Extra! Formiga dança e cigarra não canta mais
Ao produzir notícias, a garotada conseguiu aprimorar a escrita
PorElisa MeirellesAriane AlvesJacqueline Hamine
03/08/2015
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Jornalismo
PorElisa MeirellesAriane AlvesJacqueline Hamine
03/08/2015
A trágica morte de uma cigarra foi revelada em detalhes pelos alunos do 6º ano da EMEB Suzana Albino França, em Lages, a 225 quilômetros de Florianópolis. Inspirados por reportagens que leram e discutiram nas aulas do professor Carlos Eduardo Canani, eles aceitaram o desafio e elaboraram um jornal com base em fábulas que conheciam. Ao analisar os textos finais (como o que você lê abaixo), fica claro que a moçada se apropriou das características do gênero e usou a criatividade para produzir notícias para jornalista nenhum botar defeito.
A ideia do projeto surgiu depois de diagnósticos que Carlos realizou com a turma ao longo de um bimestre. As produções dos alunos eram bastante primárias e se restringiam ao campo da imaginação. "Eles também desconheciam autores importantes, como Monteiro Lobato, e não apresentavam um repertório relevante de leitura, limitando-se, muitas vezes, às obras pedidas pela escola", conta. O hábito de ler jornais ou assistir a noticiários tampouco fazia parte da rotina.
"A criança tem de conhecer as características de cada gênero para saber o que cabe ou não a ele."
MANUELA PRADO, professora do Colégio Santa Cruz, em São Paulo
Carlos, então, elaborou um projeto para aprimorar a interpretação de texto, apresentar novos gêneros à garotada e ensinar as etapas de planejamento, produção e revisão textual. A proposta consistia em escrever notícias retrabalhando o conteúdo de fábulas. "Relacionar diferentes tipos de texto é uma boa estratégia para que os alunos passem a diversificar a estrutura de suas produções", explica Manuela Prado, professora do Colégio Santa Cruz, em São Paulo.
Versões incrementam a compreensão
O professor optou por começar pela fábula após identificar ser esse o gênero mais conhecido pelos estudantes. Ele pediu uma pesquisa na biblioteca e a leitura de alguns exemplos em casa, que foram discutidos depois em classe. Carlos fez perguntas como: "Quem são os personagens? O que há de comum em todas essas fábulas?". "São todos animais, têm sentimentos humanos, são histórias curtinhas que têm uma moral", responderam.
Na aula seguinte, o professor apresentou a fábula A Cigarra e a Formiga e duas adaptações do texto feitas por Monteiro Lobato: A Cigarra e a Formiga Boa e A Cigarra e a Formiga Má. A intenção de Carlos era ampliar o repertório dos alunos e, ao mesmo tempo, levá-los a pensar sobre a reescrita de uma história.
Curto e direto: entendendo o jornal
A discussão foi o gancho para começar a segunda etapa do projeto. "Assim como Monteiro Lobato fez uma releitura da história original, nós também faremos algo parecido, só que vamos usar outro gênero textual: a notícia", explicou o educador. Em seguida, pediu que as crianças sentassem em roda e distribuiu vários jornais, propondo que identificassem as partes que os compõem: cadernos, notícias, charges etc.
Feita a primeira análise, Carlos convidou a sala a observar as manchetes e destacou fatores que as caracterizam, como o uso de títulos nominais, a composição curta e a busca pela atenção do leitor. A turma criou manchetes com base em notícias lidas. Em seguida, o educador passou à discussão sobre a escrita, mostrando as duas características principais da notícia: o lead e a pirâmide invertida. Partindo de exemplos reais, explicou que o primeiro parágrafo da narrativa jornalística busca responder "quem", "o que", "quando", "onde", "como" e "por quê", e que o texto parte dos fatos mais importantes para chegar aos de menor relevância.
Moral da história: leia o lead
Conhecidos os dois gêneros, os alunos seguiram para o grande desafio: transformar uma fábula em notícia. Para começar, o professor propôs a escrita coletiva de um primeiro texto. Ele foi ao quadro e produziu uma notícia com a participação de todos, baseando-se na famosa história da cigarra e da formiga. Carlos desenhou uma pirâmide e pediu a contribuição dos alunos para encadear os fatos do mais para o menos importante. "O que aconteceu? Onde aconteceu?". "Era preciso imaginar o contexto de um crime, dando dramaticidade ao fato e contando-o como se fosse real", explica o docente. "Ver o professor em ação, pensando, criando, decidindo quais informações vale a pena incluir no texto é uma referência importante para a turma", diz Cláudio Bazzoni, assessor da rede municipal de São Paulo.
As crianças, então, foram colocadas em duplas para dar início às próprias produções. A sala elegeu como tema a fábula A Cigarra e a Formiga Má. Carlos propôs que escrevessem uma primeira versão da notícia, inspirados nas discussões que tiveram nas etapas anteriores. Em seguida, o educador distribuiu um roteiro de revisão (veja as questões acima). A proposta era que os alunos fizessem essa primeira análise sozinhos, atentando para pontos que tinham deixado passar e conferindo se haviam dado conta das especificidades pedidas. Para o educador, essa revisão foi o ponto-chave do projeto e deu condições para que as crianças refletissem sobre o processo de escrita.
Terminadas as discussões, as duplas escreveram novas versões para o texto. "Nessa fase de produção e revisão, procurei atender todos em suas carteiras para sanar as dúvidas e auxiliá-los", diz Carlos. "Eu tinha um aluno que escrevia quatro ou cinco linhas e parava - não conseguia desenvolver o texto além disso. Ao final, com a ajuda do colega de dupla, ele pôde elaborar todas as partes e apresentou uma notícia bem estruturada."
"A notícia carrega uma ideologia. A criança precisa saber que aquilo significa um ponto de vista."
CLÁUDIO BAZZONI, assessor da rede municipal de São Paulo
Escritos os textos, o educador propôs que preparassem manchetes e ilustrações. O resultado foi uma coletânea de minijornais. Além de esclarecer o propósito comunicativo da notícia, a situação pode ser aproveitada como meio para os alunos escreverem para suportes reais, a exemplo do jornal da escola ou do bairro.
"Eles passaram a valorizar o planejamento e a revisão do que produzem", avalia Carlos, que acertou ao incluir textos curtos e de fácil compreensão em sua proposta de abordagem de dois gêneros. "As crianças puderam não só identificar suas características como fazer inferências e relacioná-las com outras produções", afirma Manuela.
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