Esta é a primeira aula de uma sequência didática composta de cinco aulas que introduzirão o tema sobre padrões de beleza, desempenho e saúde, presentes em nossa sociedade.
O primeiro ponto para refletirmos nesse conjunto de aulas refere-se à noção de que somos corpo e nossa corporeidade nos define. Ao mesmo tempo, numa sociedade midiática como a nossa, a veiculação extravagante de imagens transmite e incute em cada um de nós padrões de corporeidade em que o corpo predominante é o branco, esguio, com musculatura definida e jovem. Desse modo, consciente ou inconscientemente, somos confrontados com o que somos e com o que um sistema hegemônico estabelece ser aceitável em termos de padrões de beleza, desempenho e saúde. O desencontro entre ambas as noções leva muitos jovens a comportamentos que denotam efeitos negativos à saúde mental e a abusos com o uso de suplementos e substâncias proibidas.
Vale considerar, inicialmente, o conceito de estética e seus desdobramentos. A estética tem origem no grego, aistheiké, que significa “perceptível aos sentidos”, ou seja, o que pode ser percebido como agradável e belo pelos sentidos. Pode-se dizer que ela apresenta três dimensões que conversam entre si, sendo elas: sensação, racionalidade e sentimento.
Ao longo dos anos, a cultura do corpo e da estética fez com que o corpo tomasse a forma de expressividade de beleza e sedução dentro da sociedade, em especial o corpo feminino. No campo da Educação Física, vale considerar os estudos de Silvana Goellner, que fez um levantamento das imagens retratando o corpo feminino na Revista de Educação Physica entre a década de 1930 e 1945. (Ver, por exemplo, Goellner, 1999 e 2008, links a seguir). Goellner analisa ainda os discursos e saberes veiculados nessa revista indicando como se preconizava um corpo ideal feminino: branco de um lado, vigoroso para a maternidade de outro, discorrendo sobre padrões sociais balizados por preconceito racial e de gênero.
Para um melhor entendimento, faz-se necessário uma viagem pela história, brevemente, porém, com o olhar para as diferentes maneiras que o corpo, a sexualidade e o gênero eram vistos. Segundo Barbosa; Matos e Costa (2011), podemos dividir essas fases históricas em cinco grandes momentos, sendo eles:
- A idealização do corpo: a Grécia antiga.
- Um corpo em silêncio, proibido: o Cristianismo.
- O desprezo e a mortificação do corpo/o corpo paradoxal: a Idade Média.
- O novo corpo: a Era Moderna.
- A crise do corpo: os nossos dias.
Os gregos valorizavam a beleza do corpo saudável e com proporções, que era enaltecido pela sua saúde, capacidade atlética e fertilidade. Para eles, cada idade possuía sua própria beleza corporal, e o estético, o físico e o intelecto (cognição) faziam parte de uma eterna busca na direção do perfeito, sendo que o corpo belo era tão importante quanto uma mente brilhante (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011).
Interessante que, com o advento do Cristianismo, observa-se uma nova percepção sobre o corpo, que passa a ser uma fonte de pecado, surgindo, assim, a ideia do “proibido”. Nesse ponto, evidencia-se a dicotomia entre corpo e alma, em que a força e a altivez da alma prevalecem sobre os desejos pagãos do corpo. Podemos dizer que:
O bem-estar da alma deveria prevalecer acima dos desejos e prazeres da carne. O corpo, prisão da alma, era, pois, um vexame, devia ser escondido. Então, durante os mil e quinhentos anos seguintes - do decreto de Teodósio suprimido em 393 com os jogos olímpicos até à sua restauração pelo Barão de Coubertin em 1896 - o Ocidente, vexado de si mesmo, carregado de culpas por ser feito de carne e de sexo, assaltado por pudores, encobriu os seus membros e os seus músculos. (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011, p.26)
Já na Idade Média, observamos o corpo como um instrumento de consolidação das relações sociais, pois as características físicas, como a altura, a cor da pele e o peso corporal, associados ao vínculo que o indivíduo mantinha com a terra, eram determinantes na distribuição das funções sociais. Com o domínio do Cristianismo durante a Idade Média, a noção de corpo e suas vivências eram totalmente influenciadas pela presença da instituição religiosa. Podemos dizer que o homem medieval era contido e via o corpo como algo relacionado ao terreno, o material. Corpo este que assume um papel de culpa, de perversidade, que necessita ser dominado e purificado pela punição, buscando sempre a glorificação e salvação (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011).
Contudo, no Renascimento, com o advento da ciência, há uma busca pela libertação do ser humano, e a concepção de corpo acaba por sofrer consequências deste processo. Sendo assim, podemos dizer que o corpo passa a ser visto como um objeto de estudo e experiências, em que o teocentrismo dá lugar ao antropocentrismo. Surge, então, a ideia do corpo investigado, anatômico, descrito, analisado e biomecânico. Por outro lado, o pensamento iluminista acaba por negar a vivência sensorial e corporal, atribuindo, assim, um lugar inferior em relação à alma (resgatando e ampliando a dicotomia corpo e alma). Paralelamente, podemos observar que, com a necessidade de manipular e dominar o corpo, observa-se que o homem é um ser moldável e passível de exploração, o corpo então passa a servir à razão (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011).
O surgimento desta razão acaba por trazer novas perspectivas para o corpo e suas funções, em especial no que tange às relações da época, para entender sobre, destacamos o seguinte trecho do texto:
Com o crescimento e o aperfeiçoamento da produção agrícola e dos meios de transporte da sociedade feudal, assim como o acréscimo da produtividade agrícola aliado à expansão comercial, promovem-se algumas das condições necessárias para o desenvolvimento da indústria moderna. Estas modificações, aliadas a mudanças sociais, desembocaram no surgimento do sistema capitalista. A forma de produção do sistema capitalista, a partir do século XVII, causou uma mudança drástica nas relações com os trabalhadores. Com o início da revolução industrial a divisão técnica do trabalho acabou por reduzir o trabalho a uma simples acção fisiológica, desprovida de criatividade (o trabalho em série). Nesta lógica de produção capitalista o corpo mostrou-se tanto oprimido, como manipulável. Era percebido como uma “máquina” de acúmulo de capital. Deste modo, os movimentos corporais passaram a ser regidos por uma nova forma de poder: o poder disciplinar. (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011, p.28)
Dito isso, uma reflexão a ser feita é que o ser humano passa a ser colocado a serviço da economia e, consequentemente, da produção, gerando um corpo que produz, ou seja, ter saúde nesse momento é fundamental para produzir mais e isso reflete em uma adaptação aos padrões de beleza e consumo.
No mundo de hoje, observa-se que este comportamento pela busca do corpo ideal ainda está muito presente, e pode-se constatar esta questão quando se observa o aumento do número de intervenções cirúrgicas ligadas às questões estéticas, com o intuito de se adequar a um suposto padrão de beleza. Pode-se dizer que:
O corpo é construído, decorado e expressa-se individualmente, é um projecto pessoal, flexível e adaptável aos desejos do indivíduo. Estas novas noções de corpo estão também relacionadas com as alterações sociais provocadas pelos estudos feministas das décadas de 60 e 70, sobre as diferenças entre homens e mulheres serem baseadas em factores históricos e culturais e não, como até então, em factores exclusivamente biológicos e sexuais. Com efeito, são as propostas sociobiológicas que se impõem na definição de corpo no século XX. Com a busca da produção, homens e mulheres tentam adaptar-se como indivíduos ao grupo social, nem que para isso desistam, inúmeras vezes da sua liberdade de acção e expressividade. (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011, p.29)
Esses padrões de beleza são alvos das mais diversas formas de publicações midiáticas, forçando muitas pessoas a se enquadrarem ou a conviverem com o sentimento de exclusão.
Sendo assim, vale destacar que é de suma importância que estes conceitos e reflexões venham a elucidar e pontuar o reconhecimento das diferenças e as possibilidades do corpo, não só no âmbito da estética, mas fazendo um contraponto do corpo como um produtor de conteúdo que deve romper com a lógica de padronização humana. Dessa forma, a beleza natural de cada indivíduo é vista como uma forma de resistência que tende a romper com o modelo vigente de sociedade que impõe e administra padrões estéticos em termos objetivos e subjetivos.
Conceitos importantes, como saúde, sedentarismo, obesidade e nutrição devem ser bem trabalhados e exemplificados. Para ajudar nesse processo, disponibilizamos essas informações no seguinte quadro:
Saúde
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Estado geral de equilíbrio no indivíduo, em seus diferentes aspectos e sistemas que caracterizam o homem; biológico, psicológico, social, emocional, mental e intelectual, tendo como resultado a sensação de bem-estar.
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Sedentarismo
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Comportamento onde existe uma baixa prática de atividade física, não atingindo as recomendações mínimas do Colégio Americano de Medicina Esportiva, ou seja, 150 minutos de atividade física moderada por semana.
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Obesidade
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A obesidade é uma doença complexa, multifatorial e um importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo, caracterizando-se por uma resultante do acúmulo de excesso de gordura corporal.
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Nutrição saudável
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Uma alimentação saudável é aquela que garante, em especial, que seu organismo esteja recebendo todos os nutrientes de que ele precisa. É necessário pensar em variedade, equilíbrio, quantidade e na segurança dos alimentos que estão sendo ingeridos.
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Fonte: adaptado de Borim et al. (2020); PHILIPPI (2014).
Bibliografia
BARBOSA, M. R.; MATOS, P. M.; COSTA, M. E. Um olhar sobre o corpo: o corpo ontem e hoje. Psicologia & Sociedade [online], 2011, v. 23, n. 1, p. 24-34. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-71822011000100004. Acesso em 24 out. 20021.
BORIM, M. L.; FERNANDES, C. A.; COSTA, M. A.; CHRISTINELLI, H.; STEVANATO, K.; HENRIQUE, J. T. Prevalência de sedentarismo em adultos obesos e sobrepesados. Revista Enfermagem Atual In Derme, v. 92, n. 30, 30 jun. 2020.
BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 5 out. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia de Atividade Física para a População Brasileira [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Brasília:Ministério da Saúde, 2021. 54 p.: il. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_atividade_fisica_populacao_brasileira.pdf. Acesso em: 05 out. 2021.
GOELLNER, S. Bela maternal e feminina: imagens da mulher na Revista de Educação Physica. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, 1999.
Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/2709/000280515.pdf
GOELLNER, S. "As mulheres fortes são aquelas que fazem uma raça forte": esporte, eugenia e nacionalismo no Brasil no início do século XX. Revista de História do Esporte, v.1, n.1, 2008. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2693459.
PHILIPPI, S. T. Alimentação saudável e o redesenho da pirâmide dos alimentos. In: Pirâmide dos alimentos: fundamentos básicos da nutrição. [S.l: s.n.], 2014.