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Jornalismo

Memória, fonte de pesquisa

Os documentos orais têm informações tão importantes quanto papéis oficiais e textos escritos e, em certos casos, podem ser produzidos pelos próprios estudantes

PorCinthia Rodrigues

30/09/2007

Documentando para o futuro: alunos da EM Florestan Fernandes.  Foto: Rogério Albuquerque
Documentando para o futuro: alunos da EM Florestan Fernandes entrevistam um antigo morador do bairro. Foto: Rogério Albuquerque

A história da cidade e do bairro era um dos conteúdos que a professora Vânia Cristina Vieira precisava trabalhar, durante este ano, com sua turma de 4ª série da EM Florestan Fernandes. Porém informações sobre a Vila Ferreira e a cidade de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, onde os alunos moram, não estão nos livros didáticos.Nem por isso eles deixaram de estudar esses temas. Desde o começo do ano, a garotada agenda entrevistas com vizinhos da escola e com os moradores mais antigos. Durante as conversas, gravadas em áudio e vídeo, eles descobriram a história do lugar.

"As pessoas são fontes preciosas, com suas memórias e vida", diz Sônia London, coordenadora da área de formação do Museu da Pessoa, em São Paulo, que capta e arquiva depoimentos. "Durante muitos anos, a história oral foi considerada perigosa e não confiável por transmitir uma visão particular e restrita dos fatos", afirma Verena Alberti, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), no Rio de Janeiro. Mas conhecer as experiências pessoais de personalidades, famosas ou não, sempre traz informações valiosas, que acrescentam detalhes ao conjunto de conhecimentos oficiais e aproxima fatos distantes das pessoas comuns.

Ao usar o depoimento oral durante os estudos, é preciso complementá-lo com as informações dos livros de História."Qualquer fonte sempre traz um recorte do real, pois carrega as características do seu emissor, como a idade, a classe social e a origem", diz o consultor Ricardo Dreguer.

Documentar a história

No Brasil existem vários lugares onde é possível consultar gravações com personalidades e pessoas comuns (leia o quadro na página ao lado), mas também é possível produzi-las, como está fazendo a turma de Vânia no projeto Memória Local, inspirado num programa do Museu da Pessoa. Durante o processo, vários conteúdos de Língua Portuguesa também foram trabalhados, como você verá a seguir.

O primeiro passo foi conhecer um dos requisitos para alcançar os objetivos com sucesso. Boas respostas só se obtêm com boas perguntas. Para tanto, é fundamental selecionar informações. A turma de Vânia passeou pelo bairro para prestar atenção em suas características e levantar problemas, comparou o que viu com o registrado em fotos antigas e conversou com parentes para colher dados antes de preparar coletivamente o roteiro de questões.

Era o momento de ensinar a fazer entrevista, um importante conteúdo de comunicação oral, e para colocar os alunos em contato com as produzidas para rádio, TV, jornal e revista. Além disso, eles ouviram os depoimentos no site do Museu da Pessoa e começaram a se familiarizar com a linguagem.

Com a pauta pronta e a par de como realizar uma conversa para obter informações, a turma marcou uma entrevista simulada com a professora da biblioteca para treinar a melhor maneira de agir durante o encontro.

O empresário Fernando de Lima, de 42 anos, foi uma das fontes. Ele é filho do corretor de imóveis português Antônio Ferreira e, portanto, membro da família que emprestou o nome ao lugar. Usando gravador e filmadora, os estudantes registraram a fala do convidado ao recordar sua infância pelas ruas do bairro. "É nesse momento que o particular começa a dar lugar para a história geral", diz Maria Rosa Gomes Castaldelli, coordenadora pedagógica da escola.

Antes da produção textual, era preciso decidir o estilo. A opção foi a narrativa.Vânia então orientou os estudantes a registrar por escrito o que foi dito pela fonte, eliminando os elementos da oralidade e prestando atenção aos padrões da linguagem escrita (conectivos, tempo verbal etc.). Outra possibilidade era a transcrição. Nesse caso, seria necessário ensinar a manejar o gravador e fazer a turma trabalhar em duplas ou trios, revezando as crianças nas tarefas de escrever e revisar.

O livro sobre o projeto Memória Local será lançado no fim do ano, juntamente com a exposição de desenhos, objetos pessoais e fotografias. Parte do material ficará à disposição dos internautas no site do Museu da Pessoa.

Onde encontrar documentos orais para suas aulas

Os museus listados a seguir têm gravações em áudio e vídeo/DVD disponíveis para a consulta. Procure também saber nas Secretarias de Educação e Cultura da sua cidade onde é possível encontrar material semelhante.

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL
São cerca de 1,5 mil entrevistas feitas durante 35 anos com presidentes, políticos e empresários. No site www.cpdoc.fgv.br, é possível fazer o download de algumas delas. Praia de Botafogo, 190, 14º andar, 22253-900, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 2559-5700, de segunda a sexta, das 9h30 às 16h30.

MUSEU DA IMAGEM E DO SOM
O acervo é composto de mais de 200 entrevistas em áudio e vídeo, principalmente com personalidades do cinema, das artes plásticas e do futebol. Consulta apenas no local. Av. Europa, 158, 01449-000, São Paulo, SP, tel. (11) 3062-9197, de terça a sexta, das13 às 17h30.

MUSEU DA MARÉ
A rica experiência de parte dos 132 mil moradores do complexo de favelas da Maré está resumida em cerca de 500 fitas de áudio e vídeo, disponíveis desde maio de 2006. Av. Guilherme Maxwell, 26, 21040-210, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 3868-6748, de segunda a sexta, das 10 às18 horas, e sábado, das 10 às 14 horas.

MUSEU DA PESSOA
Qualquer um pode gravar uma entrevista no museu, que depois fica disponível no site www.museudapessoa.com.br. Até agora, mais de 8 mil pessoas já deixaram lá suas histórias e o material está organizado por nomes. R. Natingui, 1100, 05443-002, São Paulo, SP, tel. (11) 2144-7169. De terça a sábado, das 9 às 18 horas.

NÚCLEO DE ESTUDOS EM HISTÓRIA ORAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (NEHO)
Além de ter um acervo de entrevistas relacionadas a movimentos sociais, imigração e cultura popular, o Neho organiza cursos para professores interessados em trabalhar com conteúdos orais em sala de aula. Informações no site www.fflch.usp.br/dh/neho. Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 05508-900, São Paulo, SP, tels. (11) 3091-3701 (r. 238) e 3091-3760. Segunda, das 9 às 13 horas e das 17 às 19h30, terça, das 8 às 11 horas e das 18 às 20 horas, quarta, das 9 às 17 horas, quinta, das 9 às 19h30, e sexta, das 9 às 17 horas.

Quer saber mais?

CONTATOS
Ricardo Dreguer, dreguerricardo@uol.com.br

EM Florestan Fernandes, R. Operário Luis Pedro Magalhães, s/no, 09851-135, São Bernardo do Campo, SP, tel. (11) 4109-0720

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