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Jornalismo

A conta que muda números no Ceará

Campanha para melhorar os resultados dos alunos nas provas de Matemática transforma a vida de comunidade escolar em Massapê

PorPriscila Ramalho

01/09/2001

Em time que está ganhando não se mexe, certo? Mas o que fazer quando a equipe de seu colégio, tal qual a seleção brasileira, amarga resultados bem abaixo do esperado? A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Wilebaldo Aguiar, de Massapê, a 320 quilômetros de Fortaleza, tem uma ótima resposta. Há dois anos, professores, coordenadores e direção foram sacudidos pelos resultados do Sistema Permanente de Avaliação do Estado do Ceará (Spaece). Apesar das boas notas em Língua Portuguesa, o desempenho em Matemática estava aquém do mínimo desejado. Em vez de culpar as crianças, que não aprenderam tanto quanto poderiam, todos assumiram a responsabilidade de investigar as causas do problema. "O exame apontou as nossas falhas", lembra a coordenadora pedagógica, Firmina Aguiar Silva. O que parecia um desastre virou ponto de partida para uma virada e tanto em outras palavras, o limão virou uma saborosa limonada.

De cara, a comunidade escolar concluiu que a imagem da disciplina era muito negativa, o que fazia diminuir o interesse pelas aulas. O caminho escolhido foi concentrar esforços para mudar a fama desse "bicho-papão". Nasceu assim o projeto Hasteando a Bandeira da Matemática, que se apoiava numa espécie de campanha de marketing para apresentar os conteúdos como úteis e prazerosos. Para isso, foram produzidos cartazes, jogos interativos e poesias, lembra a diretora, Fátima Maria Gomes de Castro. O início das atividades teve até festa, com uma apresentação de balé de patins preparada por um grupo de alunas ao som de uma música cuja letra brincava com charadas algébricas. Tudo para despertar a curiosidade e o interesse da garotada.

Interdisciplinar é melhor

No dia-a-dia, a Wilebaldo Aguiar passou a viver uma revolução. Todas as aulas passaram a ter, pelo menos uma vez por semana, uma parte dedicada à Matemática. E o que é melhor: com temas ligados ao conteúdo de cada disciplina, em atividades verdadeiramente interdisciplinares. A professora de Geografia Joelma de Oliveira Paula, por exemplo, descobriu que as escalas, nos mapas, são um ótimo exemplo de conversão de medidas. Em Ciências Naturais, Solange Maria Mendes começou a ensinar a turma a fazer e interpretar gráficos. Rapidamente, ela descobriu que os números têm tudo a ver com as estatísticas de saúde da região e, portanto, é muito fácil montar tabelas com as doenças que mais afetam as crianças de Massapê.

"A interdisciplinaridade ainda é uma coisa muito nova para mim", diz Solange, "mas já vi como ela é produtiva." Antes de se aventurar pela Matemática, ela e Joelma participaram de oficinas, oferecidas a toda a equipe para relembrar alguns conceitos básicos. "Valorizamos os colegas, oferecendo assessoria e apoio pedagógico", destaca Fátima, a diretora. "Por isso conseguimos tanto envolvimento."

Uma dessas iniciativas foi chamada de Autoformação Assistida encontros em que dois ou mais docentes trocam experiências de suas áreas de conhecimento. O trabalho, muito fácil de ser implantado em qualquer escola, traz ótimos resultados. No interior do Ceará, começou de forma espontânea, quando um professor decidiu usar o horário do recreio para dar dicas a uma colega novata. Hoje, é comum colegas encontrarem-se para discutir formas de unir conteúdos de diversas disciplinas. Irani Maranhão, por exemplo, aprendeu com o colega Paulo Roberto Lima, de Matemática, a utilizar números em suas aulas de História.

Ábacos caseiros

Como os resultados do Spaece mostraram que a deficiência estava nos conceitos básicos, Ana Lourdes Medeiros, responsável pela 4ª série, arregaçou as mangas e inventou uma roleta sobre as quatro operações fundamentais. A engenhoca é simples: dois pratos giratórios com algarismos desenhados. Define-se uma operação e gira-se a roleta. Os números que caem no marcador são as parcelas. Os alunos, divididos em grupo, têm de fazer a conta e dizer a resposta. "O uso de materiais concretos e lúdicos ajuda a compreender os conceitos e agilizar o cálculo mental", ensina.

Percebendo o interesse das crianças, a professora passou a incentivar a confecção de kits de aprendizagem, como o ábaco, ferramenta que permite visualizar o processo das operações e desenvolver o raciocínio lógico. "Eu sempre quis que cada estudante tivesse o seu para treinar em casa", conta Lourdes. "Mas isso nunca tinha sido possível, por se tratar de um material muito caro." Em poucos dias, a turma construiu dezenas de ábacos caseiros com os elementos mais inusitados. No lugar de arame, aro de bicicleta. Para as peças, botão, sabugo de milho, pastilhas, contas de madeira. "Desse jeito, a Matemática vira algo mais concreto", diz ela.

No final do ano passado, com um enorme acervo de materiais, Lourdes teve a idéia de reunir tudo num laboratório, que ganhou o nome de Point da Matemática. Inaugurada em fevereiro, a sala conta com mais de cinqüenta jogos e recursos pedagógicos (blocos lógicos, dominós, ábacos, sólidos geométricos, pega-varetas, dados, damas, baralhos e outros instrumentos que dinamizam, facilitam e instigam o aprendizado). Além de servir de apoio a todos os professores, o espaço fica aberto também a outras escolas, pais e demais interessados. Nesses momentos, os alunos viram monitores e passam a ensinar os visitantes. "Eles exercem muito bem esse papel, porque usam uma linguagem simples e acessível", elogia a criadora e coordenadora do laboratório. Sem falar que a garotada se sente mais valorizada ao trocar de lado e assumir o papel de mestre.

Adesão da comunidade 

A parceria com a comunidade é outra estratégia importante e bem-sucedida. O Conselho Escolar, formado por funcionários e pais, contribui com a direção de forma ativa, apoiando, sugerindo e questionando. O planejamento, o desenvolvimento e a avaliação das ações passaram a ser compartilhados. "Chamamos a família não só para falar do desempenho dos meninos em sala de aula e entregar as notas, mas para tratar de questões ligadas à vida de todos, como o combate às drogas e a importância da educação sexual", diz a coordenadora Firmina. O resultado é que, em média, 400 pais participam de cada reunião.

Além disso, o vínculo com os moradores da região vem se tornando cada vez mais estreito desde que os portões começaram a ser abertos, nos finais de semana, para a realização de torneios esportivos, encontros e festas. Ou seja, a escola está mostrando (com ações concretas) que não é uma instituição fechada.

Observar, registrar, analisar e decidir. É mais ou menos assim que funciona hoje a Wilebaldo Aguiar. "Depois da mudança desencadeada pelo Spaece, passamos a ver as estatísticas como aliadas", revela Firmina. Na prática, gráficos e tabelas foram incorporados ao dia-a-dia. Todo mês, a equipe pedagógica faz um levantamento dos indicadores de evasão e transferências, bem como do desempenho das turmas. Os números são transformados em gráficos e apresentados ao corpo docente, para conhecer a realidade e mudar o que não está dando certo. "Trabalhamos em cima das deficiências."

Com isso, as avaliações se tornaram um processo contínuo e sistemático, funcionando como um diagnóstico, um momento de reflexão, revisão e redimensionamento do processo pedagógico. "Não basta constatar o erro, é preciso determinar sua causa", explica Firmina. E a experiência mostra que ela nunca está somente no aluno. É preciso sempre procurar a parcela de responsabilidade que cabe ao professor, à metodologia, aos próprios conteúdos e transformar esse problema em solução. Ou, como dizíamos no início do texto, virar o jogo. "O importante é transformar as dificuldades em sucesso." Sucesso que a Wilebaldo Aguiar pode comemorar. A escola melhorou e, com ela, os resultados no Spaece. 

Raio X

Professores: 31

Alunos: 1281 (EF 861 - EM 420)

Coordenadoras: 3

Funcionários: 24

Taxa de evasão: 6%

Taxa de promoção: 98%

Salas de aula: 11

Turmas: 34

Períodos: manhã, tarde e noite

EF - Ensino Fundamental; EM - Ensino Médio

 



 

Quer saber mais? 

Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Wilebaldo Aguiar, R. Coronel Manuel Dias, 250, CEP 62140-000, Massapê, CE, tel. (0_ _88) 643-1388

 

 

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