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Jornalismo

''Nosso museu nasceu na rua''

Turma faz história pesquisando o dia-a-dia da cidade maranhense de Açailândia

PorPriscila Ramalho

31/03/2001

Seu Jandir, conta aquela história... "Qual delas, meu filho?" Jandir Batista, morador de Açailândia, no interior do Maranhão, é assim. Coleciona uma lista enorme de anedotas e lembranças de infância, que adora dividir com as crianças do bairro.

No ano passado, seu público aumentou. Os casos divertidos, que ficavam restritos aos vizinhos, viraram parte do acervo do Museu da Pessoa, organizado pelas turmas da 4ª série de duas escolas municipais. A exposição, que tinha como objetivo registrar experiências de vida interessantes, reuniu fotos, relatos e objetos pessoais de 21 açailandenses. Gente como Zezão, o criador do hino do município, que ensina cantigas e lendas maranhenses para meninos de rua. Como Dona Deusa, cozinheira de mão cheia que já temperou muitos almoços importantes da cidade. Ou a enfermeira Maria Martens, que aos 72 anos já registrou em seu caderno de atendimentos mais de 2000 partos.

"São pessoas que fizeram muito pela comunidade, mas que até hoje não tinham sido reconhecidas", diz a professora Rejane Maria Santos, da Escola Municipal Simone Maceeira. A poetisa Dona Rosário levou até um susto quando recebeu o convite para participar do projeto: "Logo eu, uma pessoa dessa idade, com tanto jovem por aí?". O espanto durou pouco. Depois de ler o relato de sua vida na exposição, ela mesma passou a se valorizar: "A Carmen Miranda e o Luiz Gonzaga têm museu. Agora, a Dona Rosário", diverte-se.

As histórias dos personagens, registradas em painéis com fotos, textos e trechos de entrevistas, ficaram expostas durante seis meses num espaço cultural chamado Casa do Professor. Seu Jandir era um dos visitantes mais assíduos. "Eu já vi e vivi muita coisa na vida", reflete, orgulhoso. "De que adiantaria guardar isso tudo só para mim?"

Vizinhos ilustres

A idéia de criar o Museu da Pessoa surgiu numa das reuniões do curso de capacitação de professores do Programa Escola que Vale, uma parceria da Fundação Vale do Rio Doce e do Centro de Estudos e Documentação para a Ação Comunitária (Cedac) que atua junto à rede municipal de Açailândia.

A proposta inicial era treinar os usos da língua portuguesa: entrevistar, transcrever e manipular textos orais, fazer resumos e redigir títulos e legendas de fotos. "Mas logo nos primeiros encontros percebemos que poderíamos ir muito além disso", lembra a coordenadora regional do projeto, Ivonete Carvalho.

Segundo ela, o principal ganho da experiência foi a valorização da cultura local: "Os alunos passaram a conhecer, admirar e se identificar com os elementos da realidade deles". E isso acabou criando um forte vínculo entre a escola e a comunidade. "Nosso museu nasceu na rua, a partir das conversas com pessoas anônimas", ensina.

Para a consultora Maria Lúcia de Souza Ricci, pesquisadora do Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, o trabalho foi importante para que as crianças desenvolvessem a capacidade de pensar historicamente. "Ao se voltarem para esses anônimos, elas privilegiam um universo que normalmente não tem espaço nos livros", avalia. "E acabam se dando conta que a história está ali na esquina, sendo construída a cada dia por pessoas como elas."

"As memórias de mim mesmo me ajudaram a entender as tramas das quais fiz parte"

Paulo Freire

Quer saber mais?

Centro de Estudos e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), R. Gonçalo Afonso, 47, CEP 05436-100, São Paulo, SP, tel. (11) 3097-0523

Escola Municipal Jurgleide Alves Sampaio, R. Goiás, s/nº, CEP 65930-000, Açailândia, MA, tel. (98) 538-0394

Escola Municipal Simone Maceeira, R. Medeiros Neto, s/nº, CEP 65930-000, Açailândia, MA, tel. (98) 538-0258 

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