Alzheimer, transtorno neural detectado através de ressonância magnética e que afeta gradativamente a memória do paciente, perdendo primeiro suas lembranças mais recentes até chegar às mais primitivas. Minha avó, D. Lia, teve Alzheimer, doença que a levou após 8 anos de convívio. Tive poucos momentos com minha avó. Pelo o que consigo me lembrar, a distância de 2.657 km entre a capital paulista e Campina Grande, na Paraíba, foi quebrada por duas vezes. Na última, eu tinha 12 anos. Conheci-a mais de ouvi falar do que de qualquer outra maneira. Mas tudo que escutei sobre ela me fizeram admirá-la de maneira genuína. Uma mulher forte: parteira, enfermeira, mãe, provedora, enfim, uma guerreira. Assim é como a vejo sempre que penso nela. Nas férias, minha prima Anne deu um pequeno livro ao meu pai que conta a experiência de ter cuidado de nossa vó, junto com a minha tia Marisa. Foram os anos em que a enfermidade foi tirando, ainda em vida, quem ela era para todos. Embora eu soubesse que minha avó tinha a doença, eu pensava que isso não tinha exatamente a ver comigo. O relato da minha prima fez com que eu reconhecesse e compreendesse o que houve e o que tudo isso causou. Tornou real.
Foi assim que eu cheguei em Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva (296 págs., Alfaguara, tel.: 21/2199-7824, 39,90 reais). Nesse livro, Marcelo, também autor de Feliz Ano Velho (272 págs., Alfaguara, tel.: 21/2199-7824, 39,90 reais), – livro que ainda não li, mas pretendo fazê-lo em breve – fala sobre sua mãe, Eunice, acometida pelo mesmo transtorno que D. Lia. Eu amei o início do livro em que ele narra uma série de coisas que fazemos quando criança e que eram de suma importância, mas que simplesmente deletamos quando adultos, como se nunca tivessem acontecido. As primeiras vezes em que ficamos em pé no berço, apertamos o botão do elevador ou repetimos palavras tentando decorá-las, por exemplo. “A memória é uma mágica não desvendada. Um truque da vida. Uma memória não se acumula sobre a outra, mas ao lado. A memória recente não é resgatada antes da milésima. Elas se embaralham”, diz Marcelo para em seguida contar como sua mãe já não sabe o que comeu no café da manhã, mas reconhece no rostinho do neto, traços do seu filho-autor.
O que me encantou nesse título é a honestidade dos relatos sobre quem Eunice foi e quem se tornou. Ele olha para essa nova pessoa, dependente e confusa, para além da tristeza causada pelo sumiço gradual de quem ela era. Em meio a essas percepções, Marcelo traz a questão do desaparecimento de seu pai, Rubens Paiva, preso pelo DOI-Codi, do Rio de Janeiro, durante a ditadura militar brasileira e do reconhecimento governamental de sua morte, já no mandado de Fernando Henrique Cardoso, sempre colocando luz em Eunice. Assim como o faz nas narrativas sobre sua infância e juventude. Ele não romantiza quem ela era para tornar o texto mais sensível ou criar uma empatia entre o leitor e a personagem. Pelo contrário, pondera sua genialidade e força com a ausência de demonstrações de carinho que lhe faziam falta como filho. Tudo isso é contado com fatos um tanto embaralhados como a memória conceitualizada por ele. Mas também com uma beleza e sensibilidade que assume a impossibilidade da literatura de explicar tudo. “De música eu gosto. Canto, até. A melodia entra na alma, não no cérebro. A poesia musicada não exige compreensão daquele que já não compreende muita coisa. O resto é blá-blá-blá”. E, assim, as letras escritas transcendem, penetram a alma e me mostram que eu não preciso escolher de qual das imagens da minha avó eu devo me lembrar. Ela foi tudo isso: a guerreira e a baby, como minha prima a chamava no fim da vida. As duas memórias estão lado a lado e uma não diminui a outra.
Espero que tenham gostado!
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Até o próximo post!
Anna Rachel