E se fez a... sombra!
Ao brincar com o contorno de objetos expostos à luz, a turma de pré-escola entra em contato com conhecimentos científicos
04/09/2016
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Jornalismo
04/09/2016
Bichos projetados na parede e monstros de duas cabeças no pátio da escola! A turma de 5 anos de Andréa Cordeiro, da Escola Projeto Vida, em São Paulo, já brincava com as próprias sombras sempre que as via projetadas no chão. Foi quando a professora propôs um estudo sobre esse fenômeno. Como as figuras aparecem? Por que elas são sempre escuras? Procurando responder a perguntas como essas, as crianças entraram em contato com conhecimentos científicos referentes ao estudo de objetos e seus processos de transformação, parte do capítulo Natureza e Sociedade do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia constatou que 59% dos brasileiros têm pouca ou nenhuma curiosidade por Ciências. A justificativa: a maioria não entende os assuntos relacionados a essa área do conhecimento. Os analistas apontaram que entre os motivos do desinteresse está a deficiência no ensino dos temas relacionados à área, que deveria fazer parte do currículo desde a Educação Infantil. O Edudata Brasil, programa que apresenta estatísticas do Ministério da Educação, revela que, em 2006, das 170 mil escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, apenas 15 mil tinham laboratório de Ciências (8% do total).
Uma das maneiras mais eficientes de trabalhar esses conteúdos é aproveitar a curiosidade natural dos pequenos. Em vez de propor atividades que fiquem restritas à observação de fenômenos, o ideal é fazê-los levantar hipóteses, realizar eles mesmos os experimentos e tirar conclusões. Essa é a proposta do ABC na Educação Científica - Mão na Massa, um projeto surgido na França. No Brasil, ele é coordenado pelo físico e educador Ernst Hamburguer, ex-diretor da Estação Ciência da Universidade de São Paulo. Os profissionais que ali trabalham foram os responsáveis pela capacitação dos professores na Projeto Vida. Durante alguns meses, o formador João Bório ensinou à equipe a melhor maneira de abordar os conteúdos em sala (leia sobre alguns conceitos no quadro abaixo).
Ao trabalhar com a Ciência, a professora fez a classe se aproximar de forma lúdica e prazerosa de conceitos de ótica - parte da Física que estuda a luz, sua formação e a interação com a matéria. Apesar de não ser indicado dar definições científicas nessa fase da escolaridade, é importante e indispensável que você conheça muito bem os conceitos e tenha-os claros antes de propor as atividades, pois perguntas não vão faltar. Aqui estão alguns deles:
Baseada nessas propostas, Andréa, com a ajuda da coordenadora pedagógica da escola, Débora Rana, desenvolveu uma seqüência didática sobre luz e sombra. Tudo começou com uma diversão que, aos poucos, foi se transformando em saber e dando lugar a procedimentos de pesquisa. Mas é bom esclarecer que ninguém chega a definições complexas dos conceitos envolvidos nos experimentos. Nessa idade, o objetivo é fazer com que a turma aprenda a nomear os eventos observados durante a brincadeira e consiga identificá-los em outras situações.
Apesar disso, quem vai ensinar precisa se preparar muito bem. O conselho é de Luciana Hubner, consultora em Educação Infantil, de São Paulo: "Só dominando o conteúdo é possível organizar atividades com consistência e fazer uma escuta atenta das observações feitas pela turma". Andréa teve contato com princípios da ótica - parte da Física que estuda os fenômenos ligados à luz e sua interação com a matéria, ou seja, como ela é produzida, transportada e refletida em superfícies lisas (como a do espelho) ou ásperas (como o chão de cimento). Ela aprendeu também de que forma se dá a sua propagação em diferentes meios (água, vidro, plástico) e a absorção. Só assim ela afirma ter dado conta de trabalhar com tanta coisa interessante.
Ao realizar a avaliação inicial sobre o que os pequenos intuíam sobre o assunto, ela leu para eles uma história em que as sombras eram personagens e perguntou como achavam que elas surgiam. Um dos garotos respondeu: "Elas aparecem de dia... Tem de ter dia". Uma observação interessante fez outro menino: "Elas sempre ficam atrás da gente". Mas com a ressalva de um colega: "Não no teatro de sombras! Lá elas ficam na nossa frente".
Na atividade com lanternas, a garotada percebeu que as sombras não apareciam quando o ambiente estava totalmente escuro. "E tem de ter um lugar, qualquer lugar, para elas aparecerem", disse uma menina, abrindo a possibilidade de a professora intervir utilizando a nomenclatura correta: "Para haver sombra é preciso ter fonte de luz, objeto e anteparo".
Os novos conhecimentos foram bem registrados. Para que nada se perdesse, Andréa organizou um portfólio para cada um. Ele foi montado com folhas de diferentes cores que se intercalavam: as brancas eram para anotar, em forma de desenho ou escrita, as hipóteses levantadas antes do experimento; nas amarelas, as observações feitas durante o estudo, tendo a professora como escriba (ela escreveu nos cadernos o texto ditado por cada um); e nas verdes, a conclusão a que o grupo chegou, também com Andrea sendo a escriba do grupo. Mas, dessa vez, era um papel impresso, digitado por ela no computador, seguindo as conclusões do grupo. Os momentos de registro, durante todo o projeto, eram intercalados com as atividades para que nada escapasse no processo de descoberta.
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