
Cena do filme Romeu e Julieta, de Baz Luhrmann. Em cena, Leonardo di Caprio e Claire Danes interpretam os personagens-título da trama
“Ser ou não ser, eis a questão”. “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”. O que essas frases e expressões têm em comum? Todas elas foram cunhadas pelo dramaturgo e escritor inglês William Shakespeare (1564-1616). Neste ano, completa-se 400 anos sem que ele esteja fisicamente entre nós, apesar de se manter presente no nosso imaginário, em montagens teatrais, cinema e expressões artísticas, em geral. Mas será que realmente o conhecemos?
Eu fiquei com essa pulguinha atrás da orelha nos últimos dias. Tenho a impressão de que sabemos de maneira superficial os enredos de suas principais peças, mas não entendemos porque Shakespeare se tornou o monstro que é hoje. Por essa razão, fui atrás de aprender com quem sabe. Conversei com o professor Lawrence Flores Pereira e a professora Beatriz Viégas-Faria, ambos tradutores da obra shakespeariana.
Para quem não sabe, o autor inglês nasceu pouco depois de a rainha Maria morrer e sua irmã Elizabeth, fruto do casamento de Henrique VIII com Ana Bolena, assumir o trono. Nesse momento de efervescência e de construção de uma identidade nacional, Shakespeare questionava os bastidores da política, as tramas realizadas para derrubar reis, separar e fundir reinos. Não é à toa que, pelo menos, dez de suas peças se passam na realeza. Mas é principalmente no modo como o autor lida com essa e outras temáticas mais cotidianas que ele se destaca dos demais. “Antes dele, os escritores pendiam para personagens muito maniqueístas. Shakespeare trouxe a complexidade do humano à tona”, me disse Beatriz, que também destacou as frases de efeito e trocadilhos cômicos como qualidades marcantes de suas obras.

O dramaturgo inglês William Shakespeare viveu de 1564 a 1616. Entre suas obras mais famosas está o clássico Romeu e Julieta, constantemente adaptado no teatro, cinema e TV
Nesse contexto, eu pensei em selecionar as peças essenciais para se entender os pontos marcantes de seu trabalho e o que pensava o dramaturgo. Então, pedi ao Lawrence e a Beatriz que me ajudassem a construir uma breve lista. Claro que não daremos conta de tudo, mas já dá para ter um gostinho. Aproveitem!
Romeu e Julieta (1596), por Beatriz: “Algo que considero muito interessante nessa peça é a disseminação. Ela se tornou uma das mais populares, senão a mais popular do autor. Além disso, é rica em termos de linguagem. Possui diversos trocadilhos que só serão plenamente compreendidos em uma leitura cuidadosa, quando lida, e em um jogo de cena inteligente, quando assistida.”
Hamlet (1601), por Lawrence: “Essa é uma peça bastante psicológica e que mostra personagens modernos em suas indecisões e reações. Hamlet já começa em dúvida e mais para frente titubeia se deve continuar com sua vingança. Outro ponto interessante é que os personagens representam faces distintas de si mesmos em cada situação e o leitor ou expectador não consegue afirmar com certeza quais são suas reais intenções. ”
O Mercador de Veneza (1597), por Beatriz: “Alguns podem dizer que esse texto se trata da disputa pela mão de Porcia, uma herdeira veneziana, mas é muito mais que isso. Toda a trama é amarrada por processos jurídicos com promissórias e fiadores que colocam em evidência questões essenciais para serem discutidas na atualidade como o antissemitismo, o feminismo, o comércio e a vingança.”
Rei Lear (1606), por Lawrence: “Aqui temos um rei que divide suas terras entre duas de suas filhas em troca de amor, deixando uma terceira de lado. Ou seja, falamos da velhice e da relação entre pais e filhos, ambos temas humanos que não ficam datados. Ao mesmo tempo em que a peça é emocional por conta da delicadeza do assunto, ela também traz ironias sobre a concepção de reino, coerente com a discussão da época sobre a Inglaterra unir-se ou não à Escócia. ”
A Tempestade (1611), por Beatriz: “Essa história traz Próspero, sua filha Miranda e seu servo Caliban. Os três vivem numa ilha isolada para onde o protagonista leva um príncipe para ser seu genro e seus desafetos para se vingar deles. Eu diria que é a mais fantasiosa das peças de Shakespeare. Na riqueza de imagens proporcionada pela fantasia, o autor inglês discute a escravidão e várias questões femininas.”
Ricardo 3º (1592), por Lawrence: “Geralmente, quando estudamos gêneros literários, não estudamos as crônicas históricas. Mas Shakespeare também reconta a história de seu país. Essa peça fala do último rei antes da dinastia Tudor. Com esse mote, o escritor trata dos meandros do poder e como o mal pode ser semeado em um grupo inteiro, mas sempre liderado por alguém. Para mim, esse texto deixa claro que o inglês está mais perto de Maquiavel, autor de O Príncipe, do que de Thomas More, autor de Utopia.”
Se você ficou curioso para ler as peças, dá para fazer o download delas gratuitamente. É só clicar no link!
Vocês já conheciam essas obras? Já trabalharam a produção de Shakespeare com seus alunos? Conte sua experiência aqui nos comentários.
Até o próximo post!
Anna Rachel