Atletismo em três modalidades
Unindo brincadeiras, treino e criatividade, turmas de 3ª e 4ª séries saltam, correm, praticam arremesso e aprendem a trabalhar em equipe
06/03/2018
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Jornalismo
06/03/2018
Acostumados a jogar futebol e queimada nas aulas de Educação Física, os alunos de 3a e 4a séries da EM João Gabriel Santana, em São Sebastião, no litoral paulista, não se interessavam por outros esportes. Para mudar a situação, o professor José Carlos dos Santos fez uma proposta: "Que tal treinarmos atletismo?" Eles aprovaram a idéia, apesar de acharem que a modalidade era algo bem distante do dia-adia, tanto em casa como na escola, uma coisa que só viam nas competições transmitidas pela TV.
Primeiro, a turma aprendeu em aula que ações como correr, saltar, arremessar e lançar já faziam parte da vida do homem pré-histórico e foram fundamentais para a sobrevivência dele. Depois, numa conversa em grupo, os pequenos listaram brincadeiras bem conhecidas que utilizavam essas mesmas habilidades. Na amarelinha, por exemplo, é preciso saltar de casa em casa e no esconde-esconde a corrida é essencial para vencer."A conclusão foi que o atletismo já estava incorporado à rotina de todos", explica.
Estratégias como essa tornaram as aulas de Educação Física muito mais significativas."Em vez de atuar apenas como um instrutor, que lista as regras de um jogo e coloca a turma para praticar, o professor fez a turma pensar em diversos conteúdos desenvolvidos na disciplina", afirma Marcelo Barros da Silva, consultor responsável pela seleção do projeto de José Carlos entre os 50 melhores da nona edição do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. Acompanhe, nas próximas páginas, as três etapas do trabalho.
Aprender atletismo...
Brincadeiras de rua
Para aumentar o interesse pelas aulas, José Carlos incorporou a brincadeira à rotina. A cada dia, era uma diferente. Entre as mais pedidas estava mãe-da-rua. Nessa espécie de pegapega, um aluno, o pegador, fica no centro, enquanto os demais esperam num lado da quadra.O objetivo dele é agarrar quem passa de um lado ao outro. Para estimular a reflexão durante a atividade, José Carlos fazia perguntas como "qual o melhor meio
para alcançar os colegas com mais rapidez?" e "por onde é mais fácil fugir?". Assim, os participantes aprenderam a planejar seus movimentos - o pegador percebia que era melhor começar pelos mais lentos, e os fugitivos passaram a atuar em grupos de dois ou três para facilitar a escapada.
Aos poucos, surgiram dúvidas quanto às regras.As decisões sobre o que podia ou não foram trabalhadas em grupo - nada era feito sem discussão entre os participantes. "Brincando, as crianças podem aprender a pensar, comunicar-se, relacionar-se
e construir regras - habilidades que devem ser desenvolvidas em qualquer disciplina -, além de correr e se equilibrar, que são específicas da Educação Fìsica", explica João Batista Freire, docente aposentado da Universidade de Campinas.
Uma das maiores dificuldades de José Carlos foi convencer meninas e meninos a participar juntos da mesma atividade. "Muitas tinham medo", conta. Outro problema que
enfrentou foi a exclusão dos garotos menos habilidosos, que se sentiam menosprezados pelos colegas de sala. Para solucionar os dois impasses, ele promoveu uma nova discussão, em que apresentou a importância de cada membro de uma equipe para chegar à vitória. "Todo mundo joga de um jeito diferente e não é legal se só os melhores participam", conclui Nayara de Souza Silva, 10 anos, da 4a série. Quando a cooperação e o esforço de todos são valorizados, os resultados tendem a melhorar. No decorrer das aulas, mudanças foram comprovadas - as garotas perderam a timidez e os meninos menos habilidosos passaram a se sentir em pé de igualdade com os demais.
Atletismo na prática
Terminada essa etapa, as turmas entraram de cabeça nas modalidades oficiais, como salto em distância,marcha atlética e arremesso de dardo.Como a escola tem poucos recursos, em alguns casos foi preciso improvisar (leia o quadro na página 52). Na hora da disputa do arremesso, José Carlos separou a garotada em equipes e marcou a área na areia com uma linha. Paralelas a essa, ele desenhou outras cinco - o espaço entre cada par delas determinava a pontuação. Quem acertasse no primeiro, ganhava dez pontos, no segundo, 20, e assim por diante.
Cada grupo ficou responsável por organizar a seqüência dos participantes e registrar a pontuação, que no fim foi comparada à das outras equipes.Tudo com a supervisão do professor, que dava a orientação sobre a segurança e estimulava a cooperação entre a garotada.Como todos necessariamente pontuavam, os menos habilidosos sentiam que também contribuíam para o sucesso da equipe.
A dificuldade foi aumentando ao longo da atividade e cada um tinha como objetivo atingir uma marca superior à sua própria e de contribuir para incrementar o resultado final.Assim, além de desenvolver as habilidades características do atletismo, a garotada aprendeu a praticá- lo em conjunto. "Os estudantes ficaram mais preparados para
iniciar o treino em esportes individuais e coletivos, como o futebol e o vôlei", explica José Carlos.
Hora de inventar
A fase seguinte começou em sala de aula. Em grupo, as crianças criaram brincadeiras com base no que tinham estudado."No início, elas não gostaram da idéia. Todo mundo quer Educação Física na quadra", lembra José Carlos.Mas foi só a atividade engrenar que a empolgação foi geral: após dar o nome e relacionar as regras e as características dos
jogos, tudo foi registrado no papel, com direito até a ilustração.
Na hora da prática, as equipes trocaram as propostas com os colegas. "Foi legal inventar o jogo porque a aula ficou diferente", opina Jefferson Ferreira de Souza, 10 anos, da 4a série. Um dos
preferidos dele foi o pula- rio, em que os participantes têm de saltar sobre um rio imaginário, que pode ser desenhado no chão da quadra ou na areia. A distância entre as "margens" vai aumentando, assim como a dificuldade do pulo.
No fim do bimestre, toda a produção foi reunida num livro, que ficou guardado para ser utilizado pelas turmas seguintes."O registro consolida o que foi produzido e possibilita a troca de conhecimentos entre os educadores", aponta Marcelo Barros.
A praia virou área de treino
É possível propor um trabalho com atletismo mesmo em escolas sem uma grande infra-estrutura. Na EM João Gabriel Santana, José Carlos não contava com materiais e local adequados para as atividades. Por isso, fez adaptações criativas.
Mesmo sem uma pista, a marcha foi um sucesso. A turma treinou na vizinhança da escola, numa área cheia de florestas e condomínios fechados. Quem morava por ali funcionou como um guia da expedição. As atividades de arremesso aconteceram na bela praia de Toque Toque Pequeno, em frente à escola. Os dardos foram trocados por bambus recolhidos nas redondezas, e o martelo, por um barangandão, um objeto feito de barbante, jornal e papel crepom. "Ao utilizar locais e materiais adaptados, o professor resolve o problema e contribui para a integração das crianças ao ambiente em que vivem", aponta Marcelo Barros da Silva.
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CONTATO
EM João Gabriel Santana, Al. José Menino, 428, 11600-000, São Sebastião, SP, tel. (12) 3864-9342
BIBLIOGRAFIA
Educação de Corpo Inteiro: Teoria e Prática da Educação Física, João Batista Freire, 224 págs., Ed. Scipione, tel. 0800- 161-700, 41,50 reais
Pedagogia dos Esportes, Vilma Leni Nista Piccolo (org.),128 págs., Ed. Papirus, tel. (19) 3272 4500, 26 reais
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