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Jornalismo

Educação domiciliar: uma negação da escola

O ensino regular permite o convívio, que é tão importante quanto o conhecimento, e não pode ser substituído por treino intelectual doméstico

PorLuis Carlos Menezes

01/08/2012

Luis Carlos de Menezes. Foto: Marina Piedade
Luis Carlos de Menezes é físico e educador da Universidade de São Paulo (USP)

Pode parecer contraditório, mas famílias que decidem conduzir em casa a formação escolar talvez prejudiquem seus filhos tanto quanto outras que se omitem no acompanhamento dos estudos de crianças e jovens. A Educação domiciliar, ou homeschooling, tem tido diferentes motivações, desde garantir a prevalência de convicções e valores considerados essenciais por algumas famílias até evitar o risco de assédio moral, ou bullying, só para lembrar de outra ideia de inspiração norte-americana.

Com os argumentos pedagógicos e éticos que, na escola, orientam o trabalho de toda a equipe escolar, é possível garantir: o ensino restrito à casa do aluno pode envolver mais desvios e prejuízos do que as pretendidas vantagens que seriam sua razão de ser - como vou defender neste artigo. Especialmente ao privar crianças e jovens da experiência de participar efetivamente de um coletivo, excluem-se inúmeras situações de aprendizagem propiciadas pela diversidade humana e que não são possíveis de reproduzir no confinamento familiar.

Sob uma ótica estritamente pedagógica, há qualidades, como as competências para argumentar, falar em público, resolver contradições e propor ações conjuntas, cujo desenvolvimento se dá necessariamente no convívio com colegas em igualdade de condições - ao acomodar intenções diferentes e pontos de vista conflitantes. No interior de uma família, tais oportunidades seriam tão restritas quanto o número de interlocutores. Isso também limitaria o exercício de observações sociais conjuntas em várias disciplinas e de práticas coletivas em música, teatro e outras artes, ou, ainda, de certas atividades experimentais de Ciências. A própria presença em sala de aula, em que cada aluno partilha dúvidas e descobertas com seus colegas, não teria contrapartida na Educação doméstica.

Talvez mais sério ainda do que essas limitações de caráter educacional seja o risco dos desvios éticos que podem ocorrer na Educação domiciliar. Ora, a construção pessoal da individualidade e a busca por rumos próprios dependem de possibilidade de escolha. Porém, se crianças e jovens tiverem uma só opção, de fato, não têm nenhuma. A liberdade de escolha deve ser considerada um direito incontestável dos nossos estudantes. Portanto, não é ético impedi-los de conhecer perspectivas distintas das de seus familiares, que, com a melhor das intenções, podem prejudicá-los seriamente.

São muitas as famílias que praticam o homeschooling nos Estados Unidos, onde associações difundem e apoiam essa modalidade de ensino. No Brasil, essa é uma tendência ainda muito recente. Entretanto, a fragilidade de nosso sistema pode facilitar sua difusão em certos setores sociais e promover a articulação de adeptos. Atualmente, inclusive, busca-se uma regulamentação legal para a prática no país e até mesmo uma Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 444/2009, vem sendo discutida. Esses acontecimentos devem ser acompanhados com preocupação por nós, professores, especialmente pelas razões apontadas neste texto, mas igualmente por constituir mais um ruído no já tumultuado debate educacional de nossos dias.

Em um passado de que não é preciso ter saudades, só jovens de uma pequena elite recebiam Educação formal. Não precisavam ir à escola, pois recebiam seus preceptores em casa sob rigorosa supervisão dos pais. Felizmente, esse tempo já passou, e hoje a escola como espaço público é uma conquista democrática que deve ser defendida por toda a sociedade. Nesse ponto, é preciso contar com pais, mães e responsáveis ao lado de educadores, no esforço de aperfeiçoamento da Educação escolar - e não nos omitirmos diante de tentativas de negar e substituir a instituição regular de ensino.

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