveira exemplificou dizendo que era possível resgatar acontecimentos do passado em textos escritos, testemunhos orais e até mesmo objetos. "A História está bem perto de nós, em nossa escola, em nossa casa, nas ruas, em nosso dia a dia."
Em seguida, ele questionou: "Vocês, como historiadores nesta escola, o que fariam? O que procurariam?". "A história dela." e "Investigaria as coisas daqui." foram algumas das respostas. Oliveira convidou os estudantes a ir com ele até o primeiro vestígio a ser investigado: as placas dos formandos fixadas nas paredes da entrada da instituição. Ao lado delas, havia outras com informações sobre a inauguração do prédio. Com perguntas, o docente conduziu a pesquisa. Questionou sobre quando a escola foi fundada, qual foi a primeira classe de formandos e quem eram o governador do estado e o prefeito da cidade quando a terceira turma concluíu os estudos, entre outras questões. A classe registrou tudo.
Procurando vestígios históricos, todos foram até a cantina e a entrada da secretaria, onde há quadros retratando cenas da escravidão, da própria escola e do antigo mercado público da cidade, que muitos nem conheceram, pois foi demolido para dar lugar a uma praça. Ao analisar as pinturas, todos fizeram anotações sobre o estilo, o ano em que foram feitas e o nome dos autores. Depois, em uma visita à biblioteca, descobriram quais eram os livros mais antigos do acervo. Os registros incluíam tema, editora, data de publicação e número de edições.
Na etapa seguinte, Oliveira propôs à sala que produzisse textos informativos com base nas observações coletadas, ressaltando que, como os historiadores, eles precisavam coletar todas as informações, principalmente as datas, para que existissem noções cronológicas no registro. "O trabalho com a linguagem enriquece a disciplina. Por isso, é preciso instruir sobre a escrita, explicando como sumarizar os conteúdos abordados", explica Juliano Sobrinho, docente da Universidade Nove de Julho (Uninove). Para ele, é essencial corrigir os textos e dar uma devolutiva sobre eles, em grupo ou individualmente. A primeira versão redigida pelos estudantes tinha alguns problemas ortográficos e de coesão, mas foi importante para organizar as ideias na socialização posterior, quando eles discutiram em sala sobre sua pesquisa.
Utensílio tecnológico
"Lá em casa tem uma televisão que meu pai adora mas é muito antiga. Minha mãe se chama Jane Cleide e ela não vai com muita coisa velha não, sempre reclama muito quando meu pai, eu ou meu irmão ligamos a TV velha. Também temos um rádio que é velho e difícil de pegar, por isso usamos ele poucas vezes."
Xayane Patrícia, 13 anos
Entendendo os tipos de fonte
Para possibilitar novas descobertas, o docente orientou a turma para observar os velhos objetos guardados em casa. Para isso, ele levou um material ilustrado sobre as diferentes fontes históricas existentes - escrita, iconográfica, material, oral, cartográfica, sonora e audiovisual. Como o foco da proposta estava na cultura material, ele deu ênfase a esse tipo de dado, exemplificando o que poderia ser reconhecido: objetos de memória (fotos, documentos, livros, revistas, cédulas e moedas), ferramentas (enxada, machado, pedra de amolar), utensílios domésticos (ferro a carvão, panelas de ágata, candeeiros) e tecnológicos (rádio, vitrola, máquina de escrever, vinil, máquina fotográfica). Ele também chamou a atenção para os artefatos ligados à vida na zona rural, como pilões, esporas, ratoeiras e balaios.
Pequenos objetos poderiam ser levados à escola. Já os maiores deveriam ser fotografados. A garotada teria, ainda, de obter dados sobre eles, consultando os pais e responsáveis caso fosse necessário. Cada um levou para casa uma tabela entregue pelo professor para fazer a classificação do material. "Num trabalho como esse, é interessante discutir os motivos da escolha de cada aluno, qual é o passado do objeto, como as pessoas o utilizavam antigamente e se o uso e a matéria -prima foram alterados no decorrer do tempo", explica Judith Mader Elazari, educadora do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), em São Paulo. Para ela, esse tipo de fonte tem muito valor, mas, por vezes, é esquecida pelos próprios historiadores, já que eles costumam privilegiar os documentos escritos.
No encontro seguinte, os alunos estavam muito animados para compartilhar seus achados. Oliveira promoveu, então, um momento de socialização do trabalho de pesquisa. Os alunos relataram o que haviam encontrado: dinheiro antigo, como uma moeda de 500 réis do ano de 1925, muitas fotografias, móveis que permaneceram com cada família por algumas gerações, como mesas e cadeiras de balanço, e aparelhos eletrônicos, entre outros. O professor reuniu todos os materiais e propôs que a turma os classificasse de forma coletiva, de acordo com as categorias estudadas anteriormente. Depois, cada estudante fez uma nova produção escrita, em que descreveu os objetos que contavam um pouco sobre o passado da família. Por fim, todos juntos organizaram uma exposição na frente da sala com alguns itens coletados.
Oliveira ficou realizado ao vê-los conhecendo novos fatos e percebendo a ligação da História com a comunidade, a escola e as famílias. "Surpreendente foi dividir a mesma ansiedade dos alunos quando buscávamos os materiais. O que seria encontrado? Eu também não sabia. Fomos aprendendo e construindo História juntos." E, assim, depois de mergulhar nas fontes existentes em sua própria comunidade, a turma estava preparada para estudar outras realidades do passado com o mesmo entusiasmo e empenho.
1 O passado da escola Promova uma discussão sobre o que pode ser considerado histórico. Convide a turma a circular pelas dependências da escola anotando dados sobre o passado dela.
2 História em casa Explique sobre a diversidade de fontes históricas e oriente a turma para buscar materiais do passado que ainda hoje são guardados pelas famílias. Todos devem produzir registros sobre eles.
3 Novos registros Proponha a socialização da pesquisa realizada em casa e solicite uma escrita sobre os materiais encontrados pelos estudantes.
Objeto de memória
"Na minha casa tem (...) quadros de antigamente, como o retrato do meu vô e da minha avó Maria José. Meu avô era viúvo e minha avó teve 5 filhos. Minha família é muito querida."
Keven Vinjheynes da Silva, 13 anos
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