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Jornalismo

Da migração à imigração com arquivos históricos

Esse tipo de recurso, disponível online, permite que os alunos entrem em contato com fontes primárias

PorGabriela Portilho

01/06/2013

Registros do arquivo do Museu do Imigrante, em São Paulo, foram analisados pela turma. Patricia Stavis Registros do arquivo do Museu do Imigrante, em São Paulo, foram analisados pela turma Uma visita aos arredores da escola identificou a presença nordestina no bairro. Patricia Stavis Uma visita aos arredores da escola identificou a presença nordestina no bairro Uma visita aos arredores da escola identificou a presença nordestina no bairro. Patricia Stavis Uma visita aos arredores da escola identificou a presença nordestina no bairro

Quando a professora Patrícia Cerqueira, da EMEF Professor Jorge Americano, em São Paulo, perguntou para os alunos do 5º ano qual era a origem dos ascendentes deles, ouviu falar de avós baianos, pais paranaenses e de outros familiares vindos de diversas regiões do Brasil. Atenta à falta de importância dada ao tema nos livros didáticos - quase todo o país viveu diferentes movimentos migratórios desde o período colonial, mas os processos de migração interna não costumam ser contemplados -, Patrícia decidiu propor um estudo sobre o tema. Planejou abordar a procedência das famílias da garotada e a conexão da história delas com a dos fluxos migratórios que chegaram ao país por meio de depoimentos e da consulta a arquivos históricos.

O ponto de partida para fomentar o debate e levantar as primeiras questões ocorreu numa roda de conversa. Nesse momento, ela mostrou aos estudantes o mapa da cidade, pedindo que identificassem o bairro onde estava situada a escola e o local onde moravam. Em meio às observações, questionou onde eles tinham nascido e a maioria respondeu que tinha sido em São Paulo. Em seguida, ela perguntou sobre a origem dos pais. A turma foi orientada a conversar com os familiares, anotando de onde vieram, quantos anos tinham quando chegaram, que meio de transporte usaram, onde ficaram hospedados e que motivos levaram à migração.

De volta à sala de aula, os dados foram discutidos. A professora questionou a turma se, na chegada à cidade, todos foram recebidos da mesma forma, com perguntas como: "Qual tratamento tiveram os migrantes?", "Para que lugares da cidade eles se encaminharam?" e "Para quais empregos eles foram direcionados?". As respostas foram registradas para a discussão.

Experiências de outros lugares

Nos depoimentos, havia relatos de mulheres que viajaram como empregada doméstica acompanhando a patroa e de gente que, como a professora, baiana, veio em busca de oportunidades, para "tentar a vida" na cidade grande.

Com as informações em mãos, Patrícia montou coletivamente alguns gráficos no quadro enumerando quantos pais e mães chegaram em cada década, por que meio e os motivos pelos quais vieram, entre outros. "Tomei o cuidado de ressaltar que os dados dos gráficos revelavam apenas uma amostra da população e que traziam informações aproximadas", explica a professora.

Ela disse, então, que em outras situações, como em épocas de fome na Europa ou no contexto das Guerras Mundiais, milhares de pessoas imigraram para o Brasil, com motivações pessoais similares às dos seus familiares. Então, convidou a turma a comparar esses diferentes momentos. O objetivo era permitir que todos encontrassem semelhanças e diferenças nos contextos e motivações de migrar e imigrar.

Identificando que boa parte dos pais chegara a São Paulo nas décadas de 1980 e 1990, Patrícia montou no quadro uma linha do tempo para contextualizar o fluxo migratório dos pais e compará-lo com outros (leia abaixo). Na cronologia, ela colocou os imigrantes europeus, que chegaram no país a partir do fim do século 19, e os marcos temporais da pesquisa. Lembrando dos relatos coletados pelos alunos nas entrevistas, comentou que, junto com seus pais e avós, durante as décadas de 1970 e 1980, grandes fluxos de imigração e migração ocorreram no país. Nesse ponto, a linha do tempo foi preenchida com as datas das migrações dos familiares da turma. A docente aproveitou, então, para fazer menção a processos imigratórios contemporâneos que afetam o Brasil, como a chegada de bolivianos, colombianos, chilenos, argentinos, uruguaios e haitianos, completando o desenho até os dias atuais.

Trajetórias que se cruzam
Veja os marcos e saiba como a história familiar se relaciona com a dos livros

1917 O imigrante português Manoel da Silva escreve à família. A imigração diminui durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918).

1930 Getúlio Vargas (1882-1954) estimula a migração das regiões Norte e Nordeste para a Sudeste do país.

1945 Com o término da 2ª Guerra Mundial (1929-1945), o país recebe imigrantes da Europa, que sofreu com o conflito.

1960 Nova fase de imigrações. Coreanos, chineses e latino-americanos, como os bolivianos, chegam ao Brasil.

1970 Predominam as migrações da Região Nordeste para a Sudeste e da Sul para a Centro-Oeste e a Norte do país.

1980 Nordestinos continuam chegando ao sudeste - isso inclui as famílias de alguns estudantes.

Textos e arquivos históricos

Para aprofundar a pesquisa, os alunos receberam um texto adaptado do cronista Jorge Americano (1891-1969). O objetivo foi comparar a descrição feita pelo autor sobre São Paulo nos anos 1920 com os depoimentos coletados pela turma sobre a chegada de seus pais. Entrevistas com pessoas mais velhas podem ajudar as crianças a descobrir mais sobre o passado no caso de não haver textos sobre o período estudado. Para encerrar a etapa, a professora solicitou a produção de um texto dissertativo com base nas entrevistas.

Por fim, Patrícia propôs a análise de arquivos históricos virtuais, o que possibilita o contato direto com acervos, mesmo a distância. Supervisionada pela professora, a garotada acessou o site do Memorial do Imigrante, que possui os registros das pessoas que deram entrada na Hospedaria de Imigrantes do Brás, um dos maiores centros de recepção de estrangeiros já existentes no Brasil, e buscou um sobrenome comum, que alguns dos alunos têm: Silva. Apenas 20 registros foram encontrados no arquivo. Outra fonte de consulta recomendável é o site do Arquivo Nacional, além de órgãos públicos de cada estado dedicados ao tema - facilmente localizáveis por meio de uma busca na internet.

A professora separou então dois registros, com relatos de imigrantes, para analisar com a turma. Fez perguntas como: "Que tipo de documento é este?", "O que é possível identificar nele?", "Do que se trata?", "Em qual data foi escrito?", "Quem são essas pessoas?", "Quais os motivos para imigrarem?" e "Com qual objetivo o documento foi guardado no Memorial do Imigrante de São Paulo?". Perguntas desse tipo permitem a aproximação das crianças com os arquivos históricos.

Para a historiadora Adriana Carvalho Koyama, que pesquisou o tema para sua tese de doutorado, eles são fontes riquíssimas de material e estão cada vez mais disponíveis online. "Eles permitem que os alunos entrem em contato direto com as fontes - um trabalho semelhante ao realizado pelos próprios historiadores", comenta. Um artigo acadêmico dela sobre o tema pode ser lido aqui.

A última etapa do trabalho de Patrícia ainda envolveu um passeio pelo bairro, no qual os alunos registraram por meio de fotos, desenhos e textos os elementos que constituem a presença nordestina na região em que vivem, seja em bares e restaurantes com comidas típicas ou em casas de comércio com nomes nordestinos.

A meninada também foi orientada a trazer objetos pessoais de seus pais que simbolizem sua região de origem, como rendas, bordados e enfeites. O objetivo: montar uma exposição na escola no encerramento do semestre junto com uma roda de conversa com os pais migrantes interessados em compartilhar suas experiências. Dessa forma, os alunos podem compreender que mesmo a grande história contada nos livros é feita de micro-histórias que se entrelaçam.

1 Muita história para contar Monte coletivamente uma pauta de perguntas sobre a origem das famílias das crianças, com questões como: "De onde e por que saíram de sua cidade natal?" Em seguida, analise o material com a turma. 

2 Como um historiador Selecione o registro de um arquivo histórico e faça perguntas como: "Que tipo de documento é este?", "O que é possível identificar nele?", "Em que data foi escrito?" e "Quem são essas pessoas?". Sistematize as conclusões.

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