Compartilhe:

Jornalismo

Para jogar queimada, é preciso ter estratégia

A classe tem de conhecer diferentes regras. Não basta fugir da bola e atacar os adversários

PorFernanda Salla

01/09/2013

 Na EMEF Elza Regina Bevilacqua, os alunos jogaram seguindo 
as regras tradicionais. Foto: Marina Piedade
Na EMEF Elza Regina Bevilacqua, os alunos jogaram seguindo as regras tradicionais

A criançada certamente sabe brincar de caçado ou caçador, como se diz no Rio Grande do Sul, queimado, em Pernambuco, ou queimada, em São Paulo. Simples e popular, esse jogo com bola é muitas vezes mal aproveitado na escola. Geralmente, é subestimado e acaba sendo usado só como uma atividade de aquecimento no início das aulas de Educação Física ou em propostas livres, que se encerram no próprio jogo.

Que tal pensar em explorá-lo ao máximo, trabalhando a diversidade das formas de jogar em prol dos objetivos de aprendizagem? Foi o que fez Vinicius da Silva, professor do 5º ano da EMEF Elza Regina Bevilacqua, em São José dos Campos, a 94 quilômetros da capital paulista. "Os alunos já jogavam queimada por vontade própria, fora da escola e nos intervalos. Além de ajudá-los a refletir sobre os movimentos, quis desafiá-los com outras variedades", diz o educador.

Ele começou a sequência didática perguntando o que as crianças sabiam sobre a queimada. Elas descreveram as regras que usavam e Silva concluiu que a turma brincava da maneira tradicional. Ou seja, os jogadores são divididos em duas equipes - cada uma ocupa metade da quadra, separada por uma linha. É usada uma bola e quem estiver com ela em mãos precisa atingir membros do time rival, que por sua vez só são queimados se a bola tocar alguma parte do corpo deles e cair no chão. Se eles conseguem agarrá-la, estão salvos. Se são queimados, vão para o fundo do campo adversário, chamado morto ou cemitério. Dali, tentam atingir os oponentes com a bola. Vence a equipe que queimar todos os adversários primeiro.

Falar sobre o jogo para se sair melhor

Para fazer a turma começar a se mexer, refletir sobre os movimentos envolvidos na brincadeira e conhecer novas formas de jogar, Silva propôs inicialmente o que chamou de queimada individual. Nesse jeito de brincar, os participantes ficam espalhados pela quadra e quem pega a bola deve tentar atingir qualquer um dos colegas. Não há cemitério: aqueles que são queimados devem sentar no chão e permanecer assim até o fim da partida. "Como não há times, todos têm de fugir de todos. Esse trabalho foca bastante em aprender a se esquivar", conta o educador.

Para que a meninada também possa praticar os movimentos de agarrar e arremessar, vale criar situações de jogo em que todos os alunos interajam com a bola por bastante tempo. Uma proposta que contempla esse objetivo é formar duplas. Cada criança deve ora se defender da bola (pensando em maneiras de se esquivar), ora atacar (observando se tem mais firmeza jogando com as duas mãos ou com uma só e com que intensidade precisa arremessar para acertar o colega - quanto mais perto o adversário estiver, menos força é preciso). "Uma opção, nesse momento, é estipular algumas distâncias entre os estudantes. Assim, evitamos que alguém se machuque", explica Júlio César Soares Pereira, professor da Escola da Vila, em São Paulo.

Realizada a atividade da queimada individual, Silva dividiu os alunos em dois times e pediu que jogassem de acordo com as regras que conheciam, retomando o que tinham conversado no início. É um momento rico de observação. O professor pode analisar se os estudantes colocam em cena táticas coletivas ou se jogam de modo individualizado e quais as principais preocupações deles - queimar muitos adversários ou se defender para ser o último em quadra, por exemplo.

Terminado o jogo, Silva conversou com os alunos: "O que acharam da partida?". "O que pode ser feito para solucionar os problemas?", e "Alguém acha que não teve oportunidade de participar bastante?" Era hora de falar sobre a importância das estratégias. "Uma estudante reclamou que mal pegou a bola. Então, perguntei se ajudaria ela ter se posicionado em uma parte da quadra que tivesse ficado vazia mas que fosse interessante para queimar um adversário", conta o educador. Problematizações como essa ajudam as crianças a refletir sobre as nuances do jogo e as várias táticas que podem ser desenvolvidas. Quem é bom queimador, por exemplo, pode se deixar queimar de propósito para poder, estando no morto, ajudar os colegas a eliminar mais jogadores do outro time. Pensar sobre isso faz com que mitos sejam derrubados, como achar que ser logo atingido é necessariamente ruim e que o bom jogador é aquele que nunca é queimado.

Durante a reflexão, vale também chamar a atenção da classe: não é necessário ser bom na realização de todos os movimentos (arremessar, agarrar, correr etc.). "Um jogador pode não tocar a bola o jogo inteiro, se preocupando só em fugir para ser o último em quadra, fazendo seu time vencer", diz Marcos Garcia Neira, docente da Universidade de São Paulo (USP).

Novos jeitos de jogar desafiam a turma

Ao fim do primeiro jogo, Silva reuniu a turma para discutir as estratégias dos times. Foto: Marina Piedade
Ao fim do primeiro jogo, Silva reuniu a turma para discutir as estratégias dos times

Para enfatizar o trabalho tático e o espírito de equipe, Silva propôs uma variedade de queimada em que o morto de cada time tem três partes: além do tradicional fundo, inclui as laterais. Os estudantes tiveram de desenvolver outras estratégias, já que quem estava naquela área tinha mais possibilidades para ajudar o time a queimar os adversários. Se a bola sai para uma das laterais, uma das possibilidades do jogador que está ali é, em vez de tentar queimar algum oponente, passar a bola para um colega na outra lateral. Ele, por sua vez, tenta queimar um dos adversários, que são surpreendidos. "Cooperar faz parte dos jogos competitivos", enfatiza Neira.

Outra variação do jogo praticada pela turma foi a queimada invertida. "Todos os jogadores começam no cemitério e quem queima o adversário entra em quadra. Vence a equipe que vai para a quadra primeiro", explica Marcos Santos Mourão, professor da Corpo Educação, em São Paulo. Nessa modalidade, quem já saiu do cemitério tem de colaborar com os colegas que ainda estão lá, dando dicas para que saiam também.

Silva ainda explorou outras variedades para avaliar a criançada: usou mais de uma bola ao mesmo tempo e mudou as partes frias do corpo (que não podem ser queimadas). "Temos de dar chance para todos participarem e usarem seus pontos fortes a favor da equipe."

1 Pensando nos movimentos Converse com os alunos sobre a queimada. Que regras eles seguem? Convide-os para brincar e proponha atividades de prática e reflexão sobre os movimentos básicos: arremessar, agarrar e desviar da bola e correr. Para isso, organize duplas e apresente a queimada individual, em que não há separação por times.

2 Criando as estratégias Proponha que a turma brinque seguindo as regras que conhece.Observe atentamente as táticas de cada time. Depois, reúna a classe e converse sobre o jogo. Quais as principais reclamações? E as soluções que a turma sugere? Incentive a criação de estratégias, deixando claro que jogar bem não signifca só ser bom queimador.

3 Conhecendo novidades Varie as modalidades de queimada de acordo com os objetivos. Proponha que os estudantes usem duas ou mais bolas em campo, por exemplo. Assim, eles vão perceber que a organização em quadra deve mudar para diminuir a probabilidade de alguém ser atingido.

Veja mais sobre

Últimas notícias