Para o componente de Geografia, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propõe que todos os estudantes desenvolvam a capacidade de ler e interpretar mapas. A partir do domínio das diferentes formas de representação da realidade, eles devem adotar o raciocínio para resolver problemas e posicionarem-se de forma ativa diante das mais diversas questões da sociedade. Nesta entrevista à NOVA ESCOLA, o educador e geógrafo Murilo Vogt Rossi, mestre em ensino de Geografia pela FFLCH/USP e doutorando em ensino de Geografia pela PPGG/UFPB, sugere alguns caminhos que podem ser trilhados pelo professor para conduzir os estudantes em direção a essa meta desafiadora. Leia:
NOVA ESCOLA: Como o conceito de alfabetização cartográfica está presente na Base?
Murilo Vogt Rossi: Assim como existe o alfabeto de nossa Língua Portuguesa, há o alfabeto da Cartografia, composto basicamente por linha, ponto e área. Essas três formas gráficas compõem qualquer tipo de mapa e sua interação e conjunto dão significado às informações intencionalizadas que o mapa quer mostrar. A cartografia tradicional se interessa muito por informações de localização e orientação a partir dos mapas e sua leitura. Com a alfabetização geográfica, vamos ter um outro nível de leitura de mapas e gráficos, o que permitirá formar um leitor mais reflexivo e crítico, que vê os problemas, analisa e investiga os caminhos para a solução deles. A linguagem cartográfica fica mais complexa sob essa perspectiva, porém, mais real, sendo encarada como uma comunicação visual e uma gramática, metodológica e cognitiva em sua essência.
A alfabetização cartográfica ganhou mais ênfase na BNCC?
Ela está inserida no raciocínio geográfico, este, sim, bem trabalhado na Base Nacional Comum Curricular. E, a meu ver, a BNCC avançou ao evidenciar o raciocínio geográfico, a partir das formas de representação e pensamento espacial, fundamentais já nos anos iniciais. Outra mudança positiva foi o estabelecimento da relação entre o sujeito e seu lugar no mundo, readequando as escalas de trabalho do professor de geografia, que anteriormente costumava utilizar escalas pequenas, tais como planisfério. Mas dessa forma o estudante mal entende um mapa, pois não consegue se apropriar daquilo em sua vivência. Não é proibido trabalhar com escalas pequenas, claro, não é isso que eu quero dizer, mas é importante relacionar a temática geográfica com a base cartográfica e a realidade do aluno. E é isso que a BNCC propõe.
Que tipos de atividades vão facilitar o exercício de interpretação e produção de representações próprias no espaço, por parte do estudante?
O professor tem que sugerir trabalhos diversificados com os mapas. O primeiro passo é ampliar o acesso do estudante ao mapa, deixar ele manipular, virar em outros sentidos, utilizar o corpo na orientação etc. Se o acesso for feito em um meio digital, o professor pode apoiar o aluno no momento de lidar com essas novas plataformas, para buscar mais conhecimento. O segredo está em deixar o aluno conhecer, se entusiasmar, ficar curioso a respeito dos mapas. Só assim o aluno conseguirá interpretar o mapa por meio de sua leitura e, num segundo momento, produzi-lo.
De que recursos o professor pode se valer para apoiar o estudante nesse processo?
Os recursos disponíveis. Para a produção de uma maquete, por exemplo, ele pode utilizar sucata e materiais descartáveis. Caso o professor tenha a disponibilidade de usar o computador e a internet, a interface Google (mapas ou Terra) e alguns programas básicos de SIG gratuitos. Outra dica é o site do IBGE, que tem uma sessão só de mapas escolares, inclusive disponibilizando mapas mudos (em branco, só com o contorno) para os próprios estudantes desenharem.
Qual é a importância de que os estudantes tenham contato com diversos tipos de representação do espaço?
O aluno precisa conhecer seu mundo, sua realidade, utilizar seu corpo para aprender suas funções motoras e espaciais. Isso ele ainda não aprende na educação tradicional, nem na geografia e nem nas outras disciplinas. E principalmente hoje, com a digitalização, o aluno tem que conhecer diferentes tipos de representações, tais como mapas impressos, maquetes, apps cartográficos, plataformas digitais cartográficas etc. Com isso, ele pode começar a perceber seu mundo de uma forma diferente, refletindo sobre os mapas como uma representação da realidade, numa escala reduzida. Um mapa não é a realidade, mas ele pode representar muitos fatos da realidade e até ajudar o aluno a resolver dilemas de sua comunidade, por exemplo.
Como estimular o estudante a produzir suas próprias representações?
Trabalhos manuais e no computador, em geral, são bastante estimulantes. Elencar um tema para trabalhar em grupo, se possível, organizado como projeto de escola e interdisciplinar, escolhendo um assunto que tenha a ver com a realidade local, é algo que também motiva os estudantes. Mas transformar um mapa mental produzido pelo aluno em maquete ainda é minha atividade preferida, pois ajuda a desenvolver diferentes níveis de reflexão, permite alcançar uma aprendizagem significativa e ativar níveis de cognição fundamentais para o desenvolvimento pessoal e científico dos estudantes.
Como deve ser a avaliação desses conceitos, ou das habilidades desenvolvidas por parte dos estudantes, nesse processo de alfabetização?
O professor pode fazer um acompanhamento constante dos grupos e das discussões, propondo atividades escritas, manuais, tecnológicas e orais, que podem ser avaliadas com mais calma, e outras que podem ser avaliadas no dia a dia, a todo o momento do processo pedagógico. É importante o professor se apropriar do tempo do processo educativo, ou seja, saber quando intervir ou não, possibilitando oportunidades para que os estudantes resolvam as questões propostas de uma forma mais independente ou autônoma; em outros momentos, é a figura da ação do professor dar orientações, ajudar e aconselhar.