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Jornalismo

Mais Ciências do que feira

Criar um local de pesquisa e investigação exige o envolvimento dos alunos nas várias etapas de construção do saber

PorKarina Padial

14/08/2015

FOCO ÚNICO No Colégio Magnum, em Belo Horizonte, todos os alunos se baseiam em uma mesma pergunta. Foto: Divulgação

Esqueça os cartazes e as maquetes. A preparação para a feira de Ciências não começa quando a garotada pinta as primeiras letras na cartolina, e sim quando, juntos, professor e alunos transformam uma dúvida em uma situação-problema a desvendar. A partir daí, a turma traça o caminho do método científico e passa por identificação do problema, formulação de hipótese, experimentação, análise dos resultados e conclusão. 

Os temas explorados podem ser simples, desde que façam sentido para os alunos e mobilizem os saberes prévios fazendo-os avançar em relação a suas concepções. Portanto, é possível até mesmo realizar a mostra com a pré-escola. "O trabalho científico deve acontecer desde a Educação Infantil, estimulando as crianças nas curiosidades que elas têm e dando os recursos para que elas organizem seu senso de descoberta", afirma Maria del Carmen Chude, diretora pedagógica do Instituto Ciência Hoje, em São Paulo.

No Colégio Magnum, em Belo Horizonte, a feira inclui as classes do 1º ao 5º ano. Todos os estudantes partem de uma pergunta, como "Existe arco-íris à noite?" e "Todo sólido se dissolve em água?". Essa mesma questão é apresentada aos pais no dia da mostra. "Até lá, as crianças já passaram por todas as etapas e conseguem explicar como chegaram a uma determinada conclusão", afirma Joísa Abreu, gestora educacional da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. No ano passado, por exemplo, a pesquisa gerou jogos sobre vacinas e soros em que os pais eram desafiados a relacionar antígenos e anticorpos. As respostas certas e erradas eram justificadas pelos alunos.

Organização cuidadosa

 

PREPARAÇÃO A EMEF França Pinto, em Rio Grande, começa a planejar o evento já no início do ano. Foto: Divulgação

Para dar certo, a mostra precisa ser bem planejada. Na EMEF França Pinto, em Rio Grande, a 338 quilômetros de Porto Alegre, já em março, na primeira reunião do ano, a coordenadora pedagógica, Biolange Costenaro, pediu para os professores pensarem em assuntos cujas consequentes investigações pudessem trazer melhoria para a comunidade do entorno. É assim desde 2013 quando a instituição retomou uma ideia antiga de realizar anualmente a feira de Ciências. "A definição dos trabalhos que serão executados por cada turma é feita em conjunto com a coordenação e, depois disso, passamos a acompanhar o desenvolvimento nas reuniões pedagógicas, que são de dois tipos: uma semanal, por disciplina, e outra mensal, com todos os professores. Nesse encontro, identificamos de que forma outros conteúdos podem se relacionar com um experimento científico", afirma. 

A participação da equipe gestora em todo o processo é primordial. Segundo Cristian Annunciato, coordenador da Abramundo, em São Paulo, é preciso que ela lidere a preparação da mostra. "A feira não deve ser uma iniciativa de um grupo de professores mais animados e a melhor forma de os gestores evidenciarem que esse é um projeto da escola é dando condições para sua realização. Ou seja, é necessário pensar no dia mais adequado, na participação que se espera da família e em como o ambiente vai ser preparado para ajudar a comunicar o trabalho", diz. 

No Colégio Magnum, a experiência acumulada de anos de mostras permitiu que se chegasse a um modelo de sucesso, que inclui, entre outras coisas, que os alunos façam uma apresentação para a equipe gestora, visitem as exposições dos colegas um dia antes da abertura para as famílias e se dividam em diversos turnos. O resultado: não só os pais, mas toda a escola, acompanham o conhecimento científico que está sendo produzido. Confira um projeto institucional com os passos para realizar uma feira que faça a diferença no aprendizado.

Projeto Institucional: Feira de ciências

Objetivo geral 

Despertar o gosto pela ciência e pela pesquisa. 
 
Objetivos específicos 

Para a direção

Incentivar a realização da mostra e proporcionar as condições necessárias para que ela aconteça.
Assegurar o espaço de divulgação do conhecimento que está sendo construído na escola.

Para coordenação pedagógica

Planejar, junto com os professores, os trabalhos que serão realizados e dar sentido ao que vai ser proposto.
Acompanhar o desenvolvimento dos projetos e contribuir na análise dos processos de ensino e aprendizagem.
Garantir, por meio dos professores, que todos os estudantes terão a oportunidade de participar das atividades.

Para os professores

Compartilhar o tema com os estudantes, definir as etapas de acordo com o método científico e orientar a pesquisa, evidenciando como o conhecimento explica os problemas do dia a dia.
Planejar sistematizações para cada etapa para analisar os avanços e desafios.
Propiciar aos alunos momentos em que possam socializar o que estão aprendendo com os demais grupos.

Para os alunos

Encontrar soluções para a pergunta colocada pelo projeto, pesquisar em diferentes fontes, tomar decisões em grupos e pensar em como socializar o que foi aprendido.
Considerar o público para definir a melhor maneira de comunicar as descobertas realizadas.

Tempo estimado 
Anualmente, durante no mínimo quatro meses.

Desenvolvimento 
1ª etapa Planejamento 
Na primeira reunião do ano, junto com a coordenação pedagógica, apresente aos professores a ideia de realizar uma feira de Ciências. Caso a escola já tenha essa prática instituída, aproveite para contar sobre a proposta para os docentes recém-chegados e pedir que os demais destaquem os avanços e os desafios em relação ao evento do ano anterior. Depois disso, levante sugestões de tema. Os trabalhos podem estar todos relacionados a um único assunto ou ter independência. Qualquer que seja a opção, no entanto, lembre a equipe que os projetos devem estar diretamente relacionados ao conteúdo previsto nas disciplinas da área de Ciências. No encontro seguinte, discuta as propostas e, se for o caso, proponha uma votação para definir quais serão selecionadas. Combine, também, qual será o público convidado (funcionários, familiares e a comunidade externa, incluindo turmas de outras escolas, podem estar incluídos aí) e garanta que desde esse início todas as etapas sejam registradas.

2ª etapa Adequação para cada classe 
Combine com o coordenador pedagógico para que ele oriente os professores a levar os temas escolhidos para a sala de aula, em um contexto que tenha ligação com a proposta das disciplinas para o ano. Os docentes devem estimular os alunos a levantar dúvidas e aspectos que gostariam de saber sobre o assunto. As questões costumam ser o ponto inicial de um projeto de Ciências e, por surgirem de situações do dia a dia e da curiosidade da turma, provocam mais interesse e participação. Com base nas indagações feitas, o professor pode pensar em uma situação-problema que exija que os estudantes mobilizem seus conhecimentos e aprendam conteúdos que os levem até a resposta. As perguntas, claro, devem estar adequadas ao segmento - enquanto na pré-escola, por exemplo, se investigará a diversidade de bichos que habitam o jardim, as classes dos anos finais do Ensino Fundamental podem estudar o que acontece quando uma espécie animal migra do lugar de origem para outro. 

3ª etapa Acompanhamento e orientação 
Garanta que o coordenador pedagógico continue tratando do tema nas reuniões de formação com os professores. Avalie a possibilidade de outras disciplinas se articularem às iniciativas de Ciências. A participação dos docentes de todas as áreas não é obrigatória, pelo contrário, eles só devem se envolver quando o conteúdo fizer sentido no planejamento deles. É o caso, por exemplo, de uma turma que precisa organizar em uma tabela os dados coletados durante um estudo de meio e recorre ao professor de Matemática que tinha previsto trabalhar isso ao longo do ano. O coordenador também deve realizar, junto com os docentes, o planejamento da pesquisa, ajudando a escolher os instrumentos que vão ser utilizados, indicando fontes de consulta e sugerindo convidar especialistas ou membros da comunidade que possam contribuir com informações interessantes. 

4ª etapa Desenvolvimento 
Junto com o coordenador e com os professores, organize a rotina das turmas a fim de que elas tenham momentos dedicados exclusivamente à realização dos projetos. Uma opção é reservar, durante cerca de quatro meses, uma aula de Ciências por semana. Esse é o tempo ideal para que os alunos aprendam e coloquem em prática todas as etapas do método científico. Esse período também serve para que eles registrem o passo a passo, o que pode ser feito por meio de um diário de bordo, que traga, entre outras, informações sobre de onde partiram, quais dúvidas tinham e quais problemas encontraram no meio do caminho. Sempre que possível, a elaboração do trabalho deve incluir estudos de meio e visitas a museus e institutos. Oriente os professores para discutir como os estudantes vão comunicar o que aprenderam para o público definido anteriormente - a apresentação deve ser complementada com cartazes, maquetes e experimentos. Improvisos estão descartados, portanto, sugira que os grupos façam ensaios para assegurar uma boa comunicação dos conhecimentos adquiridos no decorrer dos estudos. Essas apresentações prévias podem ser realizadas para a classe, assim os colegas têm a oportunidade de se colocar no lugar dos ouvintes. Você também pode assistir e fazer as sugestões que considerar necessárias. 

5ª etapa Preparação da feira 
O sucesso do evento depende de uma boa organização, assegurada por informações claras e acessíveis. Comece montando, com a ajuda de todos os envolvidos, uma tabela com o tema de cada trabalho, um resumo do que será mostrado, as turmas que vão desenvolver cada atividade e os professores responsáveis. Conforme o processo avançar, adicione outras colunas. Uma delas pode ter os materiais necessários. Com base nesses dados, avalie a possibilidade de usar os recursos já disponíveis, programe a eventual compra de algum item ou a substituição por uma alternativa mais viável. Após discutir com os docentes onde a exposição seria melhor realizada, complete outra coluna com os espaços em que cada apresentação acontecerá. Se for o caso, todos os ambientes podem ficar disponíveis, das salas de aulas à quadra, passando pelo laboratório e pela biblioteca. Leve em conta o tamanho e a iluminação dos locais e as necessidades de cada projeto. Também vale identificar aquelas pesquisas que se relacionam para ficar próximas umas das outras. Envolva os funcionários na preparação e faça uma escala para a montagem e para o dia da mostra. 

6ª etapa Divulgação 
Para o processo científico ganhar sentido, ele precisa de interlocutores reais. Resgate, portanto, o combinado sobre o público-alvo da feira. Informe a data com antecedência e, se possível, realize o evento em um sábado ou num horário interessante para as pessoas que se almeja atingir. Com a ajuda dos professores, proponha aos alunos que criem o formato e o texto para o convite que será enviado a todos e exposto nos murais da instituição. Eles também podem ser os responsáveis por produzir os guias de apresentação, com o resumo e o mapa de localização dos trabalhos. 

Avaliação 
Providencie a documentação dos preparativos e de tudo o que acontecer no dia do evento, organizando os registros feitos. Tire fotos, colha depoimentos e anote o que observar. Essas informações colaborarão para a reflexão sobre a iniciativa e também servem para divulgar a atividade para os que não puderem comparecer na data. O principal indicador de sucesso deste projeto institucional é a transformação da escola em um espaço de construção de conhecimento e investigação. Para descobrir se isso de fato aconteceu, é preciso retomar o caminho percorrido pelos alunos e também pelos professores. Junto com o coordenador pedagógico, analise, entre outras coisas, se as turmas tiveram acesso a boas fontes de pesquisa, como se apropriaram do conteúdo teórico, de que forma o método científico foi trabalhado com a garotada e como ele ficou evidenciado nas apresentações. Posteriormente, discuta o resultado com os professores. Para complementar a avaliação, vale organizar um pequeno questionário para os visitantes, a ser preenchido na saída da feira. Na ficha, eles contam suas impressões e fazem críticas e elogios. Os estudantes também podem responder algumas questões e opinar sobre o tema e o processo de aprendizagem.

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