Mais um trabalho para Hércules
Ao propor o 13º desafio ao herói grego, os estudantes conheceram um novo gênero textual
30/07/2015
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Jornalismo
30/07/2015
Por essa, Hércules não esperava. Não bastasse ter de matar a hidra de Lerna, um monstro de nove cabeças que vomitava veneno, e capturar o cinturão de ouro de Hipólita, a imbatível rainha das guerreiras amazonas, o mítico herói grego terá agora um novo desafio. Bem, pelo menos foi isso o que propôs Eunilde Altair Alves Antunes, professora do 4º ano da EM Constantina Vieira de Araújo, em Tapiramutá, a 360 quilômetros de Salvador. A docente convidou os alunos a ler a história mitológica Os Doze Trabalhos de Hércules e criar uma nova aventura para o célebre personagem de força descomunal.
A sequência durou quatro meses e foi dividida em três partes: planejamento, textualização e revisão. Na primeira, Eunilde dividiu os estudantes em duplas e propôs a leitura de duas versões do livro: uma de Monteiro Lobato (416 págs., Ed. Globo Livros, tel. 11/3767-7514, 64,90 reais) e outra de Christian Grenier (272 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. 11/3707-3500, 35 reais). "É importante que os alunos sejam estimulados a ler obras de diferentes autores, refletir sobre o que estão lendo e, também, discutir sobre como essas histórias são contadas", sublinha a pesquisadora argentina Mirta Castedo. Cada dupla fez um resumo do texto no caderno e escreveu o que achou das histórias. Eunilde ainda exibiu um episódio do Sítio do Picapau Amarelo sobre o tema.
A professora, então, convidou a classe a fazer um roteiro para o 13º trabalho de Hércules. Nesse momento, vale ressaltar que há várias maneiras de planejar um texto. "Algumas pessoas rascunham enquanto escrevem. Outras o fazem sem qualquer prévia. Há ainda quem não redige uma linha sequer sem um esboço bem detalhado", defende Mirta. Como essas estratégias precisam ser aprendidas, o educador pode orientar a sala sobre como proceder. Na turma de Eunilde, as crianças foram convidadas a pensar o texto de acordo com as seguintes questões: "Quem é o personagem?", "Como ele é?", "De onde a história é contada?", "O que o herói pretende fazer?", "Ele irá alcançar o objetivo?" e "Como terminará a história? ".
Nessa fase, a professora discutiu as características do gênero. Para tanto, traçou um paralelo entre textos mitológicos e outros gêneros - contos de fada, por exemplo - estabelecendo semelhanças e diferenças entre eles. Os estudantes foram orientados a ter em mente desde o primeiro momento para quem estavam escrevendo. "Ao criar uma história, precisam saber duas coisas: o que vão escrever (conto, fábula etc.) e para quem. A todo instante, devem se perguntar: "O leitor vai entender o que estou escrevendo?". Se a resposta for não, tem de reescrever de maneira mais clara", pondera Denise Guilherme, assessora pedagógica e formadora de professores.
Do planejamento ao texto
Na opinião de Denise, a parte mais difícil é a textualização. Para auxiliar as crianças nessa etapa, uma opção é sugerir que comecem elaborando a história de forma oral e, com a ideia geral em mente, tentem colocá-la no papel. A especialista orienta para pedir que, desde a primeira linha, procurem utilizar a linguagem escrita. "Gírias, como 'tipo assim' e 'nada a ver', estão fora de cogitação", enfatiza. Mas o que fazer se, no meio do texto, a criança deixa escapar um "demorô"? Ela sugere questionar a sala: "Que outra palavra nós podemos usar aqui? Alguém se lembra de uma que o autor usou e podemos inserir no texto para deixá-lo mais interessante?".
"Mas uma vez, nosso herói vai efrentar um difícil trabalho. Ele vai ter que derrota o jovem sapo, um jovem sapo tem um poder de amaudicuar a sua caverna, lá na caverna do jovem tinha três androides com um olho só. Eles protegiam a caverna."
"Mais uma vez, nosso herói vai enfrentar um sapo gigante com pérolas na boca, asas de ferro e olhos vermelhos brilhantes. Será que o herói vai derrotar o sapo? O herói, Hércules, foi na caverna onde o sapo ficava de baixo de pedras e lá tinha pedras preciosas."
Na turma de Eunilde, uma das dúvidas mais recorrentes era como escapar da sempre indesejável repetição de palavras. Como falar de Hércules sem repetir, a cada cinco linhas, o nome do personagem? A professora levou a turma a refletir coletivamente sobre sinônimos. "Os termos mais sugeridos foram 'jovem', 'herói' e 'protagonista'." Nessa etapa, é recomendável que, a todo o instante, a criança releia o que está escrevendo. "Se algo não estiver do agrado e ela julgar que deve ser corrigido, não precisa esperar o momento de revisão para alterar", avisa Denise.
Foco no processo de revisão
Concluída a produção da primeira versão do texto, Eunilde deu início à revisão, etapa em que aspectos discursivos e linguísticos são aprimorados. Para começar, a docente pediu que uma dupla lesse o texto da outra. E, se necessário, fizesse observações e propusesse melhorias, sempre de maneira construtiva.
Numa das produções, os estudantes João Henrique Costa e Andrey de Jesus, ambos com 10 anos, resolveram inserir a figura de um androide (criatura metade homem, metade máquina) na narrativa grega. Ao revisar o texto, a docente perguntou à turma se o androide cabia naquele enredo. "Procuro deixá-los à vontade para escrever. No entanto, as características do gênero precisam ser respeitadas", afirma. Meio a contragosto, os garotos admitiram que não havia robôs na Grécia Antiga e alteraram o parágrafo (veja as duas versões acima). Denise explica que licenças poéticas como essa são corriqueiras nas produções, mas é importante que as crianças entendam o contexto em que a história se passa e escrevam com coerência. A especialista orienta o professor a frisar, por exemplo, que os 12 trabalhos de Hércules são missões impossíveis para um ser humano comum, de carne e osso. O herói só foi capaz de cumpri-las porque é filho de Zeus, o deus supremo da mitologia grega. Por esse motivo, o 13º trabalho não pode ser algo banal, corriqueiro, de fácil resolução.
Denise recomenda também que, em vez de tentar corrigir todos os erros ao mesmo tempo, a docente priorize os dois ou três que julgar mais relevantes. Se as crianças tiveram dificuldade para narrar a história no tempo, pode pedir que deem exemplos de marcadores temporais, como "Há muito tempo" e "No dia seguinte". "O importante é que as soluções sejam discutidas entre os alunos e não apresentadas pela professora, pura e simplesmente", diz. Terminado o trabalho, Eunilde ficou satisfeita. Todos os estudantes, sem exceção, aprenderam e se identificaram com a figura de Hércules, uma espécie de super-herói grego sem capa, máscara ou uniforme.
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