Crise hídrica e consumo sustentável de energia: como abordar esses temas em sala
Esses assuntos, que mexem no bolso e no meio ambiente, podem ser vinculados à Educação Financeira e trabalhados em todo o Ensino Fundamental
14/09/2021
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Jornalismo
14/09/2021
O Brasil vivencia uma crise hídrica que afeta diretamente a produção de energia no país, cuja matriz é baseada, sobretudo, em hidrelétricas. Depois de determinar que órgãos públicos federais deverão reduzir o consumo de energia de 10% a 20% entre setembro de 2021 e abril de 2022, o governo federal anunciou uma espécie de “premiação” para consumidores, inclusive residenciais, que conseguirem economizar energia elétrica.
Em paralelo a isso, com a alta do preço da energia, cresce o número de domicílios que têm apostado na geração própria – deixando a conta de luz mais barata. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o número de residências que geram parte de sua energia quase dobrou em 2020, e o crescimento segue acelerado em 2021. A cada mês deste ano, em média 17,6 mil brasileiros aderiram a essa opção.
Para Virgínia Forte, especialista em eficiência energética do Grupo Neoenergia, esses assuntos atuais devem estar presentes não só nos noticiários, mas também dentro das salas de aula. “Do mesmo jeito que a agência reguladora de energia elétrica passa essas informações para a tarifa e para o consumidor, é importante que o aluno, o futuro cidadão que vai pagar a conta, tenha contato com esses conceitos desde a escola. Além disso, ele é um grande multiplicador para a própria família. Munido de informação, pode conversar com os familiares sobre a importância do consumo sustentável”, afirma.
Para a especialista, o momento é propício para que professores trabalhem as energias renováveis, que podem ser relacionadas tanto à educação financeira quanto à educação ambiental. “A crise hídrica que estamos vivenciando é um excelente exemplo. Quando falta energia das hidrelétricas, a gente queima diesel, combustível que polui o meio ambiente e além de tudo é mais caro”, comenta.
Além de trazer questões da atualidade para a sala de aula, é importante que os professores consigam relacionar o tema do consumo racional e sustentável de energia elétrica com o contexto específico da escola e dos estudantes, aconselha Fernando Barnabé, professor de Matemática, integrante do Time de Autores e do Time de Formadores de NOVA ESCOLA e assessor pedagógico dos Planos de Aula de Educação Financeira.
Foi o que fez Fernanda Saeme, professora de Matemática. Em um projeto que realizou com a turma de 6º ano da Escola Estadual Professor José Carlos da Silva, em Barbosa (SP), ela pautou o andamento da atividade na curiosidade dos alunos, e eles se tornaram protagonistas. Inicialmente, a professora propôs a construção de uma cidade fictícia, trabalhando aspectos de geometria. Os estudantes sugeriram sua arborização, e uma coisa levou a outra. Quando Fernanda percebeu, já tinham abordado a questão da energia elétrica. Em Barbosa, muitas casas populares são entregues com placas solares instaladas, então, o assunto já fazia parte do cotidiano.
A professora auxiliou os alunos a calcularem as diferenças entre contas de luz de casas sem e com a tecnologia, com a intenção de perceber o custo-benefício a longo prazo. Durante o projeto, Fernanda criou uma meta da turma para economia na conta de energia, envolvendo todo o grupo e suas famílias. “Quando se sentem próximos do assunto, eles se interessam. É muito melhor do que abrir um livro, mostrar uma tabela e falar: vamos estudar a energia de um desconhecido. Os alunos estão vendo a conta de energia de suas casas”, explica. Dessa forma, o processo fez com que os próprios estudantes notassem gastos desnecessários.
Cristiane D'Água, professora de Ciências e Matemática, realiza um trabalho similar com seus alunos do 5º ano. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Marechal Bittencourt, em Osasco (SP), ela promove, todos os anos, o planejamento familiar com a turma, o que passa pela diminuição dos gastos com energia elétrica. Ela garante que os estudantes, apesar da pouca idade, conseguem se conscientizar e levar o tema para dentro de casa. “É um impacto que repercute nas famílias, no bolso e no meio ambiente”, afirma.
Em 2018, Cristiane foi finalista do prêmio Educador Nota 10 com um projeto de fogão solar. A professora conta que toda a proposta foi desenvolvida a partir de uma dúvida dos alunos a respeito do fogão solar. Eles realizaram pesquisas, deram sugestões e colocaram a mão na massa para construir, com material reciclável, um fogão próprio – que assou um delicioso bolo de iogurte. “É muito importante não chegar com a informação pronta. O professor tem que estar atento a esses comentários da turma para fazer deles matéria para aula e pesquisa. Uma das habilidades principais é provocar a conscientização, e eu acredito que ela só vem se você desenvolve um trabalho significativo, que a criança entenda”, opina.
Tanto Cristiane quanto Fernanda, que hoje atua na Escola Estadual Professora Luiza Maria Bernardes Nory, em Penápolis (SP), têm, ano a ano, bons resultados trabalhando com as famílias. “Não adianta o aluno querer mudar. Esse esforço tem que ser familiar, ou não atinge a meta da tarefa. Os impactos são perceptíveis a curto prazo”, afirma Fernanda.
Análise da conta de energia: quais temas podem ser trabalhados em Ciências e Matemática?
Promover projetos em que alunos compreendam as próprias contas de energia, visando adotar um consumo mais consciente, é uma das atividades clássicas do assunto. A seguir, confira quais temas podem estar presentes em cada componente curricular.
Matemática:
- Resolução de problemas;
- Análise e interpretação de gráficos;
- Criação e análise de planilhas;
- Matemática financeira;
- Investigação de dados;
- Estatística;
- Geometria;
- Quatro operações fundamentais.
Ciências:
- Conscientização ambiental;
- Conhecimento dos diferentes tipos de energia;
- Cálculo de energia, potência e corrente;
- Análise da eficiência energética de dispositivos elétricos e eletrônicos.
Além de reduzir o valor da conta de energia elétrica, beneficiando o bolso das famílias, as professoras consideram essencial os alunos compreenderem o impacto ambiental do consumo. Fernanda comenta que, quando trabalhou com a questão da energia solar, os estudantes ficaram com a sensação de que “se meu banho é mais barato, vou demorar mais nele”, por exemplo. É aí que entra a educação ambiental.
Cristiane conseguiu unir a questão econômica com a do meio ambiente na proposta do fogão solar. “Na construção, usamos vidro e papelão que tínhamos na escola. Eu queria desenvolver com eles a conscientização nesse sentido. Devo comprar uma caixa, vidro? Não. Se estou desenvolvendo um projeto sustentável, tenho que partir das coisas que eu já tenho”, afirma, contando que o fogão completo não custou mais do que R$ 30.
Cristian Annunciato, professor de Física e selecionador do prêmio Educador Nota 10, fala que uma forma de ligar a educação financeira à ambiental ao abordar energia é justamente conscientizar os alunos de que ela é finita, assim como o dinheiro. “Energia é igual a dinheiro. O Sol dá uma mesada para a Terra, digamos, ao longo de todo o ano. Se nós consumirmos mais do que a Terra está recebendo, a gente vai ficar devendo”, compara.
“As crianças normalmente têm essa ideia de que podemos aumentar cada vez mais a demanda de energia sem nos preocuparmos. Todas as fontes de energia que hoje nós utilizamos aqui na Terra, exceto pela energia nuclear, em algum momento estão associadas ao Sol. Por exemplo, o combustível fóssil que hoje eu utilizo se originou na fotossíntese de algas há milhares de anos; o aquecimento do Sol na superfície causa a movimentação do ar, permitindo a geração de energia eólica; hidrelétricas têm a ver totalmente com o ciclo da água, e assim por diante”, explica.
Tanto sob o aspecto financeiro quanto sob o ambiental, o uso consciente de energia pode ser levado para a sala de aula de qualquer ano do Ensino Fundamental. “A gente consegue trabalhar tudo, as estratégias que serão usadas é que são diferentes”, comenta a professora Cristiane.
Na hora de planejar para os mais novos, o ideal é focar na conscientização. Para os mais velhos, vale propor atividades mais práticas, com protótipos de energias renováveis, como a solar e a eólica, e muita mão na massa. “Nos anos iniciais, o ideal é conscientizar para que economizem energia. Já nos anos finais, podemos pensar em soluções para problemas e estratégias para economizar essa energia. O aluno tomou consciência lá nos anos iniciais e agora está pensando na aplicação”, afirma Cristian, que defende a continuidade do tema.
Para conscientização, no 1º e no 2º ano é possível utilizar elementos mais visuais, como vídeos, gráficos pictóricos e notas de dinheiro falso para facilitar a comparação de preços, por exemplo. Já entre o 3º e o 5º ano, é possível trabalhar com as contas de casa, lançar desafios para os alunos e analisar gráficos e tabelas. Em todo o decorrer dos anos iniciais, há possibilidades de falar de energia como algo que se transforma, sempre pensando em exemplos lúdicos.
Já nos anos finais do Ensino Fundamental, os estudantes podem criar suas próprias planilhas de gastos, realizando cálculos mais complexos. Além disso, é possível que os alunos sejam estimulados a desenvolver ideias e opiniões próprias, atuando com diversos componentes curriculares para promover um olhar mais crítico para o uso global de energia. Nesse período, também é possível construir protótipos de ferramentas de energias renováveis, como é o caso do fogão solar, e até sistemas de aquecimento de água.
A temática da energia é bastante transversal e pode ser apropriada por vários componentes curriculares. Thiago Viana, professor de Matemática na Escola Estadual Professora Luiza Maria Bernardes Nory, em Penápolis (SP), afirma ser possível que professores atuem em conjunto, mas que, para isso, é importante garantir um equilíbrio. “Se cada um puxar para um lado, não sai”, comenta. “Precisa de conversa e parceria para que nenhum componente se sobressaia. Cada professor trabalha no seu contexto, mas com integração”, continua.
Além de Ciências e Matemática, docentes de outras áreas podem propor temas relacionados ao consumo de energia que culminam na educação financeira. Algumas ideias são o conceito de consumismo e a história da ciência em História; urbanização, legislação e geopolítica em Geografia; infográficos e propaganda em Artes, além de textos, podcasts e campanhas de conscientização em Língua Portuguesa
Para se aprofundar
Separamos alguns conteúdos publicados pela NOVA ESCOLA que se relacionam com o tema da energia, abordado nesta reportagem:
Energia elétrica na Bahia é uma sequência didática para 8º e 9º anos que discute questões relacionadas ao tema e traz um panorama sobre o consumo no estado
Plano de aula de Geografia sobre consumo de energia elétrica para o 5º ano
Sequência de planos de aula de Ciências para o 8º ano sobre cálculo de consumo de energia elétrica
Sequência didática sobre consumo e desperdício de energia elétrica para os anos iniciais do Ensino Fundamental
A série Energia que Transforma proporciona reflexões sobre o bom uso da energia elétrica e fontes de energia sustentáveis
NOVA ESCOLA BOX com várias sugestões para trabalhar o tema da eficiência energética com alunos do Fundamental 2
Consultor Pedagógico: Fernando Barnabé, professor de Matemática, integrante do Time de Autores e do Time de Formadores da NOVA ESCOLA, autor e editor de materiais didáticos.
Acesse aqui a página especial do projeto Educação Financeira Transforma e conheça todos os conteúdos da parceria entre a Nova Escola e o Instituto XP.
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