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Jornalismo

Atualidades: uma viagem pelo presente

Nem só de passado trata a disciplina. Fatos atuais também são conteúdos

PorBeatriz Vichessi

01/05/2014

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Brasileiros nas ruas. Reprodução/Agência Brasil/Diário de Pernambuco/O Estado de S. Paulo/Veja
Brasileiros nas ruas

Gabriela Melo, 13 anos. Agência Lusco

"Escolhi esse tema para fazer minha pasta porque muita gente estava comentando a respeito e eu queria entender se tudo o que estava acontecendo no país tinha como causa só o aumento da tarifa de ônibus em 20 centavos em São Paulo. Descobri que era a ponta do iceberg quando comecei a acompanhar o que era publicado nos jornais. Foi importante fazer esse projeto porque com ele a gente aprende muito e também organiza material para transmitir o que aconteceu na nossa época para outras pessoas." 
Gabriela Melo, 13 anos

Muitos historiadores se dedicam a estudar fatos que estão ocorrendo atualmente enquanto outros se debruçam sobre os acontecimentos de milhares de anos atrás. Os dois grupos estão estudando História e ambos os enfoques devem ser contemplados em classe. A professora Maria Idalina Pires investe nisso e, há 20 anos, desenvolve o projeto Construindo a História da Atualidade com o 8º ano do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife.

No início de cada ano letivo, logo na primeira aula, os estudantes já sabem: cada um deverá pensar sobre qual acontecimento em curso vai querer fazer uma pesquisa que durará até o término do quarto bimestre. O material, organizado em uma pasta, tem como fonte o que é divulgado na imprensa - incluindo mídias impressas (como jornais e revistas), eletrônicas (televisão e rádio) e digitais (veículos online). "Independentemente do suporte, notícias são documentos históricos", explica Eglê Wanzeler, coordenadora da Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério (DDPM) da Secretaria Municipal de Educação de Manaus e professora da Universidade Estadual do Amazonas (UEA).

Para pesquisar, a moçada pôde visitar a biblioteca da escola, que disponibiliza periódicos, e usar os computadores para acessar a internet. "Estudar o presente sofreu certa resistência por parte de pesquisadores e analistas sociais até mais ou menos os anos 1930. Antes, se pensava que só era válido analisar o ontem, porque o historiador tinha de ser neutro, não podia se envolver. Mas agora se reconhece que a História atual é valiosa para analisarmos criticamente a nossa construção social, dentre outras questões", diz Martina Spohr, professora e coordenadora de documentação do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Lidando com o dinamismo da História

Crise na Europa. Reprodução/Novohamburgo.org/BBC Brasil/Portal IG
Crise na Europa

Lara Ferraz, 13 anos. Agência Lusco

"Considero o continente muito importante para o resto do mundo, tanto histórica como financeiramente. Por isso, decidi entender melhor o significado dos problemas que estavam ocorrendo por lá. Gostei de participar do projeto porque passei a ficar mais ligada no que acontecia e também porque conversava bastante com os meus colegas sobre os temas que eles estavam pesquisando. Assim, aprendia muitas outras coisas."
Lara Ferraz, 13 anos

Em 2013, temas como as manifestações populares nas ruas do Brasil, a crise na Europa e o incêndio na Boate Kiss (em 27 de janeiro, em Santa Maria, a 292 quilômetros de Porto Alegre) foram escolhidos por alguns alunos (leia o depoimento deles ao longo da reportagem e alguns dos materiais que selecionaram). "Não basta eleger um assunto. É preciso apresentar argumentos que justifiquem a importância dele", explica Maria Idalina. "A proposta é interessante porque mostra aos alunos que a História estudada na escola é um recorte, uma seleção feita por estudiosos, tal como no projeto", explica Eglê.

Validados os temas, a garotada começa a pesquisar. Maria Idalina orienta sobre a importância de diversificar as fontes para que diversos ângulos sejam explorados. "Explico que documentar algo é dar diferentes lados do mesmo fato." Cada material selecionado tem de ser acompanhado por uma tabela com as seguintes informações: quando, onde, fonte, resumo e comentário pessoal. Trabalhando nesse esquema, muitos alunos chegam a dizer para Maria Idalina que não têm mais o hábito de copiar e colar coisas da internet para fazer trabalhos. Eles se empenham em ler e entender o que têm em mãos.

Como encaminhamento, fica combinado que os jovens se reunirão na presença da professora durante algumas aulas ao fim de cada bimestre para apresentarem o que encontraram até então, debaterem e tirarem dúvidas. De acordo com Maria Idalina, nesse momento, é recorrente o passado vir à tona, mostrando que outro fato ocorrido anos, décadas ou séculos atrás tem a ver com o que está ganhando destaque na mídia agora. "Com o avanço do projeto, fica cada vez mais claro para a turma que entendemos melhor o presente porque voltamos ao passado", conta a professora. Martina ainda ressalta que esse trânsito entre passado e o aqui e agora é enriquecedor porque com ele é possível explorar a noção de processo histórico.

Como a pesquisa sobre os temas atuais é sempre tarefa de casa e os debates ocorrem a cada dois meses, os demais conteúdos do planejamento não são negligenciados. Maria Idalina ainda cuida para que as pesquisas não fiquem segregadas. Avisa que os estudantes podem falar com ela para tirar dúvidas e comentar o que encontram. Ela também incentiva todos a trocar indicações entre si. E mais: sempre que possível, faz conexões de temas curriculares em pauta com os fatos presentes. "Não existem momentos estanques, e estudar História sem fazer interconexões não ajuda a entender o tempo histórico", diz Martina.

Incêndio na Boate Kiss. Reprodução/Elpais.com/El Mundo.es/O Estado de S. Paulo
Incêndio na Boate Kiss

Jeanluca Espíndola Pereira, 13 anos. Agência Lusco

"Fiquei interessado em entender o motivo de muitas pessoas encararem o acontecido em Santa Maria como uma tragédia e nada mais. Queria entender como aquilo tinha acontecido, os problemas envolvidos. Durante a pesquisa, decidi analisar a repercussão internacional e foi interessante ver como o fato estava sendo noticiado fora do Brasil. Adorei estudar o presente porque vemos a História em formação." 
Jeanluca Espíndola Pereira, 13 anos

Enxergar a História como algo vivo também dá margem para que os estudantes que quiserem trocar de tema durante o projeto possam fazê-lo. Em 2011, por exemplo, alguns pediram autorização para pesquisar os atentados de 11 de setembro, ocorridos nos Estados Unidos, abandonando outros assuntos. "Isso não é um desafio somente para alunos, mas para professores, formadores e historiadores. Temos de aprender História conhecendo a história dos acontecimentos", explica Maria Idalina.

No fim do ano letivo, a moçada é desafiada a elaborar um texto de apresentação para o material pesquisado. Ele deve apresentar o fato aos leitores, já que as pastas organizadas por cada um ficam à disposição de toda a escola e também são digitalizadas pela professora para serem consultadas no site. Para compor a produção textual, ela recomenda que o tema seja pesquisado também em livros e sites confiáveis sobre História.

Além de considerar o desenvolvimento da pesquisa, a participação nos debates e o conteúdo das tabelas que acompanham as reportagens ou artigos, Maria Idalina analisa as produções escritas feitas por cada estudante para avaliar a aprendizagem. Assim, ela observa como os jovens estão se conscientizando de que também são construtores da História.

1 De olho no que acontece Convide os alunos para pesquisar sobre um tema atual ao longo do ano. Eles terão de colher e analisar reportagens sobre o assunto e montar uma pasta com o material, que será disponibilizada para a comunidade escolar.

2 Diálogo sobre o aqui e agora Estabeleça uma peridiocidade para que a classe se reúna e cada um apresente o que pesquisou. Questione os estudantes sobre o ponto de vista deles a respeito dos fatos e aproveite para orientar a pesquisa e sugerir mais fontes.

3 Organização do material Na etapa final do projeto, oriente os estudantes para elaborar um texto de apresentação sobre o material. Nele é importante constar um resumo sobre o tema para situar os leitores.

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