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Jornalismo

Os professores de Língua Portuguesa são os únicos responsáveis pela alfabetização dos estudantes?

O aluno chega ao Ensino Fundamental sem atingir os níveis mínimos de alfabetização considerados adequados em leitura e escrita. A quem cabe alfabetizar esse aluno?

PorNeurilene Martins

15/06/2016



Hoje vou abordar duas questões que chegaram para nós e tratam do mesmo tema. Vamos a elas:

Olá, professora Neurilene! Estou pelo segundo ano na sala de Atendimento Educacional
Especializado (AEE). Atendo três alunos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e não alfabetizados, cursando o Fundamental II. A minha pergunta é: todas as disciplinas terão que priorizar a alfabetização?

Enviada por Eliana Rocha, de Osasco/SP

Como ajudar os professores das outras áreas a cuidar da escrita dos alunos não deixando esta responsabilidade somente com o professor de Língua Portuguesa?
Enviada por Izabete Regina França dos Santos, de Lençóis/BA

Respondendo à pergunta do título e ao principal anseio das leitoras: não, a alfabetização não é uma preocupação exclusiva dos docentes de Língua Portuguesa. Um em cada cinco estudantes brasileiros chega ao 3º ano do Ensino Fundamental sem atingir os níveis mínimos de alfabetização considerados adequados em leitura e escrita. O problema segue pelos anos seguintes e os professores do Fundamental II nem sempre se sentem preparados para lidar com isso.

O equívoco de muitos professores é pensar que a leitura e a escrita são conteúdos específicos do currículo de Língua Portuguesa. É comum ouvir que “eles não dão conta e agora querem que a gente pare nossa matéria para ajudar”. Assim, os licenciados de outras áreas tendem a resistir e argumentam que terão prejuízo no cumprimento dos conteúdos específicos das suas áreas.

A literatura especializada aponta, no entanto, que a leitura e a escrita constituem-se em ferramentas essenciais para os estudantes apropriarem-se de conteúdos das demais áreas, podendo ser assumidos como conteúdos de ensino e de aprendizagem a partir de uma postura interdisciplinar dos docentes. O planejamento e a intervenção, independente da área de conhecimento, devem assegurar que os estudantes realizem, com progressiva autonomia, comportamentos como ler, grifar, tomar notas de textos escritos e orais, pesquisar e elaborar resumos e resenhas para estudar; bem como produzir seminários e debates para compartilhar conhecimentos e pensar temáticas contemporâneas. Delia Lerner tematizada esse trabalho interdidátido aqui e o conteúdo pode servir como objeto de reflexão para a prática.

Além da abordagem integrada das práticas de linguagem em contextos de estudo, o projeto pedagógico deve reconhecer as especificidades da alfabetização nas diferentes áreas de conhecimento e dar visibilidade a ela no currículo. Não se lê um mapa ou um croqui como se lê um enunciado de problemas matemático ou se aprecia uma obra de arte; não se elabora um relatório de experimento científico como se elabora uma tabela ou gráfico de barras. Nesse sentido, é preciso ensinar diferentes modos de ler, escrever e comunicar saberes que demandam uma atuação intencional e estratégica dos docentes para além das aulas de Língua Portuguesa.

O acesso à pesquisas didáticas contemporâneas é fundamental para apoiar os professores nesse planejamento. Indicamos a leitura do livro Enseñar a leer textos de Ciências, das pesquisadoras Ana Espinoza, Adriana Casamajor e Egle Pitton, e os trabalhos de Beatriz Aisenberg que lidera pesquisas sobre ler e escrever na área de ciências humanas (saiba mais aqui).

No conjunto dessa conversa, o que se apreende é que precisamos combater esse mito perverso que separa professores, enfraquece a prática pedagógica e impede que os estudantes tenham experiências mais ricas de alfabetização.

Como esse tema tem sido abordado na sua escola? Compartilhe suas experiências nos comentários abaixo!

Um abraço e até semana que vem,
Neury

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