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Jornalismo

A teoria de Einstein se comprovou aqui

As ondas gravitacionais são o mote para ensinar noções de distâncias no Universo

PorPaula PeresRosi RicoLucas Freire

05/05/2016

Há mais de 100 anos, Albert Einstein (1879-1955) criou a famosa Teoria da Relatividade. Mas apenas neste ano um grupo de físicos conseguiu comprovar parte dela ao detectar ondas gravitacionais, emitidas a partir do choque entre dois buracos negros. Dito assim, não parece grande coisa. No entanto, essa é possivelmente uma das maiores descobertas científicas atuais e abre espaço para novos estudos sobre o Universo. O físico brasileiro Marcelo Gleiser, do Dartmouth College, nos Estados Unidos, explica o que são as tais ondas gravitacionais em artigo exclusivo para NOVA ESCOLA. Se quiser pular para lá e voltar, a gente espera. 

Pronto? Mesmo com o estilo superdidático do Gleiser, você deve ter notado que o conteúdo é complexo. A vontade de levar atualidades para as aulas de Ciências é sempre bem-vinda. No entanto, nesse caso, é preciso cautela. "A ideia de ondas gravitacionais envolve conceitos abstratos, como a noção de campo gravitacional e de perturbação no tecido tempo-espaço. São saberes não estruturados no 9º ano", alerta Cristian Annunciato, consultor da Abramundo.

A descoberta pode ser um mote para falar de unidades de grandeza e velocidade, conceitos introdutórios de Física abordados no Fundamental. O que significa dizer que o choque entre os dois buracos negros ocorreu a 1,3 bilhão de anos-luz da Terra? "A garotada é muito interessada em astronomia, e a noção de ano-luz é essencial para iniciar a discussão e tentar ter uma dimensão do tamanho do Universo", diz Thaísa Storchi Bergmann, do grupo de pesquisa em Astrofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Comece falando de referências mais próximas. "No dia a dia, usamos unidades de medida correspondentes às nossas necessidades, como metros e quilômetros", diz Lucas Guimarães Barros, colaborador do Observatório Didático de Astronomia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Mas, quando o assunto é o Universo, elas se tornam irrelevantes. Vale, então, explicar que foi necessário criar algo que desse conta de trabalhar essas grandes distâncias. "A velocidade da luz não é infinita, mas é a mais rápida no vácuo. Por isso, usaram-na como parâmetro para criar essa nova unidade de medida', diz Thaísa (veja escala na imagem).

Assim, quando falamos em 1 ano-luz, nos referimos a uma distância que demora um ano para ser percorrida na velocidade da luz. Dizer que o Sol, nossa maior fonte de energia, está a 8 minutos-luz da Terra, significa que esse é o tempo que a luz demora a chegar até nós - uma diferença curta, praticamente o presente com um pequeno atraso. Quando, porém, miramos a estrela Sirius, a 8,6 anos-luz de nós, as coisas ficam muito maiores. "Quanto mais distante está o astro observado, mais antigo é esse registro", diz Thaísa. "É por isso que dizemos que, ao apreciarmos o céu estrelado à noite, estamos olhando para o passado, para um brilho que já se perdeu", completa Cristian.

Também é possível trabalhar localização com a turma. Para ajudar os alunos a entender o lugar que ocupamos, Cristian sugere ao docente perguntar onde estamos. Comece incentivando que os estudantes partam do micro, no caso, a sala de aula. A provocação pode continuar: a escola fica dentro de onde? E o bairro? E a cidade? É provável que eles cheguem até o Sistema Solar, mas há grupos muito além desses (veja o mapa que abre esta reportagem). Dá para fazê-los enxergar ainda mais longe.


Quando o espaço vibra

MARCELO GLEISER

Professor titular de Física e Astronomia no Dartmouth College, nos Estados Unidos. Foto: Denise Andrade/AGE

Ao falar de espaço, imaginamos uma espécie   de palco onde as coisas acontecem: o carro passa, o avião voa, nós andamos na rua. Quando falamos de tempo, imaginamos algo como um rio, fluindo sempre do mesmo jeito. São essas noções de espaço e tempo "absolutos" que constituem a base da teoria de Isaac Newton (16431727) sobre a força da gravidade. Você conhece a fórmula: dois ou mais objetos se atraem em proporção direta ao valor de suas massas e inversa ao quadrado de sua distância. Quando perguntaram ao Newton como que essa força fantasma se propagava no espaço, o físico e matemático inglês preferiu não adivinhar. "A teoria funciona e isso já é o suficiente", disse. Realmente, é estranho imaginar que dois corpos podem interagir à distância sem se tocar. Como, por exemplo, o Sol atrai a Terra (e a Terra atrai o Sol) mesmo separados por uma distância de 150 milhões de quilômetros? Que enormes braços invisíveis são esses?

A teoria de Einstein mudou tudo isso. Segundo ela, o espaço não é uma entidade absoluta, mas algo plástico, como uma espécie de cama elástica. Quando não tem ninguém sobre ela, a cama elástica é plana feito a superfície duma mesa. Se jogamos uma bolinha de gude sobre ela, a bolinha andará em linha reta. Mas se alguém pisa na cama elástica, ela encurva sob os pés dessa pessoa. Agora, ao jogarmos a bolinha de gude, observaremos que sua trajetória será curva e não mais reta. Einstein teve a sacada genial de sugerir que a gravidade nada mais é do que a curvatura do espaço causada por uma massa: quanto maior a massa, mais curvo o espaço e mais distorcida a trajetória de objetos que passam perto dela. Essa é a ideia central da Teoria da Relatividade Geral. Como, na teoria, o tempo está ligado ao espaço, a deformação do espaço afeta a passagem do tempo: quanto maior a massa, mais devagar o tempo passa! Um relógio na superfície do Sol bate mais devagar do que aqui na Terra.

As ondas gravitacionais ocorrem quando as massas que curvam o espaço estão em movimento. Se uma pessoa pula na cama elástica ritmicamente, criará ondas que irão se propagar até a borda. Alguém sentado na borda vai sentir isso. Pois bem, quando duas massas giram uma em torno da outra, vão perdendo energia. O que Einstein sugeriu em 1916 com base na teoria geral era tão contraintuitivo que quase ninguém acreditou nele: não só o espaço e o tempo seriam deformáveis, como poderiam ondular como se fossem um oceano. Deveriam existir, portanto, "ondas gravitacionais".

Foi esse efeito, minúsculo, que foi medido em setembro de 2015, após décadas de buscas frustrantes. Dois times de cientistas nos Estados Unidos montaram antenas ultrassensíveis, capazes de medir distâncias menores do que o diâmetro de um átomo. Se uma onda gravitacional passasse, essas distâncias iriam mudar. O sinal detectado veio de dois buracos negros girando um em torno do outro que acabaram colidindo num evento apocalíptico. Um deles tinha massa 29 vezes maior do que o Sol e o outro 36 vezes. Mais incrível ainda, a 1,3 bilhão de anos-luz de distância. A colisão impressionante converteu o equivalente a três massas solares em ondas gravitacionais em segundos, com uma potência total 50 vezes maior do que o Universo inteiro! Quem acha que não há mágica na natureza, deve ver o que anda acontecendo em astrofísica.

O que Albert Einstein  sugeriu em 1916 era tão contraintuitivo que quase ninguém acreditou nele: não só o espaço e o tempo seriam deformáveis, como poderiam ondular como  se fossem um oceano. Deveriam existir "ondas gravitacionais".


Ilustrações: Estúdio Rufus

 

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