Muito além do passinho
O uso artístico do corpo é bem mais do que repetir coreografas
PorBeatriz SantomauroBianca OliveiraVictor Malta
08/04/2016
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Jornalismo
PorBeatriz SantomauroBianca OliveiraVictor Malta
08/04/2016
D iante de uma orquestra, o mais simples movimento das mãos do regente é a senha para acionar instrumentos e produzir sons. Desafio semelhante experimenta um bailarino ao expressar para a plateia a intencionalidade de sua dança ou um pintor, que ao representar gestos espera emocionar a quem vê seus quadros.
Esse uso artístico do corpo pode surpreender a turma. Afinal, as crianças costumam estar mais impactadas pelas coreografias padronizadas de ritmos como axé, sertanejo e funk. A escola deve acolher essas manifestações da cultura popular, mas não pode parar nelas. Na música, na dança, no teatro e nas artes plásticas, as mensagens corporais - gestos, posturas e sorrisos - se combinam para expressar uma infinidade de intenções e emoções. Fernanda Rivitti, dançaterapeuta da capital paulista, considera as aulas escolares de Arte uma situação privilegiada para as mil e uma formas de exploração do corpo. "Podemos trabalhar para que as crianças ampliem as possibilidades de movimentos delas e experimentem diversas linguagens artísticas", afirma.
Embora a prática de construção de uma coreografia-padrão ainda seja muito comum nas escolas, já faz cerca de um século que o pesquisador Rudolf Laban (1879-1958) destacou que a expressão corporal é um elemento de comunicação que varia de pessoa para pessoa. Ele jogou luz na intencionalidade de movimentos levando em conta força, tempo, espaço e fluência. Assim, segundo sua teoria, o corpo se move com uma força peculiar em certo instante, ocupa determinado lugar no ambiente e é regulado por uma fluência específica. É uma expressão de identidade individual. "A exploração disso na escola permite que os alunos se identifiquem na relação com o espaço e com o outro", argumenta Cassiano Sydow Quilici, professor do curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O gesto como mensagem
Parece complicado? Um exemplo prático vai ajudar. Michelle Mogami, professora de Arte das turmas de 1º ao 5º ano na EMEF Conde Luiz Eduardo Matarazzo, na capital paulista, procura aplicar as ideias de Laban para fugir de propostas que incentivem a imitação de passos prontos. "É natural que, inicialmente, os alunos queiram copiar uma dança da internet ou da comunidade em que vivem. Mas quando o educador propõe que eles experimentem outras possibilidades de expressão, vê que cada criança descobre seu corpo", conta.
A riqueza do trabalho de Michelle se materializa na criação de sequências didáticas específicas sobre expressão corporal (confira nas fotos algumas das atividades realizadas por ela com as classes de 2º e 4º anos). As propostas variam conforme o desenvolvimento e as experiências de cada turma. A educadora nota que geralmente os alunos dos anos iniciais têm menos domínio sobre o corpo. Nesse caso, atividades mais simples, voltadas para a compreensão do papel dele para comunicar uma mensagem, são bem-vindas.
Maria Fernanda Batalha, do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, indica uma proposta inicial: a mímica. "Com os menores, o foco pode ser a imitação de movimentos de animais, e com os maiores podem ser situações mais complexas, como a expressão de pessoas de diferentes idades."
No 3º ano, as crianças costumam se mostrar tímidas e envergonhadas, e o estímulo do educador deve considerar essa particularidade da idade. Não é raro que algumas delas prefiram ficar assistindo às demais de longe, quieitinhas, observando, e participem de só determinadas atividades. Você deve respeitar o tempo de cada aluno, mas precisa ter como meta levar todos eles a tomar coragem e a dançar. "Muitas vezes, os estudantes têm medo de não conseguir reproduzir um movimento específico. Procuro mostrar que cada corpo tem um limite e uma habilidade diferentes - força e alongamento, por exemplo, variam de pessoa para pessoa. O resultado do movimento não vai ser igual e não há nada de errado com isso", explica Michelle.
Cada corpo, um movimento
Já no 4º e no 5º ano o desafio é outro: interagir com os movimentos do colega. Nas propostas em que um se move depois do outro, complementando o que o primeiro fez, a tarefa é conseguir se planejar rapidamente e agir conforme o gesto inicial com harmonia. É esse o mote da brincadeira do espelho. Em pares, as crianças simulam o deslocamento do colega como se estivessem diante de um reflexo. Nesse caso, a intenção é perceber as diferenças e dificuldades em reproduzir igualmente um movimento feito por um outro corpo. Perguntas do tipo "O que você pode fazer para ficar ainda mais parecido com o seu colega?" ou observações como "O ombro dele não parece tão dobrado, note bem como você está fazendo" são úteis para a reflexão.
O impacto do trabalho com expressão corporal na escola ultrapassa as aulas de Arte. Silvana Miriam Pereira de Oliveira, professora do 2º ano na mesma instituição de ensino de Michelle, nota que as turmas em que leciona passaram a demonstrar uma maior preocupação com os movimentos depois que começaram a se debruçar sobre essa questão. "Os colegas estão interagindo melhor entre si e se comunicam de maneira mais clara", relata a docente da classe. E Michelle completa, orgulhosa: "Quando estimulada, a criança nota as qualidades de seu gesto, entende que a ação tem estética e intenção, e não precisa estar dentro de um padrão. Isso interfere na sua autoestima, no potencial acadêmico e na atuação participativa. Quando o movimento se expande, o pensamento se expande também."
Fotos: Marcos Rosa
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