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Jornalismo

Em situações de risco, a quem recorrer?

Saiba quais caminhos percorrer quando você percebe que há alunos com faltas sem justificativa, sofrendo maus-tratos, com dependência química, envolvidos com tráfico de drogas e porte de armas

PorPaula Nadal

01/03/2012

Na sua turma, existem alunos que faltam mais de duas vezes por semana ou chegam à escola sonolentos sem justificativa? Ou apresentam constantemente hematomas pelo corpo sem explicar a razão? Se a resposta for sim, fique atento. Os direitos deles podem estar sendo violados. Você, que convive com as crianças diariamente, pode ajudar a identificar esses sinais e encaminhar os casos a órgãos que podem resolvê-los.

De acordo com o Censo Demográfico 2010, 96,7% das crianças e dos adolescentes entre 6 e 14 anos estão matriculados em escolas, mas somente 50% deles concluem a Educação Básica. As estatísticas indicam que muitos acabam se afastando da sala de aula por diferentes situações de vulnerabilidade, e a violência é uma delas. Essa é a causa também de 47% das mortes de brasileiros entre 5 e 19 anos, segundo o relatório Saúde e Prevenção nas Escolas, publicado em 2007 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Restringindo o levantamento aos que têm entre 15 e 19 anos, esse índice chega a 70%.

O contato desse público com álcool e drogas também atinge níveis preocupantes. Estudo realizado em 2004 nas 27 capitais brasileiras pelo Centro Brasileiro de Informações sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas (Cebrid) constatou que 65,2% dos que possuem entre 10 e 18 anos já experimentaram bebidas alcoólicas e 22,6% já utilizaram drogas.

Para Miriam Maria José dos Santos, vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o primeiro passo é fazer com que os professores conheçam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como algo que pode auxiliá-los e que saibam diferenciar atos indisciplinares, que devem ser resolvidos na escola, de possíveis atos infracionais cometidos pelos alunos. Ainda segundo ela, a escola deve oferecer a formação adequada para que professores, alunos, pais e funcionários conheçam os direitos e deveres dos mais jovens, listados no ECA. Para que isso de fato aconteça, é preciso assegurar que exista um diálogo constante com os alunos e envolvê-los nas atividades. A apropriação de conhecimentos que levem à valorização da vida e ao exercício da cidadania também deve constar do projeto político-pedagógico (PPP), bem como o foco em campanhas de prevenção aos maus-tratos. Além disso, você deve manter uma relação de parceria com a direção. Assim, todos os setores poderão atuar juntos quando as situações de vulnerabilidade dos alunos ultrapassarem os muros e as possibilidades de ação da instituição.

Rui Aguiar, coordenador de projetos do Unicef nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, considera que tirar as crianças e os adolescentes das situações de risco implica, basicamente, em fortalecer a atuação da família e da escola. Essa última deve montar uma comissão responsável por esse trabalho preventivo e por tomar as providências de maneira institucionalizada. Dessa forma, se evita que alguém corra riscos ao fazer uma denúncia de violência, por exemplo. Com os papéis definidos, o processo é agilizado. "Quanto mais etapas forem necessárias para o encaminhamento do problema, maior o risco de a criança ser vitimizada por mais tempo", explica.

Confira na página seguinte os caminhos para a solução de quatro situações de risco a que seus alunos podem estar expostos e leia sobre a atuação do conselho tutelar. Mas lembre: em todos os casos, primeiro, é imprescindível ouvir a criança ou o adolescente envolvido, conversar com os pais ou responsáveis e comunicar as suspeitas à direção. Apenas quando todos esses recursos estiverem esgotados será a hora de pedir auxílio a órgãos de defesa dos direitos da infância e da juventude.

O conselho tutelar...

- É um órgão municipal e autônomo, presente em 98% das cidades brasileiras.

- Zela pelos direitos das crianças e dos adolescentes em situações de omissão dos pais, dos responsáveis ou do Estado.

- Não tem poder judicial nem corretivo. Para garantir a proteção das crianças e dos adolescentes, pode tomar algumas medidas, como o encaminhamento aos pais ou responsáveis, a orientação e o acompanhamento temporários, a matrícula em escolas, a inclusão dos jovens em programas comunitários, a requisição de tratamentos de saúde ou psicológicos ou o acolhimento institucional.

- É formado por conselheiros com mais de 21 anos, eleitos para mandatos de três anos. Os pleitos são organizados pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O que fazer em quatro situações de risco

Faltas sem justificativa

Faltas sem justificativa. Ilustração O Silva. Foto André Spinola e Castro

1. Atenção à chamada Se o aluno se ausentar mais de duas vezes na semana sem justificar, registre as faltas e converse com ele nos dias em que estiver presente para tentar compreender o que ocorre.

2. Aposta no diálogo Caso as faltas persistam, comunique o coordenador e o diretor para que eles também falem com o estudante. Ele sempre deve ter a chance de se explicar.

3. Contato com a família Convoque os pais e peça que deem uma justificativa. Com o diretor, lembre-os de que os direitos da criança estão sendo violados e que o Conselho Tutelar poderá ser acionado.

4. Visita à casa Se os pais não comparecerem à escola, o diretor pode fazer uma visita à casa do aluno para investigar a situação. Esgotados esses recursos, é hora de acionar o Conselho Tutelar.

5. Relatório minucioso Organize o máximo de informações sobre o histórico escolar do aluno e um resumo das conversas realizadas para que o diretor encaminhe ao Conselho.

6. A ação do conselho Cabe ao conselheiro falar com a criança e depois com os responsáveis a fim de reverter o quadro de abandono escolar. Mas lembre-se de que ele não tem poder corretivo, só de proteção.

7. Atendimento judicial Se depois de todas as ações o abandono persistir, o Conselho Tutelar aciona o Ministério Público (MP), que deve tomar as medidas judiciais necessárias para o atendimento.

Maus-tratos

Maus-tratos. Ilustração O Silva. Foto André Spinola e Castro

1. Atenção aos sinais Se a criança tem hematomas, alterações de humor ou sinais de depressão, fique atento. Podem ser indícios de violência física, psicológica ou sexual. Converse com ela para apurar o que ocorre.

2. Denúncia anônima Caso a suspeita persistir, denuncie ao Conselho Tutelar, ao MP ou ao Disque 100. A comunicação pode ser feita pela diretoria ou pela comissão de prevenção.

3. Assistência ampla Um conselheiro conversará com a criança e a família. De acordo com o tipo de violência, ele irá requisitar tratamentos de saúde, acompanhamento psicológico, assistência social ou de segurança.

4. Apoio da justiça Nos casos mais graves, que exigem medidas jurídicas, o próprio Conselho Tutelar aciona o MP ou os Juizados da Infância e da Juventude.

Dependência química

Dependência química. Ilustração O Silva. Foto André Spinola e Castro

1. Prevenção e diálogo Se apesar das campanhas de conscientização você notar que há consumo de álcool e drogas, converse com o aluno. Fale sobre os sintomas notados e pergunte os motivos que o levaram a isso.

2. Esforço conjunto Comunique a direção da escola e converse com os pais. Em conjunto, todos podem propor ao aluno a realização de atividades que explorem as habilidades dele.

3. Tratamento Se esses recursos não forem suficientes, a direção deverá comunicar o caso ao Conselho Tutelar. Nas situações mais graves, solicite tratamento na Secretaria de Saúde.

Tráfico de drogas e porte de armas

Tráfico de drogas e porte de armas. Ilustração O Silva. Foto André Spinola e Castro

1. Infração grave O porte de armas e a venda de drogas são atos infracionais. Se um aluno chega à escola com uma arma de fogo, uma faca ou um canivete, a direção deve ser comunicada imediatamente.

2. Caso de polícia Se o estudante não entregar a arma espontaneamente, acione a Polícia Militar e o Conselho Tutelar. Somente os policiais têm a preparação adequada para desarmar uma pessoa.

3. Medidas de proteção Paralelamente, o conselheiro tutelar pode encaminhar o caso. Cabe a ele propor medidas de proteção e avaliar a necessidade de acionar o Juizado da Infância e da Juventude da região.

4. Advertência Caso o aluno tenha mais de 12 anos, o Juizado pode determinar medidas socioeducativas. Estão previstas desde uma advertência até a liberdade assistida ou a internação.

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