Investimento no ensino ainda é insuficiente
Apesar de bater recordes, ainda falta muito investimento para o país alcançar a qualidade
01/02/2011
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Jornalismo
01/02/2011
Os investimentos em Educação cresceram significativamente nas últimas décadas. Entre 1998 e 2011, o valor mínimo por aluno no Ensino Fundamental aumentou duas vezes e meia - isso em números já corrigidos pela inflação do período. Apesar do avanço, a maioria dos especialistas considera que o montante está longe de ser o suficiente para garantir qualidade ao ensino. Dois dados amparam esse argumento. O primeiro: o atual investimento por estudante é apenas um quarto do que gastam os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), clube das nações mais desenvolvidas do mundo. O segundo: a ampliação dos recursos não se traduziu numa melhoria consistente para os salários dos professores, reduzindo o impacto da tão propagandeada "valorização" do Magistério.
Vale a pena recapitular o caminho do dinheiro na Educação brasileira nas últimas décadas. Até os anos 1960, o valor investido era suficiente para assegurar um bom padrão à rede pública. Mas estudar era para poucos: só 60% das crianças e jovens de 7 a 14 anos estavam na escola, de acordo com o Censo de 1970. Nas duas décadas seguintes, o ensino se universalizou, mas o orçamento não cresceu na mesma proporção que o número de matrículas. Para piorar, a qualidade do ensino havia sumido da lista de prioridades: governadores e prefeitos disputavam verbas para a Educação por meio de projetos de construção de novas escolas, ginásios de esportes e pavimentação de ruas nas áreas escolares. Enquanto isso, faltavam livros no primeiro dia de aula e merenda na hora da fome. "Quando havia muitos alunos fora da escola, predominava a lógica de que o problema da Educação seria resolvido com obras e aumento da oferta de vagas", explica o economista Jorge Abrahão de Castro, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Não foi. Hoje, está claro que a democratização do ensino se deu à custa do sucateamento das escolas, da perda do poder aquisitivo dos educadores e da multiplicação dos turnos de aula.
O aperto monetário, felizmente, começou a ser desafrouxado em 1998, primeiro ano de vigência efetiva do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), criado em 1996. Abastecido por uma porcentagem de diversos impostos e direcionado a cada escola sem intermediação política, o Fundo determinava um valor mínimo a ser investido por aluno - quando estado e municípios não conseguiam alcançar o índice, a União complementava e garantia o necessário.
Foi uma pequena revolução: em estados como o Maranhão, o valor gasto por estudante dobrou de um ano para o outro. Além disso, o Fundef também atenuou desigualdades regionais. Na edição de junho de 1999, NOVA ESCOLA mostrou que, sem o Fundo, o investimento por cabeça na rica Paulínia, a 118 quilômetros de São Paulo, seria 36 vezes maior do que na carente Imperatriz, a 586 quilômetros de São Luís. Com a redistribuição de recursos, a diferença caía para apenas duas vezes.
Baseado na mesma lógica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu em 2007 o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), contemplando outras etapas de escolarização, como o Ensino Médio, a Educação Infantil e a de Jovens e Adultos. Para as cidades mais pobres, o crescimento real no gasto per capita em relação ao período pré-Fundo deve ultrapassar, neste ano, a barreira dos 250%.
É preciso gastar mais para garantir qualidade ao ensino público
Entretanto, outra promessa, a valorização do Magistério, ainda não se tornou realidade. Está certo que, se comparada à de 1987, ano em que as greves paralisaram 18 estados e 1 milhão de professores, a situação melhorou: na época, os docentes das redes estaduais recebiam, em média, o equivalente a 820 reais. Nas escolas municipais, o panorama era ainda mais tenebroso: em 1988, mais de 150 mil professores ganhavam menos que um salário mínimo. Em maio daquele ano, NOVA ESCOLA retratava a espantosa história de Albertina Freitas do Nascimento, educadora de uma escola rural em Araioses, a 484 quilômetros de São Luís. Sem nem ao menos ter concluído o Ensino Fundamental, ela cuidava de 70 alunos em duas turmas multisseriadas, numa sala de aula com chão de terra batida. Ganhava quantia equivalente a 2 quilos de pó de café.
Essa vergonha praticamente desapareceu com a criação dos Fundos. Ao obrigar que 60% dos recursos fossem utilizados para pagar os educadores, o Fundef gerou um aumento salarial médio de 10% no Brasil e de 150% no Nordeste - e isso apenas nos seis primeiros meses de existência. Mas a melhoria atingiu sobretudo os que possuíam níveis mais básicos de formação. Os docentes com diploma universitário - que, por isso, ganhavam mais - não sentiram o impacto do aumento. Na verdade, em valores corrigidos, os salários desse grupo diminuíram 8% entre 1998 e 2009.
Outra vitória, a aprovação da lei 11.738, em 2008, que instituiu o piso salarial nacional, também foi mais efetiva para melhorar a situação da turma que ganha menos: em valores de 2010, a legislação determinava que nenhum professor poderia ganhar menos de 1.024 reais por uma jornada de 40 horas. É três vezes menos do que o rendimento mensal médio de um advogado. "Os professores precisam ganhar mais para que a profissão atraia gente qualificada", comenta o especialista Simon Schwartzman. De fato, na pesquisa Atratividade da Carreira Docente no Brasil, feita pela Fundacão Carlos Chagas (FCC) sob encomenda da Fundação Victor Civita (FVC), 40% dos estudantes de Ensino Médio associam a docência à baixa remuneração.
Parece claro que é preciso gastar mais para garantir qualidade ao ensino público. Mas quanto? Para o professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, seria preciso reajustar o valor do Fundeb em 70%. Rezende Pinto, uma das principais cabeças envolvidas na criação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), defende um patamar que eleve os salários dos professores para 2 mil reais e direcione mais verbas para as escolas realizarem pequenas manutenções. Para fazer a conta fechar, o dinheiro extra poderia vir do orçamento de outras áreas (como a militar, que vem crescendo) ou da futura exploração do petróleo na camada pré-sal. Em políticas públicas, é a quantidade de investimentos e não o discurso que mostra o quanto uma área é prioridade.
Três perguntas para José Marcelino de Rezende Pinto
Professor da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, e um dos criadores do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi).
Quais as consequências de não elevar o investimento em Educação?
A principal continuará sendo a falta de atratividade da carreira docente por causa dos salários iniciais minguados, já que o pagamento de pessoal representa 60% do impacto no orçamento. Mas a parte estrutural também vai sofrer: faltam boas bibliotecas e laboratórios em condições de funcionamento.
O investimento mínimo por aluno, definido por lei para o Fundeb, dá conta do essencial?
Não, porque os valores do Fundeb são definidos de acordo com a arrecadação e o total de alunos atendidos. O ideal seria estipular um padrão de qualidade. A proposta do CAQi pede que o valor mínimo do Fundeb seja reajustado em 70%.
De onde viria o dinheiro para o CAQi?
Seria necessário destinar mais 1% do PIB para o Fundeb. A União, que fica com cerca de 60% dos tributos arrecadados, possui todas as condições para garantir essa complementação de imediato. Como diz o ditado: "Se você acha a Educação cara, experimente a ignorância".
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