Os tempos que a infância e toda criança têm
Entender as características da própria existência e das várias fases da vida colabora para a compreensão do que é passado, presente e futuro
01/12/2012
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Jornalismo
01/12/2012
Perguntas banais para os adultos, como "Onde e quando você nasceu?", podem suscitar muitas descobertas para crianças na faixa dos 7 e 8 anos. Pensando nisso, as professoras Elaine Bisinelli Rios de Castro e Sandra Mara Stanytchyi conduziram suas turmas de 2º ano da EM Newton Borges dos Reis, em Curitiba, por uma sequência de aulas que contribuiu para dar aos pequenos a compreensão das fases da vida. Eles avançaram na noção sobre em que momento histórico de sua existência estão (a infância), o que aconteceu antes de chegarem até aqui e o que está por vir.
A viagem no tempo começou com a análise de um documento histórico que todos da classe possuem: a certidão de nascimento. Antes de propor a atividade, porém, Elaine coletou as percepções dos alunos sobre onde eles tinham nascido. Uns consideravam que havia sido em um hospital, outros, em sua residência, e teve até quem acreditasse ter vindo de uma semente. A professora pediu então que com a ajuda de familiares cada um avaliasse sua certidão e coletasse uma série de dados: o próprio nome, o do pai, da mãe e do hospital, além da data e do horário em que nasceu.
Na aula seguinte, todos compartilharam as informações encontradas. Alguns estudantes relataram ter notado que não viviam na mesma cidade em que nasceram. Teve quem ficasse espantado por possuir o mesmo sobrenome de colegas da classe, apesar de não serem parentes. A maior surpresa, no entanto, foi descobrir que a data de nascimento era igual ao dia do aniversário.
Elaine buscou conhecer a noção dos alunos a respeito do seu próprio passado. Para isso, pediu que elencassem fatos que haviam acontecido quando eram menores. "A ideia que eles possuíam do que já passou se referia a acontecimentos muito recentes: um dente que caiu, as primeiras pedaladas de bicicleta e o fim de semana com os pais, por exemplo. Havia uma grande lacuna de eventos entre a data de nascimento e os dias atuais."
Muita coisa se passou desde que essa garotada nasceu
Para que a compreensão do passado ficasse mais consistente, a docente propôs que cada aluno fizesse a linha do tempo de sua vida, englobando do nascimento à atualidade, novamente com a ajuda dos pais. Com desenhos e textos, eles apontaram os principais acontecimentos ocorridos em seus primeiros 12 meses de vida e, depois, aos 3, 5 e 6 anos. A construção de esquemas como esse realizado pela turma de Curitiba é muito eficiente para entender períodos históricos curtos, como o intervalo de uma vida, e colabora para que a turma elabore as primeiras noções de tempo histórico.
Durante a realização dessa atividade, boa parte dos alunos colocou como marco histórico uma brincadeira nova ou uma conquista no campo do brincar. Este foi, então, o tema que serviu de base para a reflexão sobre a infância de outros períodos. A professora solicitou que perguntassem aos avós e pais sobre as suas diversões preferidas e, novamente, contassem os achados para o restante da turma na aula seguinte.
Integrante do Laboratório de Ensino de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), a pesquisadora Sandra Regina Ferreira de Oliveira investigou a concepção de tempo de crianças de 7 a 10 anos. O resultado é apresentado no texto O Tempo, a Criança e o Ensino de História, capítulo do livro Quanto Tempo o Tempo Tem! (Vera Lúcia Sabongi de Rossi e Ernesta Zamboni, orgs., 244 págs., Ed. Alínea, tel. 19/3232-9340, 38 reais). Ela concluiu que muitas não conseguem entender a duração da vida de seus pais, avós e bisavós. Vários dos estudantes entrevistados por ela achavam possível que seu avô vivesse na mesma época em que os portugueses chegaram ao Brasil, por exemplo. O biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) também buscou entender essa aparente confusão. Em suas pesquisas, ele verificou que a criança considera inicialmente que no passado tudo era diferente de hoje. Mas essa diferença, para elas, é apenas um decalque do presente, uma aparência antiquada para as imagens que os pequenos já conhecem.
Entrevistas com os mais velhos ajudam a avançar nesses conceitos. Após realizá-las, os alunos de Elaine constataram que muitas das brincadeiras do tempo de seus pais e avós ainda fazem parte do seu cotidiano, como batata quente e amarelinha. Já outras, como pião e bola de gude, são desconhecidas para eles. "Nessa etapa, buscamos mostrar que nem tudo do passado deixou de existir, muitas coisas ainda estão presentes, enquanto outras se transformaram."
A professora explicou à turma, em seguida, que hábitos como aqueles ligados às brincadeiras não se modificam apenas com o passar dos anos. Eles podem ser completamente diferentes dentro de uma mesma época. Esse é o caso das diversões praticadas por povos indígenas que, ainda em 2012, mantêm jogos completamente distintos daqueles que a classe conhecia. Para demonstrar isso, Elaine exibiu várias fotos de comunidades habitantes do estado do Paraná em que apareciam crianças brincando e as comparou com as diversões conhecidas pelas crianças na capital.
Jaime Baratz, mestre em Educação e docente da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), reforça que falar do tempo com as crianças não é simplesmente organizar uma série de fatos em antes, durante e depois. "É preciso pensar no que ocorre agora para que elas compreendam o tempo como algo complexo, cheio de sucessões, durações e simultaneidades", lembra. Outra opção de material para fazer esta comparação é o relatório Situação Mundial da Infância. Produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), ele possui uma série de imagens e dados sobre o tema.
Todos podem ter histórias de criança e sonhos de adulto
Durante a análise da linha do tempo e a comparação das brincadeiras, os alunos se espantaram ao ver que os seus avós também já brincaram e, portanto, já foram pequenos como eles. Nesse ponto, a docente pediu que eles recortassem em revistas imagens de bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos e as ordenassem. "Assim, criamos a noção de que mesmo eles um dia serão idosos, respeitando o ciclo natural da vida."
A pesquisadora Sandra, da UEL, ressalta em seu texto que os pequenos dessa idade já possuem um saber a respeito da História, coerente com seu nível de conhecimento, e é preciso que o professor se coloque no papel de ouvinte para analisar como os estudantes interpretam o mundo. "O trabalho de História nos primeiros anos do Ensino Fundamental deveria se basear nessa busca de lógica entre os acontecimentos para dar conta da explicação da realidade", sugere.
Elaine colocou essa lição em prática. E, ao observar as conversas de seus alunos, pôde perceber a evolução sobre a percepção do tempo. Depois de três meses, o passado e o futuro viraram assunto na sala de aula. "Eles, que antes pensavam apenas até o último fim de semana, passaram a contar uns para os outros suas histórias de infância e seus sonhos de adultos", conclui.
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