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Jornalismo

Como desenvolver a autonomia das crianças no ensino remoto ou híbrido?

Conheça duas experiências possíveis e como essa habilidade pode colaborar na aprendizagem dos estudantes

PorCamila Cecílio

20/10/2020

Crédito: Getty Images

Faça uma viagem no tempo e tente lembrar de alguma vez que você, quando criança, recebeu orientações de seus professores sobre como estudar sozinho em casa. Essa prática pode não ter sido muito comum, mas aprender a ter uma rotina de estudos é essencial para a vida escolar de qualquer estudante, principalmente em tempos de ensino remoto ou híbrido. Mas, para isso, é preciso desenvolver uma habilidade indispensável: a autonomia.

“O primeiro aspecto que precisamos considerar é que a maior parte das dificuldades que os alunos apresentam para realizar as atividades remotas se insere no fato das escolas não terem investido antes da pandemia nesse grau de autonomia. Às vezes exigimos que eles façam algo que não ensinamos”, afirma a professora Walkiria Rigolon, da rede estadual de São Paulo, formadora de professores e pesquisadora colaboradora da Fundação Carlos Chagas (FCC) que criou o documento Decálogo para orientar e formar professores no planejamento de atividades, em parceria com o educador Rodnei Pereira.  

Para Leandro Holanda, mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Tríade Educacional, é preciso que os educadores reflitam em que momento de suas aulas estão criando espaços para desenvolver a autonomia dos estudantes. 

O que diz a BNCC?
Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não trate diretamente o tema, a proposta de desenvolvimento da autonomia pode ser encontrada nas 10 Competências Gerais, especialmente nas que falam sobre autogestão e autocuidado, que servem para todo o ensino básico. A dica dos especialistas é se perguntar: como estou criando momentos, tanto nas videoaulas quanto nas aulas presenciais, para que meus alunos desenvolvam, de fato, essa autonomia que espero dele?

Como estudar em grupo (e a distância)

Este Nova Escola Box traz orientações para organizar o estudo e o trabalho em grupo a distância. Promover essa troca entre os alunos incentiva a cooperação e a empatia entre os alunos.

Orientação de estudo: quais os caminhos possíveis
Com a pandemia, ficou evidente o quanto a orientação de estudos faz falta no cotidiano dos alunos do Ensino Fundamental, uma vez que eles não têm o hábito de estudar sozinhos, de forma autônoma. “Ensina-se a ler para se divertir, se emocionar, que é importante, mas neste momento temos percebido que faltou investir no ‘ler para estudar’. Muitas vezes as atividades não são aproveitadas plenamente por conta disso”, observa Walkiria. 

Para ela, há uma grande preocupação com conteúdo e pouca em relação a garantir ferramentas e estratégias de apropriação do conteúdo. Além disso, a professora defende que deveria ser feito um trabalho coletivo da escola com foco em desenvolver essa habilidade no aluno. “Ocorre que, com o desejo de ajudar o aluno, acaba-se gerando, sem querer, um impedimento ao próprio processo de desenvolvimento da autonomia”, observa Walkiria. 

A partir de sua experiência, o professor Maurício Aquilante Policarpo, de Geografia no Fundamental 2 do Colégio Nacional, em Uberlândia (MG), sugere que os educadores levem os alunos a se reconhecerem como sujeitos ativo na construção de sua aprendizagem. E como fazer isso? “Construímos debates em que os alunos simulam que são representantes de países e precisam solucionar problemas, por exemplo, de forma que a argumentação, discussão e levantamento de temas são feitos por eles e para eles. Eu sou apenas um mediador da discussão e isso acaba estimulando cada vez mais que a construção da aula parta deles”, conta. 

Para Maurício, o professor precisa dar espaço para a autonomia e para o reconhecimento do estudante em sua aula. Além disso, acredita que a autonomia se desenvolve também com um ensino cada vez mais personalizado. Isto é, que o educador consiga identificar quais são as potencialidades de cada estudante e trabalhá-las. Por exemplo, algumas crianças gostam mais de falar, outras de escrever, de transformar em canção, poema ou desenho. Cabe ao professor, para estimular essa autonomia, identificar também, quais são as particulares de cada um.

Autonomia na rotina à distância
Walkiria ressalta que o momento de planejar e enviar uma atividade remotamente requer alguns cuidados essenciais. O primeiro deles é com a comunicação, já que isso demanda um exercício de linguagem muito mais cuidadoso. Como o professor não estará presente para sanar algumas questões, a dica é propor as atividades de forma mais detalhada, objetiva e nítida. 

Ao fazer isso, compartilhe com a turma o objetivo e o que se espera com a atividade, ajude-o a buscar os conhecimentos prévios que já tem sobre o tema trabalhado e sempre apresente o que está sendo proposto com exemplos. Vale lembrar que as devolutivas que o professor dá depois da atividade também são importantes para o processo dos estudantes. “Às vezes pensamos que a atividade ensina o aluno, mas quem ensina o aluno é o professor”, frisa a formadora. 

Incentivar a autonomia na rotina dos pequenos

A autonomia deve ser incentivada desde cedo. Um caminho interessante para desenvolver essa atitude desde a Educação Infantil é organizar a rotina de uma forma que estimule as crianças a serem autônomas. 

Leandro acrescenta que ter um planejamento do que pode acontecer no decorrer da semana, quais serão as entregas, recursos a serem explorados, o que terá de fazer, criar e produzir ajudará o aluno desenvolver sua autonomia. No entanto, é importante ter clareza daquilo que é possível fazer diante das condições atuais.

Caso o professor esteja acostumado a fazer muitas intervenções, segundo Leandro, a transição para um modelo que estimule a autonomia não se dará de uma hora para outra. Por isso, ele sugere que seja inserido elementos de autonomia no ensino remoto aos poucos. Durante uma live, por exemplo, proponha um exercício em que os alunos tenham que compartilhar com os colegas depois. “Sempre tem de ter uma contrapartida, uma reflexão, até para ele entender aquilo que está fazendo nos momentos de atividades assíncronas”, completa. 

Marcelo Inocêncio Pereira da Costa, professor de Educação Física do Fundamental 2 no Colégio Estadual Emílio de Menezes, em Curitiba (PR), descobriu isso na prática durante o ensino remoto. Ao ter que reinventar as aulas, ele desafiou seus alunos a construírem instrumentos utilizados em alguns esportes como raquetes, espadas de jornal para esgrima e jogo de xadrez, por exemplo. Depois os estudantes criaram um mural virtual para expor os trabalhos e cada um falar sobre sua experiência. 

“No início das aulas remotas foi necessário repensar toda metodologia, buscar novas estratégias, conhecer outras propostas e se reinventar para que as aulas de Educação Física continuassem oportunizando uma aprendizagem significativa, ativa e crítica”, conta o educador. Com isso, ele organizou um planejamento de atividades em que os alunos já sabem o que irão trabalhar nas próximas aulas e têm autonomia para fazer pesquisas a respeito do assunto. 

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E no ensino híbrido, o que muda?
No contexto do ensino híbrido, os professores podem repensar também suas aulas presenciais. Para esses momentos, Leandro não recomenda que os educadores usem apenas a aula expositiva. O especialista explica que se “perde a oportunidade até de analisar como os estudantes lidam com a autonomia”. 

É interessante, segundo ele, que nas atividades presenciais haja um momento para tutoria em grupo ou individualmente para conversar sobre o que foi feito em casa e de que forma, para o estudante perceber a importância do que está fazendo quando não está sendo acompanhado pelo professor. Promover espaços de produção durante a própria aula, trabalhar com projetos, com algo que fará com que o estudante coloque em prática toda a sua autonomia pode ser um caminho interessante. 

Para Walkiria, no ensino híbrido será preciso reorganizar e replanejar o processo de ensino, estabelecendo um equilíbrio maior entre o que se faz presencialmente e o que se faz à distância. “Vamos ter de parar de passar um volume grande de tarefas, ajudar os alunos a perceberem o gancho entre elas, mostrar que é um percurso, propor atividades para que eles possam ir desenvolvendo um maior grau de autonomia.”

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