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Jornalismo

Recorte e costura de fatos

Selecionar, tematizar, conceituar, variar. Novas formas para dar aulas mais dinâmicas sobre o extenso passado da humanidade

PorPriscila Ramalho

30/11/2001

Dilene utiliza diversos recursos para fazer o planejamento, incluindo músicas do padre Marcelo, que tornam as atividades mais atraentes: várias formas de abordar o conteúdo. Foto: Katiê Müller
Dilene utiliza diversos recursos 
para fazer o planejamento, incluindo 
músicas do padre Marcelo, 
que tornam as atividades mais 
atraentes: várias formas de abordar 
o conteúdo. Foto: Katiê Müller

Sessenta séculos de História desde a invenção da escrita, sem falar nos outros milhares de anos do período pré-histórico. Como transformar esse monte de informação em aulas interessantes para adolescentes que estão mais preocupados com as últimas novidades do dia anterior?

"Recortando", sugere o professor Oldimar Pontes Cardoso, coordenador da área de Humanas da Escola da Vila, em São Paulo. "Nunca é possível falar tudo sobre um tema", justifica ele. "A História é muito ampla, existem muitas formas de contá-la." Entre os vários tipos de recorte que se pode adotar, Cardoso destaca o espacial, o cronológico, o conceitual e o temático. Neste último, os conteúdos têm de ser costurados por assuntos-chave, como economia, cultura, cotidiano, movimentos sociais ou ideologias.

"É preciso acabar com a idéia de que a História é formada apenas pelos acontecimentos políticos", concorda Flávio Trovão, especialista em Metodologia de Ensino e professor das Faculdades do Brasil, em Curitiba. Ele explica que existe uma infinidade de temas que podem ser escolhidos, levando em consideração o momento que o mundo atravessa, a realidade da turma e os próprios conteúdos que serão abordados pelo professor. "É difícil falar sobre a Roma antiga pelo viés econômico", exemplifica.

Ensinar História é muito mais do que falar sobre os acontecimentos do passado, decorar datas importantes e conhecer personagens que marcaram época. Existem competências, como a de interpretar documentos, a de realizar debates e a de produzir textos científicos, que encontram na disciplina um terreno muito fértil para se desenvolver. E que, portanto, também devem aparecer estruturadas entre os esquemas do plano de aula.

Debate e polêmica

"Cabe a nós, professores, casar os conteúdos procedimentais aos factuais, de maneira que ambos sirvam de apoio um ao outro", diz Trovão. Ou seja, o debate é uma boa estratégia para falar sobre fatos polêmicos, assim como os fatos polêmicos são um ótimo meio para estimular o debate. "O bom planejamento é aquele que atinge essa integração, sem deixar lacunas."

Para alcançar as tais aulas interessantes citadas no início da reportagem, porém, não basta dividir os acontecimentos pela grade semanal de horários. É preciso pensar no enfoque que será dado ao conteúdo, na forma como ele será abordado e, principalmente, em que ponto se pretende chegar.

A questão que muita gente coloca é se os livros didáticos e as apostilas representam um obstáculo a essa forma de trabalho, mais dinâmica e aberta a mudanças. A professora Dilene Bachiega Simões, do Colégio Positivo Júnior, em Curitiba, mostra que esse é um falso dilema. Para enriquecer o material adotado pela escola, ela vive recortando artigos interessantes nos jornais, gravando documentários exibidos pela televisão e anotando nomes de músicas. "Um dos caminhos é correr atrás de novas fontes: pesquisar documentos na biblioteca da cidade, garimpar filmes na locadora, pedir paradidáticos para as editoras", aprova Trovão.

Monges e padre Marcelo

Adepta da abordagem temática, Dilene começa o planejamento definindo os temas que conduzirão as aulas. Em seguida, vai buscar possíveis ganchos com os conteúdos que constam da apostila. "Procuro passar por todos os assuntos, mas de uma forma mais dinâmica e sempre contextualizando-os para melhorar a abordagem", ensina.

Partindo do tema da fé, ela falou da Igreja, da Inquisição, das Cruzadas e do Renascimento. Para esquentar o assunto, levou para a classe um CD de canto gregoriano e outro do padre Marcelo Rossi. Enquanto as crianças escutavam as músicas, a professora perguntava e registrava as impressões delas. "O canto gregoriano é a voz de uma igreja de discurso único, que valorizava a tristeza e controlava a vida dos cidadãos", analisa. "Já as músicas do padre Marcelo refletem o apelo comercial e a multiplicidade religiosa de hoje."

Esse tipo de associação, é claro, não surge de uma hora para outra. É fruto de muito trabalho e organização. Tanto que Dilene começa a pensar em como será o próximo ano letivo ainda antes do final do anterior. Essa preparação é feita em reuniões com os colegas da área. Depois, ela volta para casa e reflete sobre o que foi conversado com o grupo para decidir como trabalhar.

No início das aulas, a professora já sabe quais os grandes temas a abordar e os conteúdos a costurar em cada um. Também separou material que pode ser utilizado e pesquisou as datas comemorativas, selecionando aquelas que têm relação com a disciplina, dentro desses objetivos pré-estabelecidos. "É importante antecipar esses acontecimentos que ganharão espaço na mídia e que despertarão o interesse das crianças", elogia Trovão, que ressalta a importância de programar as chamadas aulas-passeio.

Visitar e conduzir

Sair da sala de aula é sempre uma estratégia válida. Quebra a rotina e envolve mais os alunos no tema estudado. Quando o estudo inclui uma visita a museu, no entanto, é recomendável que o professor faça uma visita ao local antes de levar a turma. Se isso não for possível, ele deve pedir informações detalhadas sobre o acervo. "O que não pode acontecer de jeito nenhum é ele chegar lá e descobrir as coisas junto com o aluno", alerta Trovão. "Ele tem de conduzir, encaminhar o conhecimento."

Dilene faz os planos de aula com cerca de um mês de antecedência. É nessa hora que ela afina os objetivos e reflete com mais calma sobre a maneira de abordar cada tema. "Quando entro na sala já sei exatamente onde quero chegar naquele dia", garante ela.

E se não conseguir? Bem, aí é hora de parar e traçar novos caminhos. "O professor tem de estar atento e disposto a rever os planos no caso de a aula não dar Ibope ou de surgir algum imprevisto", analisa Trovão. "O planejamento é o norte, mas nunca deve ser transformado numa camisa de força."

A História é importante porque

? transforma o indivíduo num sujeito consciente de sua identidade e de seu papel na sociedade

? exercita o poder de crítica e a disposição para promover transformações

? abre os olhos para os vários lados de um mesmo acontecimento, derrubando verdades absolutas

? oferece explicações para questões do presente e do passado

? permite o conhecimento de outras culturas e organizações sociais, desfazendo mitos e favorecendo a construção de interpretações individuais do mundo

? desperta a consciência para a preservação do patrimônio sociocultural

? ensina competências úteis em outras áreas do conhecimento, como ler textos científicos e jornalísticos, realizar debates e produzir documentos históricos

Quer saber mais?

Colégio Positivo Júnior, R. Marcelino Champagnat, 733, CEP 80710-250, Curitiba, PR, tel. (41) 335-3535

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