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Jornalismo

A pluralidade da poesia em sala

Com referências, ninguém vai mais dizer: Não sei fazer poemas

PorPaula PeresBruna Nicolielo

05/11/2014

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A pluralidade da poesia em sala. Melissa Lagôa

Comparação O poeta relaciona brincadeiras infantis ao fazer poético, assim como as palavras aos elementos da natureza: em comum, ambos se renovam.

Tema Situações cotidianas, como o brincar, ganham novo sentido. Todo tema pode virar poesia. Importa como ele é tratado e como a linguagem é elaborada.

Poética do autor Ele concebe a poesia como algo que distrai e dá prazer. Vê as coisas do mundo como se fosse a primeira vez. A palavra, para ele, é algo inusitado.

Paralelismo O recurso de repetir versos ou partes de um verso é bastante usado. Assim, as palavras e as expressões ganham novos sentidos.

Versos livres Nem todos os versos do poema rimam. Eles também não têm uma forma ou ritmo padronizado, pois a divisão das estrofes é irregular.

Seleção de termos A seleção de palavras (bola, pião, papagaio) remete ao universo infantil. Significado e sonoridade estão relacionados para obter efeito expressivo.

Leitor ativo O poeta conduz o leitor à participação, convidando-o a ser cúmplice da brincadeira. Ao fim, sugere: vamos brincar de poesia?

*Extraído do livro Poemas para Brincar (José Paulo Paes, 20 págs., Ed. Ática, tel. 4003-3061, 36,50 reais)

Consultoria Leonardo Batista dos Santos


Queixas como "Poema tem de ter rima." e "Não sei rimar." eram comuns entre os alunos do 6º ano da EM Professora Maria Clotilde Lopes Comitre Rigo, em Praia Grande, a 77 quilômetros de São Paulo, quando trabalhavam com esse gênero literário. Decidido a convencer os jovens a mudar de opinião, o professor Leonardo Batista dos Santos propôs uma sequência didática com base em referências muito distintas entre si. "Quis trazer novos textos e, assim, ampliar os conhecimentos da turma." Ele analisou a interpretação de poesias entre os jovens em seu mestrado, defendido na Universidade de São Paulo (USP), e concluiu que eles são capazes de lidar com textos de diferentes correntes literárias, mesmo sem ter conhecimentos específicos.

No repertório selecionado pelo professor, havia poemas longos e curtos, com versos simétricos e assimétricos, que seguiam um formato definido ou não, de escritores de diferentes épocas, como Manuel Bandeira (1886-1968), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), José Paulo Paes (1926-1998) e o contemporâneo Dirceu Villa. "Essa variedade permite estudar os recursos usados para criar efeitos de linguagem. Depois, isso pode ser incorporado às produções", explica Luciana Ferraz, autora de materiais didáticos.

Santos leu os poemas, mostrando que eles pedem um ritmo e uma entonação de voz diferentes de outros textos. Os alunos foram, então, convidados a fazer o mesmo. "No início, eles podem sentir dificuldade. Por isso, é fundamental explicar que os intervalos entre um verso e outro nem sempre são pausas e que elas precisam ocorrer no momento certo, senão podem atrapalhar a interpretação", explica Claudio Bazzoni, assessor da rede municipal de São Paulo. Por meio de uma leitura compartilhada, em voz alta, todos participaram conforme se sentiam à vontade e perceberam pontos importantes da poesia, como a sonoridade, o ritmo e a melodia.

Um dos poemas apresentados foi Convite, de José Paulo Paes (leia sobre ele acima). Ele gerou identificação, pois era conhecido por todos, que gostam de sua sonoridade. "É importante frisar que as possibilidades de interpretação não se esgotam em apenas uma leitura", diz Santos. Já A Omelete, de Dirceu Villa, causou estranhamento. "Não é poesia, não tem rimas." e "Não diz nada com nada." foram algumas das opiniões. O docente viu na aversão dos alunos uma oportunidade para fazê-los experimentar textos com os quais não estavam acostumados. A moçada também estranhou bastante A Onda, de Manuel Bandeira (leia sobre ele na página seguinte), que foi classificado de "esquisito", "nada a ver", "bobo" e "chato". "Propus que ouvissem mais atentamente. Eles começaram a perceber o efeito das repetições, a sonoridade das palavras e a melodia que elas imprimem"m conta Santos. Eles, então, associaram isso ao título e ao tema. Foi um momento de surpresa e de apreciação: "Da hora!" e "Muito show!", disseram os jovens.

Na etapa seguinte, o professor convidou a classe a produzir seus próprios poemas. "Devemos desmistificar a ideia de que a poesia é resultado de uma iluminação. Assim como os outros textos, é preciso técnica", explica. A princípio, o tema era livre, mas isso tornou-se um problema, pois os alunos sentiam falta de um direcionamento. Ele, então, listou alguns tópicos: amor, saudade, família, infância, o lugar onde mora. O docente também colocou os alunos para refletirem sobre os formatos existentes. "Você é o autor, agora. Acha mais interessante usar poucos versos ou algo com forma definida, como um soneto?" e "Será que as rimas funcionam sempre?" foram algumas das provocações.

Passar as ideias para o papel traz muitas dúvidas a quem está escrevendo, principalmente quando o gênero é novo. Santos tentava driblar a insegurança dos alunos valorizando os trabalhos e dando sugestões do que poderia melhorar. "Nesse momento, é muito importante ter repertório para saber indicar novas leituras e recitar trechos de poemas que se relacionam com o que eles querem fazer." Depois de uma etapa de reescrita, ele leu as produções em voz alta, revelando seus autores ou escondendo-os sob pseudônimos, de acordo com a vontade deles. As produções revelam o progresso dos alunos - alguns até arriscaram fazer versos livres.

De Os Lusíadas aos haicais

A pluralidade da poesia em sala. Melissa Lagôa

Paranomásia O poeta usa palavras com sonoridade muito parecida entre si. A palavra que serve de base a essas variações no som é "onda", título do poema.

Paralelismo A construção "ainda onda/ainda anda" também imita uma onda. Já "a onda a onda", sugere o momento em que ela quebra na praia.

Gramática A construção "aonde anda a onda?" não está de acordo com a gramática normativa, mas dá leveza e fluidez por ser constituída basicamente de vogais.

Anáfora Ao lado dos parônimos, a repetição da mesma palavra ou grupo de palavras no princípio de frases ou versos consecutivos imita o movimento da onda. 


*Extraído do livro Estrela da Tarde (Manuel Bandeira, 190 pág., Ed. Global, tel. 11/3707-3500, 31 reais)

Consultoria Leonardo Batista dos Santos

Falta de confiança para escrever também era a maior dificuldade da turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Neli Edite dos Santos, da EEB da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Uberlândia, a 537 quilômetros de Belo Horizonte. Por isso, Neli começou mostrando o poema O Lutador, de Carlos Drummond de Andrade. "Se até um dos maiores nomes da literatura brasileira reconhece que escrever é lutar com as palavras, significa que todos nós podemos lutar e escrever também", diz.

Em seguida, Neli mostrou aos estudantes poemas de autores de épocas diversas, com vários temas e formatos. A amostra tinha épicos, como Os Lusíadas (Luís de Camões, 320 págs., Ed. Saraiva, tel. 11/3613-3000, 29 reais), e haicais (de origem japonesa). "A intenção era quebrar a ideia que eles tinham de estruturas tradicionais, rimadas." Luciana sugere recuperar o repertório dos alunos de EJA. "Muitos conhecem músicas, cordéis e quadras populares, mas acham que isso não é poesia." Neli também levou a classe à biblioteca e deixou que todos circulassem pela área desse gênero. De volta à sala, ela convidou-os a escrever, experimentando palavras, pontuações e construções. Para quem precisava de ajuda, a docente apresentou a ideia de intertextualidade, mostrando poemas de autores diferentes que fazem referências uns aos outros, e explicou que eles também podiam se apropriar desse recurso.

A professora digitou as escritas e projetou-as em sala, lendo em voz alta. A turma pôde expressar o que sentiu. Muitos relacionaram os poemas dos colegas aos que foram lidos antes. Eles aproveitaram para conversar sobre suas intenções (o que quis dizer, por que escolheu determinada forma etc.). Coletivamente, a sala deu sugestões de melhoria. As produções foram para o site da escola. "Se no início eles tinham dúvidas sobre sua capacidade de escrever, ao fim passaram a usuários de uma língua que, agora, eles entendem e é deles também", comemora a docente.

1 Apreciar a variedade Selecione poemas de diversos autores e estilos. Leia em voz alta, chamando a atenção para a entonação e o ritmo.

2 Interpretar os detalhes Proponha uma compreensão mais aprofundada de alguns poemas, considerando os efeitos de linguagem usados. Dê espaço para as percepções de todos quanto à forma e ao conteúdo.

3 Experimentar ideias e formas Sugira a produção de textos poéticos de diferentes formatos. Circule pelos grupos indicando referências. A reescrita pode ser individual ou coletiva, com base nas sugestões de toda a turma.

Galeria com poemas elaborados pelos alunos

Mentira!
Gabriely Willian, 12 anos
6º ano da EM Professora Maria Clotilde Lopes Comitre Rigo

Imaginações, emoções, ilusões.
Tudo isso sofri!
Tentei chorar nos teus ombros.
Mentira! Você não estava mais aqui.

Meu coração gritava desesperadamente por você!
Minha alma é como neblina!
Minha raiva é fogo!

Você voltou como se nada tivesse acontecido.
Sinceramente, para mim você havia morrido!

Vou falar no seu ouvidinho...
Mentira.


Quando alguém
Walisson da Cruz, 12 anos
6º ano da EM Professora Maria Clotilde Lopes Comitre Rigo

Quando alguém vai pela estrada
Vai com a calça apertada.
Quando alguém vai ao banco
Sente-se um tranco.
Quando alguém tem vida
Quando acorda tem uma saída.

Quando alguém não se sente bem
Vai para a igreja dizer amém.
Quando alguém vai onde está escuro
Finge que está seguro.
Quando alguém vai ao trabalho
Acha-se um atalho.

Quando alguém faz o almoço
Sente-se uma coisa no pescoço.
Quando alguém vai pro lugar errado
Chama-se "atormentado".
Quando alguém vai à feira
Encontra-se uma cadeira.

Quando alguém vai brincar
Sempre vai se machucar.
Quando alguém está com energia
Sempre sente alegria.
Quando alguém pergunta como eu estou
Eu digo: Esse poema acabou.


Eclipe
Izabel Cristina Ribeiro Bernardes, 48 anos
Turma de 7º ano da EJA da Eseba - Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Se você fosse o sol
E eu a lua,
Teria eclipse todos os dias...


A Cama
Eliete Osana Borges, 37 anos
Turma de 7º ano da EJA da Eseba - Universidade Federal de Uberlândia (UFU)


Em minha cama deito,
Tão logo deito, penso.
O pensar dispersa,
O deitar me acomoda.
Quero não pensar, quero sonhar...
Descanso e adormeço.


História de Minha Infância
Wilson de Morais Martins, 48 anos
Turma de 7º ano da de EJA da Eseba - Universidade Federal de Uberlândia (UFU)


Eu tenho muita saudade
Do meu tempo de criança.
Vivia com meus pais
na fartura e na bonança. 

Mas o tempo foi passando...
Fiquei moço de repente
E fui pra cidade grande,
Me tornei independente. 

Hoje, longe da família,
A saudade me devora,
Mas não perco a esperança
De um dia ir embora. 

Quando estiver chegando
Onde chorei na despedida,
Quero abraçar papai e mamãe,
pois foram eles que me deram a vida!

Quero rever meus irmãos.
E o meu maior desejo:
Quero lhes dar muito carinho
Muitos abraços, muitos beijos. 

Quero ir lá na fazenda,
Vou pescar no rio Taquari,
Onde tem peixe graúdo,
Tem piapara, tilápia e lambari!!

Eu estou vivendo na cidade
Amolado e tristonho.
Tenho fé que muito em breve
Vou realizar o meu sonho!

Já está chegando a hora...
A saudade é demais!
Não quero viver em Minas,
Vou voltar pra Goiás.

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