É virtual e é real
Para que os equipamentos colaborem na aprendizagem, é preciso vencer barreiras de infraestrutura e falta de conhecimento, preparar a equipe e organizar a escola
26/08/2015
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Jornalismo
26/08/2015
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S e você não fosse interessado em tecnologia, provavelmente nem estaria lendo esta revista, que é publicada apenas em versão digital. Das escolas públicas de áreas urbanas do Brasil, 99% têm computador, de acordo com a Pesquisa TIC Educação 2013 divulgada em julho deste ano com resultados colhidos em quase mil instituições de ensino do país. Os números impressionantes refletem um movimento mundial. "Há avanços muito grandes em relação à utilização das tecnologias nas escolas, porém seu uso e benefício ainda são vistos apenas como de grande potencial e não como sendo uma realidade atual", afirma o espanhol Cesar Coll, no livro Psicologia da Educação Virtual: Aprender e Ensinar com as Tecnologias da Informação e da Comunicação (366 págs., Ed. Penso, tel. 0800-703-3444, 80 reais). Segundo ele, vale o esforço para mudar esse quadro: "Um argumento fundamental para continuar mantendo um nível elevado de expectativas sobre o potencial educacional das TIC, apesar dos limitados efeitos documentados até agora, é, em nosso critério, o fato de considerá-las ferramentas para pensar, sentir e agir sozinhos e com outros".
Seja numa escola que está iniciando a caminhada no mundo digital, seja em uma que já superou os principais degraus e alcança resultados positivos para a aprendizagem, é necessário estar sempre de olho em dois aspectos: a formação dos profissionais que utilizam os equipamentos e a organização da instituição. Só com essa soma é que realmente os aparatos modernos podem causar impacto na aprendizagem. Coll ressalta que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) "mostram-se como um elemento que reforça as práticas educacionais existentes, o que equivale a dizer que reforçam e promovem a inovação apenas quando estão inseridas em uma dinâmica de inovação e mudança educacional".
Valdenice Minatel Melo de Cerqueira, coordenadora de Tecnologia Educacional do Colégio Dante Alighieri, na capital paulista, considera inovadora e essencial a participação democrática de docentes e alunos para a tomada de decisões. Quando o assunto é tecnologia, então, a complementaridade de conhecimentos torna-se ainda mais essencial. Rafael Parente, assessor de projetos nessa área e membro brasileiro da Global Education Leaders Program (Gelp), também ressalta a importância de uma mudança cultural e de modelos mentais na escola. "É essencial que as pessoas vistam-se com papéis diferentes. Os alunos podem ser mais protagonistas, e o professor pode ser inovador na forma de ensinar e criar coisas novas, já que há variadas maneiras de aprender", diz.
Laura Neves, diretora da EE João Gomieri Sobrinho, em Palmares Paulista, a 419 quilômetros de São Paulo, está procurando se adequar aos novos tempos. Ela convive com três situações: educadores que já utilizam a tecnologia, outros que dominam as ferramentas mas não encontram tempo de colocar os recursos em prática e um terceiro grupo que aos poucos vence a própria resistência e aprende com colegas e nas formações a incluir os equipamentos no cotidiano. "O número de docentes que prepara as aulas usando o computador e que adota estratégias variadas aumenta ano a ano. Os alunos percebem essa nova postura e nas avaliações que fazemos continuam pedindo: querem aulas interativas e variedade de ferramentas. Então, procuramos nos aproximar disso, sem perder o foco na aprendizagem", conta Laura.
A escola tem uma sala de informática equipada com 23 computadores (obtidos pelo programa Acessa Escola, da rede estadual), equipamentos na sala dos professores, dois notebooks que podem ser usados em qualquer ambiente e outros dois montados em um carrinho com caixas de som e projetores instalados. "Embora a ideia de montar o carrinho seja simples, baseada na experiência de outra instituição, impulsionou muito o uso das máquinas. Agora, os educadores as encontram conectadas e ligadas, nos diferentes andares em que temos salas de aula. Basta colocar na tomada e começar a usar. Antes não: muitas vezes, eles precisavam procurar extensão para o fio, transportar, conectar o projetor e testar as caixas de som. E o tempo de aula já terminava!", diz Laura. Os agentes de organização (como são chamados os inspetores) também colaboram com o vaivém dos carrinhos ou com a parte técnica, se algum docente solicita. Outra providência foi instalar cortinas escuras nas classes para melhorar a visualização das imagens projetadas, conforme conta Laércio Prado, coordenador pedagógico do Ensino Fundamental. Ter esses equipamentos móveis garante a agilidade, mas o uso da sala de informática tem papel essencial na escola, já que nem todas as áreas têm conexão com a internet.
Os professores reservam períodos do laboratório para realizar atividades e aplicar provas, algumas delas respondidas online. Os alunos também podem utilizar o espaço fora do turno de aula. Nos horários de trabalho coletivo (HTPC), os coordenadores pedagógicos realizam a formação da equipe para que esse processo continue funcionando bem. "A cada 15 dias, em média, incluímos na pauta dos encontros temas ligados à tecnologia e pensamos juntos sobre como integrar os recursos ao ensino. Já falamos sobre PowerPoint e Movie Maker, uso de blogs e construção compartilhada de conteúdos em planilhas e textos. E procuramos dar o exemplo: empregamos diversos recursos tecnológicos nas reuniões, mostrando como é possível utilizar as ferramentas e como elas podem facilitar o trabalho docente", afirma Prado. "O envio de notícias, avisos, avaliações e atividades para os educadores hoje é feito por e-mail para facilitar a comunicação e garantir o fluxo de informações", completa.
Os estudantes dão um show com as novas ferramentas: enriqueceram o sarau literário com a projeção de textos e imagens e organizam seminários com o apoio de projetores e o PowerPoint. As pesquisas das aulas de Biologia, sobre bactérias, começaram na biblioteca e foram complementadas na internet. E até as eleições para o grêmio estudantil foram realizadas online. Com a ajuda do Google Docs, os estudantes garantiram a privacidade do voto e a contagem automatizada dos vencedores. Embora os telefones celulares precisem ficar desligados durante as aulas, alguns educadores abrem exceções e planejam o ensino de conteúdos com o apoio do aparelho. Na aula de Arte, por exemplo, os alunos montaram histórias de marionetes e filmaram suas produções, fazendo pequenos filmes com os celulares.
"Embora nem todos os estudantes tenham computador em casa, eles já nasceram em uma geração em que a tecnologia é uma realidade. O mesmo não acontece com a equipe pedagógica, que precisa se esforçar para se apropriar das novidades", conta o coordenador Prado. Mas Parente lembra que hoje é muito mais comum encontrar profissionais abertos a aprender sobre as novas ferramentas porque cada vez mais o uso do e-mail e das redes sociais, a busca de notícias e as compras online fazem parte do dia a dia de todos. Por isso, além de pensar em estratégias de uso do computador para ensinar um conteúdo, é possível experimentar ações como se comunicar com os alunos a distância, fazendo uma extensão das atividades pedagógicas. Ele sugere que sejam propostos trabalhos colaborativos, como a construção de um vídeo, um documento e uma apresentação, envolvendo pessoas que estão em diferentes locais. "Uma das grandes vantagens dessa era é a possibilidade de ruptura de tempo e espaço. O trabalho com os alunos não é mais limitado à sala de aula e ao período em que eles estão na aula", resume.
Mesmo com tanto agito na escola do interior paulista, ainda há muito a fazer: para melhoria da infraestrutura, os próximos passos são ampliar a abrangência do wi-fi, comprar lousas digitais e montar mais carrinhos com notebooks. "Essas são necessidades dos docentes, então, precisamos atender, isso é papel da gestão", diz Laura. E a diretora já sabe de onde tirar os recursos para isso: vai usar a verba do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e o lucro com a cantina. "Conhecer qual a infraestrutura existente e as possibilidades de melhoria, fazer um diagnóstico sobre as necessidades, perceber como gestores e professores se sentem e ter vontade de mudar os cenários são passos essenciais para implementar mudanças em tecnologia na escola", conclui Parente.
OBJETIVO GERAL
Integrar, de maneira sustentável, os recursos tecnológicos em uma escola de Educação Básica.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
TEMPO ESTIMADO
Um ano letivo.
MATERIAL NECESSÁRIO
Dispositivos móveis (celulares ou tablets) ou computadores. Os equipamentos podem ser da escola ou dos alunos.
DESENVOLVIMENTO
1ª ETAPA: Formação do comitê
Convide estudantes, professores e funcionários e apresente a ideia de criar um comitê gestor para o projeto de tecnologia da escola. Introduza o tema e pergunte quem se interessa em participar e trocar experiências, aprender e ensinar. Defina, com o grupo, a composição do comitê. Para isso, é importante entender, antecipadamente, como se forma um grupo desse tipo e até convidar uma pessoa mais experiente para apoiar nesse momento. A intenção é que esse grupo se reúna para discutir a integração da tecnologia no currículo, sendo que cada participante contribui com o que sabe e todos buscam melhorias e soluções. Provavelmente, os conhecimentos serão complementares e ao gestor caberá o incentivo para que as discussões sobre os possíveis usos aconteçam. Os alunos podem contribuir com o compartilhamento de seus saberes digitais e os professores devem aplicar a experiência como mediadores da aprendizagem. Após fazer o convite para as pessoas que precisam integrar a iniciativa, abra a possibilidade de inscrição para os demais interessados. Crie espaços de discussão democrática, como fóruns de debate, em que os envolvidos sejam ouvidos de fato. Planeje um local e a periodicidade com que os encontros serão realizados.
2ª ETAPA: Diagnóstico e planejamento
Reúna os líderes do comitê gestor e faça com eles um levantamento do que a escola já possui em relação à tecnologia (equipamentos, profissionais e práticas educacionais e administrativas) e uma sondagem sobre as necessidades da instituição nessa área. Para isso, divida a equipe em pequenos grupos e peça que discutam as possibilidades de uso das ferramentas e os limites técnicos da escola, sem deixar de abordar os benefícios para os processos de ensino e de aprendizagem. Registre as demandas e os caminhos apresentados, definindo os próximos passos e qual será o envolvimento de cada um. Por exemplo, se nessa fase observa-se que a conexão com a internet é um problema, alguém deve ficar responsável por buscar soluções para superar essa dificuldade. Se o espaço onde ficam as máquinas precisa ser melhor organizado, outro participante pode lidar com isso. Faça um combinado coletivo sobre as expectativas e as regras a seguir.
3ª ETAPA: Organização das informações
Estabeleça um espaço virtual para que os integrantes do comitê possam compartilhar arquivos e realizar o trabalho em rede. Verifique se outros professores e alunos gostariam de fazer parte de eventos de formação com o objetivo de melhorar e intensificar o uso da tecnologia. A intenção é tratar com profundidade dos temas apontados como chave. Esses encontros, encabeçados pelos participantes do grupo, servem também para disseminar informações e decisões do comitê para toda a comunidade escolar. Especialistas podem ser convidados, caso seja necessário, e outra possibilidade é socializar experiências de outras instituições que conseguiram resolver os desafios que são enfrentados agora na sua escola.
4ª ETAPA: Mudanças na sala de aula
Preveja tempo nos horários de planejamento para que cada docente elabore suas aulas e sequências didáticas considerando as discussões feitas até então, sempre contando com a parceria dos colegas e da equipe gestora. Precisa ficar claro para todos que a tecnologia é uma ótima aliada do educador, que apresenta questões instigadoras e pertinentes para a classe. Vale também ressaltar que os equipamentos são sempre um meio para alcançar os objetivos de aprendizagem e não um fim. Por isso, cabe a você, gestor, orientar a equipe para que adaptem as formas de planejamento a essas novas demandas e que considerem os combinados coletivos em relação ao tema. O professor, mais do que ser o único transmissor do conhecimento em sala, deve possibilitar que os alunos busquem respostas, selecionem dados e apresentem e discutam os resultados encontrados com o restante da turma. A cada aula, conforme o contexto e a necessidade, novas estratégias e ferramentas podem ser adotadas.
AVALIAÇÃO
Promova reuniões periódicas com todos os integrantes do comitê gestor para avaliar o andamento do projeto e para que sejam apresentadas novas sugestões e soluções. Dê espaço para trocas de boas experiências, como mostras coletivas do processo de trabalho e dos produtos desenvolvidos. Assim, tais práticas serão valorizadas por toda a comunidade. Discussões sobre ética na internet e o cuidado com as informações e os compartilhamentos também podem ocupar espaço em pautas de conversa. Compare as ações implementadas com o combinado coletivo estabelecido anteriormente.
Consultoria: Valdenice Minatel Melo de Cerqueira, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e coordenadora de Tecnologia Educacional do Colégio Dante Alighieri, na capital paulista.
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