Como estudar geometria plana para além do formato?
Mais do que apenas reconhecer as figuras geométricas planas, os alunos devem explorar suas características, semelhanças e diferenças nas aulas de Geometria
30/08/2019
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Jornalismo
30/08/2019
Algumas das crianças da turma de 1º ano da professora Talita de Oliveira chegam à escola Il Sole, em Santo André (SP), sabendo identificar e nomear algumas figuras geométricas planas, como triângulo e quadrado. Mas a educadora sabe que, mesmo que toda a turma aprenda essas duas habilidades, elas não são suficientes quando o objetivo é aprender de modo potente e completo a Geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental. “Identificar e nomear, duas ações descritas na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) vai além da percepção propriamente dita. O que é observável para o aluno tem a ver, necessariamente, com o que ele tem condições de analisar”, explica Ana Flávia Castanho, professora da Pós-Graduação em Didática da Matemática, do Instituto Vera Cruz, em São Paulo. A palavra-chave, então, é exploração. Isso mesmo: ir além do que está descrito na BNCC, fazendo da habilidade um ponto a ser alcançado, não se limitando a ele.
Ciente disso tudo, Talita desenvolve atividades diversas para encaminhar os alunos a estabelecer relações e analisar as características das figuras, discutir sobre semelhanças e diferenças usando as próprias palavras e, com o passar do tempo, se apropriar do vocabulário específico. “Quando um estudante fala ‘isso é um quadrado’, continuo a conversa, pergunto o motivo de ele afirmar aquilo porque quero ampliar as percepções dele”, explica.
O caminho tem de ser esse mesmo, de acordo com Mabel Panizza, autora de Ensinar Matemática na Educação Infantil e nas Séries Iniciais: Análises e propostas (Ed. Artmed), o modo de pensar geométrico implica demonstrar a validade de uma afirmação por meio de argumentos.
Tradicionalmente, o ensino da Geometria já esteve muito apoiado na nomenclatura e distante do oferecimento de desafios aos alunos. Mas essa concepção mudou. Sabe-se hoje que eles aprendem quando têm bons problemas para resolver e que, desde pequenos, devem ser colocados em contato com problemas relacionados aos espaços real e geométrico. Em outras palavras, é imperativo cuidar para que o estudo da Geometria sempre comece pela análise, por meio da exploração de características, semelhanças e diferenças entre as figuras. E não pelo entendimento do que é, por exemplo, um triângulo, fazendo um trabalho centrado em análises declarativas, descritivas (“o triângulo é uma figura que tem três lados”, por exemplo). “O esperado é que seja proporcionado para a criançada uma série de desafios e que somente depois a figura seja nomeada”, diz Camilla Schiavo, formadora do Avisa Lá e assessora da área de Matemática da rede municipal de Educação da capital paulista.
José Luiz Magalhães de Freitas, professor sênior da pós-graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) ainda reforça que a riqueza de trabalhar com conceitos geométricos está justamente na validade de estabelecer relações entre as figuras.
“Conceitos não têm razão de ser quando isolados. Só fazem sentido quando são colocados em perspectiva de comparação”, explica Freitas.
Voltando à questão do ensino tradicional, mais um ponto de atenção: a posição das figuras. Se quadrados sempre são apresentados aos estudantes apoiados em uma das faces e nunca em um dos vértices, a turma tende a não reconhecê-los ou confundi-los com outras figuras (nesse caso, especificamente, é comum que as crianças façam confusão com losangos, já que é comum que esse apareça apoiado em um de seus vértices). “Diversificar a posição é essencial tanto quanto apresentar figuras não convencionais para a classe”, diz Camilla.
Na turma de Talita, a evolução dos alunos é visível para ela à medida que eles fazem declarações mais e mais elaboradas e apoiadas em comparações, ainda que frágeis. “Esse é um quadrado que tem lados de tamanhos diferentes”, diz um aluno ao apontar um retângulo. “É quase um quadrado. Parece, mas não é igual”, fala outro. “Se eu uso quatro traços iguais, faço um quadrado. Se não, vira um retângulo”, comenta um terceiro.
Ao explorar sólidos geométricos (veja a atividade que propõe o uso de carimbos ao lado) para trabalhar com as figuras planas, Talita também alcança bons resultados com as crianças. Ante a uma pirâmide de base redonda, certa vez, uma criança, disse: “Depende do jeito que vejo, tem um triângulo. Mas embaixo, eu vejo um círculo”. A respeito do trabalho com sólidos geométricos e figuras planas, aliás, é válido destacar que não existe uma ordem ideal para trabalhar em sala. “Tudo depende dos desafios oferecidos e das discussões levantadas com as crianças”, afirma Ana Flávia.
Tradicionalmente, a escola apresenta as figuras planas primeiro. Apesar disso, é indiscutível que, desde bebês, os alunos exploram sólidos, como caixas, cilindros e outras formas. “É muito interessante e proveitoso, durante o ano letivo, estudar figuras bi e tridimensionais, alternando-as. Os estudantes são capazes, inclusive, de elaborar relações entre elas muito férteis”, diz Ana Flávia.
PROPOSTAS PARA TRABALHAR EM SALA DE AULA
Confira atividades clássicas sugeridas por especialistas para explorar as figuras planas com as crianças no Fundamental I
Carimbos com sólidos geométricos
A ideia é associar as figuras planas como parte das não planas. Ao pintar as faces de um dado, por exemplo, e carimbá-las numa folha de papel, é possível descobrir seis quadrados - todos do mesmo tamanho. Também é possível trabalhar com embalagens, abrindo-as para que as crianças investiguem as figuras planas que compõem o objeto.
Saquinho-surpresa
Dentro dele, coloque várias figuras geométricas planas - inclusive algumas que não têm nome -, sorteie uma e não a mostre para ninguém. Os alunos devem ir fazendo perguntas a fim de descobrir qual é, lançando mão das características: quantas pontas tem? E lados?
Cópia de figuras
Usando ou não a malha quadriculada, desafie a turma a reproduzir uma figura. O objetivo não é ficar perfeita, mas reproduzir ao máximo características e falar sobre elas. Escolha duas e pergunte como o autor fez para alcançar o resultado. Também vale convidar o grupo todo para comparar a original com uma das cópias, identificando semelhanças e listando dicas de como fazer cópias melhores.
Desafio da transformação
Depois de mostrar uma figura, o educador convida a turma a fazer outras com base nela. Por exemplo: como fazer de um quadrado dois triângulos? Com esse tipo de atividade, a garotada é impulsionada a pensar nas características da figura que já existe e nas das que precisa fazer surgir. No caso do exemplo dado, a solução é traçar uma diagonal.
Vamos desenhar?
Peça para a classe explicar como fazer um retângulo: o que essa figura precisa ter? Com qual outra se parece? Note: não se trata de desenhar um retângulo logo de cara, e sim, de explicar como fazê-lo. Essa discussão ajuda a turma a se apropriar de características e do vocabulário específico da Geometria. Depois, seguindo as orientações das crianças, proponha que elas mesmas realizem a tarefa.
Jogo das famílias
Apresente recortes de quadrados, triângulos, retângulos e outras figuras planas de vários tamanhos e tipos e peça para a turma separar por famílias, explicando quais critérios usaram para tal.
Análise de figuras
Mostre para a turma uma folha com um conjunto de figuras planas e escolha uma delas, sem revelar qual é. Oriente as crianças a fazerem perguntas que só poderão ser respondidas com “sim” ou “não” para que descubram qual foi a escolhida. Elas poderão questionar sobre a quantidade de lados, se são curvos, número de vértices, tamanho da figura em relação a outras etc.
Fontes: Ana Flávia Castanho (Instituto Vera Cruz), Camilla Schiavo (Avisa Lá) e José Luiz Magalhães (UFMS)
Na BNCC
Identificar e nomear figuras planas (círculo, quadrado, retângulo e triângulo) em desenhos apresentados em diferentes disposições ou em contornos de faces de sólidos geométricos Habilidade EF01MA14
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