Caro amigo leitor,
Nesta semana decidi fazer algo diferente, mas talvez um tanto reprovável. Li cartas que não me pertenciam e, confesso, gostei. As mensagens eram muito antigas, lá dos idos 1700, quando essa ainda era a maneira mais comum de comunicação entre as pessoas. Por essa razão, acredito que minha invasão à correspondência alheia não causará nenhum dano. E mais: recomendo fortemente que você faça o mesmo.
Você deve estar se perguntando de quem são e como as tais cartas chegaram até mim para que eu incentive sua leitura de modo tão convicto… Tudo começou quando vi os primeiros anúncios sobre a adaptação de As Relações Perigosas, de Chordelos de Laclos, para o formato de minissérie na TV Globo – atualmente no ar com o nome “Ligações Perigosas”. Fui pesquisar sobre a obra e descobri que, organizada em forma de cartas, ela já tinha virado peça e vários filmes ao longo dos anos. Me lembrei de ter ouvido falar dos romances epistolares (de “epístola”, sinônimo de carta). Mas as únicas mensagens que eu já havia lido como livro tinham sido as do apóstolo Paulo, organizadas na Bíblia Sagrada.

As Relações Perigosas, de Chordelos de Laclos (480 págs., Ed. Cia das Letras, tel.: 11/3707-3500, 26 reais)
Pesquisei na boa amiga internet e descobri muitas coisas interessantes. Os romances epistolares tiveram seu auge no século 18. Nesse tipo de livro, quem narra a história é o remetente da carta, com propósitos específicos àquele destinatário. No caso de “As Relações Perigosas”, lemos cartas do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil, principalmente, e também da presidenta Tourveil, da sra. de Volanges e de Cecília de Volanges, entre outros. Todos se escrevem entre si. Logo, por vezes, o leitor se depara com um mesmo acontecimento narrado de maneiras bastante distintas. O que é sensacional!
O livro é muito interessante e se faz com base em contradições. Os personagens são complexos, como os seres humanos reais. Dizem uma coisa, fazem outra, mudam de ideia e se arrependem de terem mudado, querem sempre influenciar, mas por vezes são influenciados. A Marquesa e o Visconde brincam de manipular as pessoas ao seu bel prazer. Na verdade, acredito ser esse o cerne do romance: a sedução como jogo para alcançar o poder sobre as vontades e decisões do outro. E é bastante rico acompanhar essa trajetória.
Com relação à escrita, cabe ao autor o compromisso de criar modos de escrever distintos para personagens que possuem formações distintas. Mais do que isso… no caso de Laclos, ainda há espaço para seus comentários ácidos no rodapé de algumas páginas, lembrando a frieza de como são narrados momentos de muita emoção em algumas das cartas.
Ainda não terminei de ler o livro, mas é difícil conseguir parar. Em seguida, quem sabe eu leia outros romances arranjados dessa maneira? Pensando nisso, pesquisei clássicos para uma pequena lista que quero compartilhar com você. Nem toda a literatura epistolar se organiza com múltiplos remetentes e destinatários. Algumas são cartas trocadas entre duas pessoas ou mensagens enviadas, sem as repostas.
Cartas Portuguesas, de Mariana Alcofarado ou Gabriel de Guilleragues (80 págs., Ed. LP&M, tel.:11/3578-6606, 13,90 reais)
Sim, você não leu errado. Existe uma discordância sobre a autoria do livro. Isso porque era comum que se publicasse anonimamente no século 17. Mas, pelo que apurei, a tese mais aceita é a de que o sr. Guilleragues tenha escrito as cartas. O romance é um compilado de epístolas da freira Mariana ao grande amor de sua vida, um oficial francês que trabalha em Portugal, mas tem mulher e filhos em Paris.
Pamela, de Samuel Richardson (392 págs., Ed. Pedra Azul, 46 reais)
A personagem-título da publicação é uma empregada de 15 anos de uma família rica da Inglaterra no século 18. Quando a patroa morre, o filho passa a fazer investidas para que ela se torne sua amante. Mas a garota não cede, o que o deixa ainda mais desejoso por ela. As cartas mostram a tensão, o medo e o desespero da personagem quando parece não saber mais o que fazer para conter os avanços do senhor.
Cartas Persas, de Montesquieu (392 págs., Ed. WMF Martins Fontes, tel.: 11/ 3292-2660, 54,90 reais)
O filósofo francês cria as cartas de dois amigos persas Rica e Usbeck que estão em Paris durante o reinado de Luís XIV e escrevem aos seus conterrâneos sobre o que encontram pela cidade. O livro se configura em uma crítica à sociedade francesa daquele tempo, relativizada em comparação com outra, a persa.
Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe (224 págs., ed. Martins, tel.: 11/ 3106-9133, 46,55 reais)
O jovem Werther é um apaixonado, cujo amor não é correspondido. No livro, o rapaz manda uma série de cartaz ao autor, que faz comentários sobre nome e lugares que teriam sido trocados para proteger os “reais envolvidos”. Existe uma lenda urbana de que, após a publicação, em 1774, houve uma série de suicídios na Alemanha, mas isso nunca foi provado, nem em números nem em sua relação com a obra.
A cor púrpura, de Alice Walker (336 págs., Ed. José Olympio, tel.: 21/ 2585 2000, 45 reais)
Esse livro é bem recente, se comparado aos anteriores. Foi publicado em 1983 e tem como cenário a Georgia (EUA), de 1906. Se você está achando o nome familiar, eu te ajudarei a lembrar. Há um filme maravilhoso de mesmo nome, estrelado por Whoopi Goldberg. Ela vive Celie, uma moça negra e semianalfabeta que havia sido afastada dos dois filhos e “dada” a um senhor que a tratava como escrava e “esposa”. Em meio à luta diária, ela passa a escrever cartas, a maioria destinada a Deus e outras a Nettie, sua irmã que vive fora do país. Até que ela se aproxima de uma cantora, amante de seu marido, e passa a ter novas perspectivas.
Creio que a leitura de quaisquer dessas epístolas será bastante proveitosa à sua dedicação literária. Só não se esqueça de me contar o que descobriu nos comentários abaixo.
Até a próxima carta,
Anna Rachel