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Jornalismo

Por que o norte encheu e o sudeste secou?

Para falar das mudanças climáticas, é preciso analisar escalas geográficas e ação humana

PorBruna Escaleira

13/05/2015

Em 2014, o clima surpreendeu todos os brasileiros. Enquanto no norte e sul do país choveu muito além do esperado, o sudeste sofreu com a seca e o esvaziamento das represas (mostre aos alunos os gráficos de chuva abaixo). O caso mais grave é o do Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de boa parte da cidade de São Paulo e sua região metropolitana. 

Para 2015, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) previu chuvas ligeiramente abaixo da média nas regiões Norte e Sul e precipitações um pouco acima do normal nas regiões Centro- Oeste e Sudeste. Mas até meados de janeiro, a situação não era animadora. Pelo contrário: em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, as temperaturas bateram recordes, choveu pouco e longe dos reservatórios. A possibilidade de racionamento de água e energia nos grandes centros urbanos é cada vez mais concreta. 

Não é simples abordar esse assunto quente com a turma. Primeiro, porque nem mesmo os cientistas têm certeza sobre o que está acontecendo (veja o quadro no fim da reportagem). Segundo, porque o tema é complexo. "É preciso deixar claro que o fenômeno ocorre em três escalas distintas: local, regional e global. É fundamental delimitar cada uma delas e mostrar como elas se influenciam", afirma Sueli Furlan, professora de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).

A umidade regional ameaçada

Clique na imagem para abrir o infográfico. Ilustração: Pedro Hamdan
  1. Umidade do mar O sol evapora a água do mar. Esse vapor é atraído para o continente pela baixa pressão atmosférica da floresta e vira chuva sobre a Amazônia. 
  2. A floresta atua As árvores amazônicas absorvem parte da água da chuva e bombeiam à atmosfera ainda mais água em seu processo de transpiração. O fluxo de vapor ganha volume. 
  3. Paredão rochoso O vento leva as nuvens e o vapor de água da floresta como um rio voador em direção aos Andes, mas ele não consegue ultrapassar a cordilheira e ruma para o centro-sul do país. 
  4. Bolha quente No centro-sul, a massa de ar quente no verão tem barrado o ar úmido do norte do país e as frentes frias que vêm do sul. Resultado: chove bem menos que o esperado.

A sugestão é começar pela escala regional, pois é nela que estão os fatores que geraram as mais nítidas alterações climáticas (veja o infográfico acima). Os meteorologistas concordam que as chuvas de verão não chegaram à Região Sudeste porque uma bolha de calor de alta pressão "estacionou" sobre ela no verão do ano passado. Neste ano, há indícios de que o fenômeno esteja se repetindo. Geralmente, uma massa de ar quente tem baixa pressão atmosférica. Nesse caso, o contato dela com um fluxo de ar frio favorece a formação da chuva. Mas essa bolha tinha alta pressão, o que impedia a aproximação de ventos úmidos, já que o ar flui de áreas com mais pressão para outras com menos pressão. 

Ninguém sabe explicar ao certo o que causou a formação dessa bolha e por que ela estacionou ali. Para investigar as hipóteses, é preciso mudar para a escala global. Uma possibilidade é propor aos alunos uma pesquisa em jornais e revistas sobre a situação do clima no planeta. "Vale lembrar que é preciso ter cuidado quando a mídia anuncia causas impactantes para alguma catástrofe. Desconfie, pois pode haver sensacionalismo ou explicações de não especialistas", alerta Adriana Olivia Alves, professora de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

2014, um ano de extremos

Fonte: Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)

 

A ação humana modifica o clima 

É provável que a pesquisa revele que eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes em todo mundo. Há uma série de fatores sociais e ambientais que os influencia. Nesse ponto, é importante sugerir que a turma debata o papel da atividade humana. A quantidade de gases causadores do efeito estufa lançada na atmosfera já é maior que a capacidade de absorção dessas substâncias pelo planeta: o aquecimento global chegou. Informações das agências americanas Nasa e Noaa, que monitoram os oceanos e a atmosfera, indicam que 2014 foi o ano mais quente da Terra desde o início das medições, em 1880. Não é um caso isolado: o século 21 tem nove das dez maiores médias de temperatura anuais, o que configura uma tendência de aumento. 

Com o aumento de temperatura, a atmosfera procura um reequilíbrio diante da nova situação. "Essa busca se manifesta como uma agitação atmosférica, que resulta em fenômenos climáticos extremos: furacões cada vez mais fortes, tempestades, enchentes e secas", explica Tércio Ambrizzi, professor de Ciências Atmosféricas da USP. Para o especialista, o aumento da temperatura da superfície do mar ao sul do Oceano Atlântico pode ter influenciado a bolha de calor na Região Sudeste, pois esses eventos não são isolados. Uma ideia é propor que a turma analise notícias sobre a seca aqui e as nevascas acima da média nos Estados Unidos no mesmo período. 

No momento de abordar a escala local, a ação humana novamente precisa ser debatida. Ela está por trás, por exemplo, do fenômeno das ilhas de calor, típico dos centros urbanos. Quando uma massa úmida passa por esses locais, o concreto e a poluição a jogam para o alto. O ar quente se resfria rapidamente, se condensa e gera fortes chuvas - que só têm causado transtorno, pois não enchem os reservatórios. É a chance, ainda, de esclarecer um mal entendido. "Uma ilha de calor é diferente da bolha de calor regional. A ilha tem influência restrita, não é capaz de mudar as condições atmosféricas regionais ou globais, já a bolha, sim", afirma Adriana. 

Se a ideia for apronfundar a abordagem da crise hídrica, é importante mostrar que a influência do homem se faz notar com força ainda maior. A falta de planejamento urbano, por exemplo, é um ponto crítico. "O concreto faz com que as bacias hidrográficas não consigam reter a água, mesmo que chova muito. Além disso, faltam opções de abastecimento: poderíamos ter mais águas se os rios não fossem poluídos", diz Sueli. 

Outra questão evidente é o desmatamento. Cada árvore mantém a umidade da sua localidade. Assim, a dizimação das florestas da Região Sudeste contribuiu muito para a seca. "A bolha de calor só prevaleceu porque não há floresta. Se houvesse, ela se dissiparia. É por isso que não chove na Cantareira, já que seu entorno é apenas pasto", aponta o pesquisador Antônio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Por tudo isso, economizar água acabou se tornando nossa única opção.

A culpa é do desmatamento?

Que as árvores são importantes para a manutenção da umidade e para o resfriamento do solo, não há dúvidas. Uma árvore grande pode transpirar mais de mil litros de água num único dia. Mas a seca na Região Sudeste levantou a hipótese de que a estiagem esteja sendo agravada pelo desmatamento na Amazônia. O raciocínio é o seguinte: ao derrubarmos as árvores da floresta, diminuímos o fluxo de umidade nos ventos do norte para o centro-sul (os chamados "rios voadores"). Com isso, o sistema de chuvas estaria entrando em colapso. Pode acontecer. Porém, os cientistas divergem ao avaliar se isso já está ocorrendo ou não. Você deve apresentar essa polêmica à classe. Para alguns, o desmatamento já seria suficiente para fazer minguar o fluxo de umidade. Outros sustentam que o sistema continua ativo - prova disso são as chuvas fortes no sul e no norte. Mas estão todos de acordo que o desmatamento na Região Sudeste - por exemplo, nas bordas do Sistema Cantareira - prejudica as chuvas no lugar certo.

Clique para acessar o infográfico

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