A luz muito além da ótica
Para alguns, estudar energia luminosa se resume a algumas aulas chatas sobre reflexo e refração. Solange inovou. Mostrou a importância da luz na filosofia, na arte e no avanço das ciências
28/02/2006
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Jornalismo
28/02/2006
No ano passado, Solange de Almeida Cardozo, 51 anos, recebeu da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) um convite para trabalhar de forma interdisciplinar os conceitos de ótica com seus alunos da 8ª série da Escola Municipal Reverendo Martin Luther King, na capital fluminense. Além do conteúdo de Ciências, eles estudariam filosofia e artes. Será que topariam? A resposta foi imediata. A turma adorou a idéia e se empenhou num projeto que durou três meses. Solange, que leciona há 28 anos, ficou surpresa ao descobrir que alguns até conheciam certos filósofos. Sua satisfação foi completa quando viu que, além de a turma estar craque nos conceitos óticos, também havia aprendido sobre a importância de respeitar a cor, as idéias e as escolhas e a individualidade de cada um - temas que surgiram nas discussões propostas. A professora mostrou que a luz não é apenas um efeito físico, que serve para iluminar os papéis que lemos. A palavra também traz em si o significado de liberdade.
Passo-a-passo e metodologia
1. A luz no século 17: instrumento de trabalho
Solange trouxe para a aula a biografia e alguns textos do filósofo holandês Baruch Spinoza, que viveu no século 17 e ganhava a vida polindo lentes - artefato, naquela época, estudado e utilizado pelos cientistas (nas lunetas e microscópios) e pelos pintores (na projeção de imagens para pinturas realistas). Como o nome da escola em que Solange leciona é Reverendo Martin Luther King (1929-1968), ela desafiou os alunos a comparar a obra de ambos, de épocas tão diferentes, para verificar quais eram as semelhanças entre suas idéias. Em seguida, a turma assistiu ao filme inglês Moça com Brinco de Pérola, de Peter Webber, para conhecer um pouco da história do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675). O filme foi fonte de aprendizagem, pois mostra imagens da Holanda do século 17, as roupas da época, as relações sociais, o uso das lentes e da câmara escura, a questão da luz, da cor e das sombras na pintura, além da fabricação artesanal de pigmentos. Após a apresentação, os estudantes discutiram em sala sobre o que viram e foram apresentados a algumas obras do pintor.
2. Refletir para respeitar
Inspirados no personagem do filme, os jovens foram para o laboratório estudar os conteúdos químicos envolvidos no preparo dos pigmentos. Com tintas naturais em mãos, eles embelezaram os bancos do laboratório. O passo seguinte foi uma oficina sobre as cores do ponto de vista da Física. Solange colocou lâmpadas dentro de latas de leite em pó e, na abertura de cada uma, prendeu papel celofane colorido. O objetivo era mostrar as cores que surgiam projetadas na parede quando raios de luz de várias cores se cruzavam. Os alunos viram que essas combinações eram diferentes das feitas com pigmentos. Tudo ia muito bem até que dois alunos começaram a discutir. As ofensas eram preconceituosas. "Eu não poderia dar aulas sobre luz e deixar aquela situação passar em branco", afirma Solange. Ao discutir o significado da palavra luz, Solange mostrou a importância da liberdade e do respeito. Os alunos debateram sobre violência policial, racismo, violação dos direitos humanos, questões de gênero e omissão da sociedade civil. Numa escola da periferia do Rio de Janeiro, os jovens começavam a perceber que poderiam fazer muito mais por si mesmos e pelos outros se respeitassem o próximo, abrissem mão da violência e do preconceito e usassem as informações para exigir seus direitos. Dessa atividade saíram letras de rap, cartazes, poemas, esquetes e danças.
3. Os alunos viram construtores
Para retomar o conteúdo de Ciências, Solange escreveu na lousa o nome de diversos artefatos óticos, como espelho, binóculo, caleidoscópio, câmara escura e óculos, além do olho humano. Alguns alunos já estavam tão envolvidos com o assunto que até sugeriram artefatos que não constavam da lista de Solange, como o disco de Newton. Cada grupo escolheu um deles para pesquisar os conceitos envolvidos no seu funcionamento e confeccioná-lo. Após a pesquisa, os estudantes elaboraram um pré-projeto para a realização de um seminário. Escreveram sobre o conteúdo, os materiais a serem utilizados e como seria a apresentação para a classe. Na aula seguinte, os grupos mostraram seus artefatos e explicaram os conceitos que havia por trás deles. Para que a turma inteira aprendesse sobre todos os conceitos, após cada apresentação Solange reforçava a explicação e, em outras aulas, ia além usando o livro didático. Em seguida, ela realizou, com a professora de Artes, oficinas de desenho com lápis preto e carvão para trabalhar luz e sombra. Por fim, ela lançou a questão: o que é o preto e o branco no campo das artes, da física e da biologia? "Os alunos viram que não é branco ou preto. É o branco e o preto, e o amarelo, e o verde...", comemora Solange.
Ciências
TEMA DO TRABALHO
Energia luminosa
8ª série
Objetivos e conteúdos
Solange queria que os alunos aprendessem os fenômenos óticos ao estudar a filosofia, as artes e a ciência do século 17, época em que a luz estava sendo explorada nas diversas áreas do conhecimento.
A professora ensinou refração; reflexão sobre diferentes espelhos; ação do olho humano; funcionamento de instrumentos como câmara escura, óculos, lupa e microscópio; e como a luz branca se decompõe nas cores que formam o arco-íris.
Avaliação
Solange observou os alunos durante as atividades e analisou os artefatos construídos por eles e a participação nas discussões para avaliar o empenho, o envolvimento e a aprendizagem. Ela lançou mão também da auto-avaliação dos estudantes em relação ao projeto.
Quer saber mais?
Escola Municipal Reverendo Martin Luther King, R. Joaquim Palhares, 648, 20260-080, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 2273-2544
Solange de Almeida Cardozo, solcid@alternex.com.br
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