Compartilhe:

Jornalismo

Sobre saberes, sabores e valores

Ou por que só é possível construir e promover cultura quando, dentro da sala de aula, harmonizam-se certos ingredientes essenciais

PorLuis Carlos de Menezes

01/10/2009

Foto: Marcos Rosa
"Mais do que selecionar assuntos, é preciso motivar quem vai aprender, sem o que a Educação se frustra porque não se dá o aprendizado." Foto: Marcos Rosa

Do muito que se tem falado e escrito sobre os problemas da Educação em nosso país, boa parte é sobre dificuldades de professores com alunos que não aprendem o esperado. Outro dia mesmo respondi a uma longa mensagem de uma leitora sobre a dificuldade de ensinar jovens desmotivados em um contexto cultural precário. Ninguém duvida que ensinar é o principal papel da escola e, se você acompanha esta coluna, sabe que não acredito que ensinar seja apenas "transferir" uma lista de conteúdos.

Ensinar é garantir que os conhecimentos façam um sentido amplo para todos os estudantes, em sua vida para além da sala de aula, ou seja, para que possam, efetivamente, construir e promover cultura. No meu dia a dia como docente, consultor e formador de professores, tenho visto muitos bons exemplos de quem faz isso regularmente, em diferentes segmentos, regiões e condições de trabalho - gente que não vê o conhecimento como um objetivo isolado, mas o leva impregnado de vida para a sala de aula. Conto como fazem isso, como inspiração para todos.

Ao vê-los em ação, seja na periferia das grandes cidades, seja no interiorzão deste país, percebo que todos (e mais frequentemente todas...) têm em comum a habilidade de conciliar três ingredientes essenciais: saberes, sabores e valores. Os saberes são os conteúdos em si, não importam a série e a disciplina. Os sabores são as formas de despertar o gosto pelo conhecimento, envolvendo os alunos em atividades significativas. Os valores, produto desse processo, são a própria cultura que se constrói em cada turma. O termo ingrediente lembra mais preparo de alimentos do que de aulas, mas é uma boa metáfora para comparar motivação com apetite e conteúdos escolares com os de nutrição, pois cozinhar, mais do que apenas reunir nutrientes, é dar atenção ao sabor, preparar aulas, mais do que selecionar assuntos, é motivar quem vai aprender, sem o que a Educação se frustra porque não se dá o aprendizado.

Ao se harmonizarem esses componentes, fazemos com que os temas definidos no currículo, nos livros didáticos ou nas apostilas passem a envolver e desenvolver as dimensões socioafetivas, lúdicas, éticas e estéticas, já que saberes, sabores e valores fazem parte de toda e qualquer cultura, seja ela musical, desportiva ou científica. Sambas, por exemplo, não são só suas notas, nem os esportes só suas regras, nem as ciências só suas leis - o samba tem emoção, o futebol é também estético, e a investigação científica, lúdica. Professor que sabe disso integra esses ingredientes e mescla esses adjetivos, nos sabores dos saberes que levam aos alunos, como geografia com aventura, matemática com desafio, ciência com descoberta, história com emoção, desenho com humor, ou literatura com invenção, assim como tenta trocar esses sabores, que também pode dar certo.

Avaliar processos de produção e reciclagem de materiais, pesquisar dados sociais da região, planejar roteiros de viagens, investigar causas de guerras, desenhar tiras de humor, relatar atitudes admiráveis e calcular desperdícios são poucos exemplos de práticas que tenho presenciado, em que se desenvolvem capacidades de comunicação, de investigação, de trabalho em grupo, de respeito ao ambiente e de participação solidária no aprendizado coletivo. São competências e valores humanos tão essenciais para a vida quanto os conhecimentos que naturalmente pautam as disciplinas.

As variações são muitas, mas em qualquer caso essa atitude sistemática na preparação do ensino é decisiva para separar a indiferença do apreço pela cultura e a apatia da participação para que o prazer pelo conhecimento substitua a passividade e para que haja um bom convívio em vez da mera presença formal em classe. Nas escolas que compreendem isso, a formação cultural dos alunos tem tudo a ver com a Educação que recebem.

Luis Carlos de Menezes

É físico e educador da Universidade de São Paulo (USP).

Veja mais sobre

Últimas notícias