"Eu estou aqui porque acredito que posso mudar uma realidade como essa"
Em entrevista exclusiva à NOVA ESCOLA, Pedro Fernandes elencou as prioridades de sua gestão na Secretaria e diz que a construção de 10 novas escolas está garantida
Em 2019, NOVA ESCOLA vai publicarentrevistas com os secretários de Educaçãodos 26 estados e do Distrito Federal para ouvir os planos, perspectivas e as opiniões de quem lidera a pasta pelo país.
O secretário estadual de Educação do Rio de Janeiro, Pedro Fernandes Crédito: Lucas Magalhães/Nova Escola
De camisa polo, calça jeans e crachá pendurado no pescoço, o secretário de Educação do Rio de Janeiro, Pedro Fernandes, chega à sua sala, pronto para receber NOVA ESCOLA para entrevista. O espaço é decorado com símbolos da igreja católica e quadros, um deles, de Martin Luther King Jr, o americano e líder ativista de direitos civis. Nos momentos antes e depois da entrevista, ele se sente à vontade para conversar com seus assessores sobre o planejamento de um evento para homenagear servidores aposentados e discutir assuntos da reunião que teve poucos minutos antes.
Escolhido pelo atual governador Wilson Witzel para a pasta, Pedro já foi secretário do Meio Ambiente da cidade do Rio de Janeiro e da Assistência Social e dos Direitos Humanos do estado do Rio. Ele reconhece: não é do mundo da Educação. O cirurgião-dentista, mestre pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), e pós-graduado em políticas públicas pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) diz que vai recorrer à sua equipe técnica para assessorá-lo nos assuntos de políticas públicas, como a reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Docente.
Pedro vai comandar a pasta que é responsável por 1.288 escolas, 724.310 alunos e 39.404 professores, de acordo com o Censo Escolar de 2018. Durante a conversa, o secretário não mostra interesse em discutir pautas como o Escola Sem Partido, um dos assuntos que têm recebido a atenção do debate público nos últimos meses. Para ele, há outras prioridades no momento: oferecer mais vagas em escolas de período diurno na rede, investir em formação continuada dos professores e preencher as equipes pedagógicas das escolas para desafogar os diretores.
Confira a entrevista com o secretário de Educação do Rio de Janeiro:
NOVA ESCOLA: Chegamos ao seu gabinete e vimos o quadro de Martin Luther King Jr. PEDRO FERNANDES: É só ler a frase no quadro, “I have a dream” [A frase significa eu tenho um sonho, em inglês]. Eu tenho um sonho, eu estou aqui porque acredito que posso mudar uma realidade como essa, de pais dormindo na porta de escolas porque não conseguem matricular seu filho.
Como a sua trajetória profissional preparou você para assumir o cargo de secretário de Educação no estado do Rio de Janeiro? Hoje eu tenho 35 anos, mas tive a minha vida pública muito precoce. Aos 19 anos fui subprefeito, me formei na faculdade com 20 anos, me elegi deputado aos 22, depois fui secretário por mais cinco vezes. Essa é a sexta vez em que ocupo um cargo de secretário, além da subprefeitura.
Eu procurei desde que me elegi buscar uma diferenciação no mandato, que é uma qualificação para políticas públicas. Por isso eu fiz quatro pós-graduações em gestão, mestrado, faço doutorado e procuro sempre fazer uma formação continuada. É algo que eu pretendo implementar na rede também, para que cada vez mais seja possível ter os nossos profissionais melhor qualificados e mais estimulados para que a gente possa melhorar a qualidade de ensino no Rio de Janeiro.
Quais são os principais desafios que você já identificou na rede do Rio de Janeiro? Proporcionar vaga diurna. Na capital, 62% das escolas da rede só funcionam à noite, em prédios emprestados pela prefeitura, onde a prefeitura faz o Ensino Fundamental durante o dia e nós entramos com o Ensino Médio à noite. Ou seja, uma menina ou menino de 14 anos, ao concluir o 9° ano, só pode optar por estudar à noite.
Isso faz com que tenha um abandono, uma evasão escolar muito alta, faz com que exista um desestímulo muito grande para esses jovens e, por consequência, o desempenho cai. O nosso desafio é construir escolas, especialmente, nessas áreas que têm uma demanda reprimida como a capital, para que seja possível proporcionar pelo menos a opção, inicialmente, desses jovens estudarem durante o dia.
A construção dessas escolas está no planejamento? Sim, nesta semana está indo para a Secretaria de Obras o início do processo de licitação das escolas. Nós faremos a descentralização do orçamento. Vamos iniciar com 10 escolas e pretendemos ampliar esse número ainda esse ano. Mas 10 escolas estão garantidas.
Precisamos de 24 escolas aqui na capital pra zerar esse déficit de vaga diurna. Mantendo essa média, acreditamos que, em três anos, acabamos com esse problema de oferta reprimida de horário diurno.
Nós temos um quadro de profissionais extremamente qualificados, mas que estão desestimulados, desvalorizados por gestões anteriores que não deram o reconhecimento que os nossos profissionais merecem. Precisamos buscar que esses profissionais sejam valorizados, não só na questão salarial, que é muito importante, mas passando também pela formação. Por isso nós fechamos parcerias com as universidades estaduais, em especial a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que terá turmas específicas de pós-graduação, mestrado, doutorado para os nossos profissionais de Educação. E, além disso, cursos de capacitação em geral, de metodologia de aula, de línguas, de uma série de coisas que os próprios profissionais estão estabelecendo como prioridade.
Além de formação, vocês estão pensando em alguma política de valorização de salário dos professores? Calendário e reajuste só a Fazenda para tratar desse assunto, foi a orientação que nós recebemos. Certamente, se vocês procurarem, eles estarão prontos para responder.
De acordo com dados do Ideb 2017, o Rio de Janeiro está abaixo da meta nas três etapas de e ensino. Como vocês estão pensando em avançar nesse quadro? A melhoria do Ideb vai ser uma consequência da melhoria da qualidade do ensino na nossa rede. Eu não vou tratar de Ideb porque o meu foco não é esse. O meu foco é melhorar o ensino da rede e eu acredito que dessa forma nós vamos melhorar o Ideb também.
Sobre o currículo do Ensino Médio, como está o debate na rede? Tem uma equipe específica cuidando desse assunto, que são técnicos especialistas na área que eu simplesmente falo “Sim, senhor” para as decisões que eles tomarem. Alias, “Sim, senhora”, porque tem muito mais mulher aqui.
Você acredita que o projeto Escola sem Partido é uma demanda necessária para o estado do Rio de Janeiro? Eu tenho criança que não consegue estudar porque não tem vaga em escola, eu tenho criança que só estuda à noite e eu tenho todos os meus profissionais que estão desvalorizados e desmotivados. A nossa prioridade é essa. É colocar professor em sala de aula, é conseguir vaga de escola para todos os alunos na nossa rede e fazer com que os nossos profissionais sejam melhor capacitados. O que é lei precisa ser cumprido, mas na minha gestão eu procuro discutir aquilo que é minha prioridade.
Entre 2016 e 2017, nós fizemos uma reportagem sobre a violência no Rio de Janeiro e como ela afetava os dias letivos. Foram pelo menos 439 escolas que fecharam durante pelo menos um dia letivo. Isso significa perda de aulas e a vivência desses estudantes em um clima de violência. Como a Secretaria de Educação vai enfrentar essa realidade? Essa realidade é do município do Rio de Janeiro, não é da rede estadual, mas eu confio muito na política de segurança do novo governo e tenho certeza de que essa realidade vai começar a mudar.
Tem alguma política de gestões anteriores que você considera e boa que merece ser valorizada e, na outra ponta, alguma política que a sua gestão pretende descontinuar? O que nós precisamos hoje é de um olhar focado na gestão para focar no pedagógico. Nós entendemos a necessidade de reformar e de melhorar as escolas. A parte da infraestrutura foi um bom avanço da gestão passada, mas que vai ser discutida pra ver até que ponto isso pode ficar acima em um processo de prioridade da equipe pedagógica.
No final de 2018, o Conselho Nacional de Educação recebeu do MEC uma primeira versão da Base Nacional Docente que vai ser debatida pelos conselheiros. Na sua opinião, um documento que cria um padrão mínimo de currículo para a formação inicial dos professores pode colaborar com a formação dos profissionais da sua rede? E como a rede do Rio de Janeiro pode colaborar com essa discussão? Como eu disse, tem uma equipe da secretaria que aborda só esse detalhe. Uma equipe muito qualificada, que certamente pode contribuir nesse debate nacional que existe. Nós temos o nosso Conselho de Secretários, que trabalham e já abordam a fundo esse tema, e certamente lá haverá uma troca de informação.
Em uma situação hipotética em que você teria recursos ilimitados para a pasta de Educação, qual seria o seu sonho para a educação do Rio de Janeiro? Onde você gostaria que a Educação do estado chegasse? No básico. É ter sala de aula pra todo mundo, para que os estudantes possam escolher entre estudar durante o dia ou à noite perto da sua casa, ou existir transporte público acessível para que ele possa chegar no seu colégio, para que ele tenha formação técnica, para que ele saia da escola já inserido no mercado de trabalho. Esse é o sonho.
Quais aprendizados você acredita que a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro pode compartilhar com o Brasil? Esse trabalho de gestão compartilhada. Eu já fui secretário outras cinco vezes, como eu disse. Eu tenho nesse modelo de gestão a humildade de poder colocar as pessoas que realmente são especialistas na área e que entendem muito melhor do que eu o trabalho da ponta da Educação para poder me ajudar a tomar as decisões, que falam para mim que eu estou errado e me ajudam a trilhar o caminho certo, para que nós possamos errar o mínimo possível.
Como a secretaria de Educação está organizada nesse formato de gestão compartilhada? Primeiro todo mundo tem acesso ao secretário. Disponibilizei um número de Whatsapp para todo mundo, em que nós recebemos as sugestões e críticas e as pessoas participam do processo decisório. Por exemplo, os cursos que eu vou proporcionar em parceria com a UERJ. Quem vai me dizer o curso que eu vou contratar nas as universidades são os próprios professores.
Não adianta eu querer de cima para baixo oferecer uma linha de trabalho e estabelecer um plano de trabalho que não vai ao encontro do que a rede quer. Na gestão participativa existe a oportunidade de ser muito mais cobrado, obviamente, porque qualquer um tem acesso ao secretário, mas isso nos ajuda a errar menos, o que é nosso objetivo.
O secretário não quer tomar uma decisão de cima pra baixo sem saber se isso tem a mesma opinião dos meus profissionais na ponta, dos meus professores, dos secretários de escola, de todos os profissionais que trabalham na secretaria como um todo, por isso esse cuidado de ouví-los e pedir a ajuda deles para fazer a melhor gestão possível.
O que você quer dizer como considerações finais? Eu quero primeiro falar da minha angústia de ver dezenas, centenas de pais em filas, nas portas das escolas por não conseguirem matricular seus filhos. Eu me sinto envergonhado, incomodado, e por isso a minha luta para o estado construir escolas aqui no Rio de Janeiro, para que seja possível melhorar a gestão e fazer com que o drama de um pai não continue acontecendo no nosso estado. Nós vamos mudar essa realidade, vamos mudar a forma da gestão da Educação no Rio de Janeiro, e eu tenho certeza de que nós próximos dois, três anos a realidade do ensino no estado do Rio de Janeiro vai ser completamente diferente.
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