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Jornalismo

Hoje, faremos uma viagem à França para uma incursão no trabalho do escritor Gustave Flaubert (1821-1880). Ainda na faculdade li Madame Bovary (496 págs., Ed. Penguin Companhia, tel.: 11/3707-3500, 31 reais), um de seus títulos mais famosos. Já tinha ouvido falar muito bem da literatura de Flaubert. Não era difícil que alguém adjetivasse como “genial” toda sua obra e mais especificamente a trajetória de Emma Bovary. Mas quando a li, me irritei com a protagonista. Para mim não fazia sentido o tédio que a perseguia e a necessidade de libertação tão buscada em seus amantes.

Por muito tempo, guardei para mim essas impressões. Me imaginava sendo recriminada por minha incapacidade de compreendê-la. Certo dia, ouvi uma colega do trabalho comentar o quanto amava o livro e sua ousadia. O entusiasmo dela me fez querer repensar a obra. Porém, deixei para outro momento.

Há quase dois meses, entrevistei o escritor Milton Hatoum aqui para o blog e falamos de sua admiração por Flaubert e especificamente pelo livro Três Contos (160 págs., ed. Cosac Naify, 59 reais), traduzido por ele. Na mesma época, assisti a um vídeo em que a autora Fernanda Torres se debruça em elogios para o inacabado Bouvard e Pécuchet (400 págs., Ed. Estação Liberdade, tel.: 11/3660-3180, 59 reais), do mesmo escritor. Me lembrei da empolgação da minha colega e resolvi repensar Flaubert. Comecei, então, a ler Três contos. Logo de início, descobri que este e Madame Bovary estão entrelaçados.

Flaubert estava há algum tempo tentando escrever Bouvard e Pécuchet. Mas sem conseguir terminá-lo, entrou em uma crise criativa que o angustiava. Em carta escrita à sra. Des Genettes, o autor disse: “Bouvard e Pécuchet era difícil demais, eu desisto; procuro um outro romance, sem encontrar nada. Enquanto isso, vou me pôr a escrever A legenda de São Julião Hospitaleiro, apenas para me ocupar de alguma coisa, para ver se ainda sei fazer uma frase, coisa de que duvido”.

Assim nasceu Três Contos. Nos apêndices, há trechos dessa e de diversas cartas enviadas pelo francês a amigos, parentes e admiradores enquanto escrevia a publicação. Esse material é muito bacana de ler, pois ficam claras as comparações que o próprio autor faz entre a obra anterior e esta agora desenvolvida, além da ansiedade causada pelo lançamento da mesma.

O primeiro conto, chamado Um Coração Simples, o favorito de Hatoum, narra a trajetória de Félicité, uma moça que está sempre buscando alguém para amar, sem ter a recíproca dos amados. Ama a um homem, aos filhos da patroa, a um sobrinho e a um velho a quem cuida. A todo instante vemos sua existência resumida a servir, ao mesmo tempo em que assistimos os servidos sugarem sua benevolência despudoradamente. Mais tarde, sem ter alvos humanos para sua devoção, ela ama um papagaio. Me pareceu uma personagem solitária e triste, carente de atenção, a despeito do que seu nome pode sugerir. Porém, tendo um coração simples, fico com uma ponta de dúvida se nessa simplicidade ela foi feliz.

A legenda de São Julião Hospitaleiro é uma releitura da história ilustrada em um vitral de uma das catedrais de Rouen, a 135 quilômetros de Paris, onde nasceu Flaubert, mas que também tem influências de vários livros com a mesma temática. A história do santo parricida tem ares de tragédia grega. Tudo começa com o nascimento de Julião e as profecias ditas individualmente e em secreto aos pais, que se animam com a santidade e glória destinadas a ele. Já mais velho, é a vez do próprio santo ouvir a profecia de que mataria os pais. Com medo da tragédia iminente, ele some no mundo e vai fazendo fama. Gostei das viradas de trajetória do protagonista, pois deixam o leitor sempre na expectativa para saber se as profecias serão cumpridas.

Por último, há Herodíade, que narra a história bíblica da morte de João Batista sob a perspectiva da disputa política no governo e da manipulação exercida pela protagonista na tentativa de conseguir o império que tanto deseja. É uma narrativa basicamente de intrigas políticas. Vemos um Herodes acuado, em dúvida pelo interesse nas falas de Batista e o descontentamento com as críticas à própria vida do governante. Enquanto isso, sua esposa Herodíade é uma exímia jogadora. É interessante ver o desenvolvimento da armadilha que ela cria meticulosamente para que o marido faça o que ela deseja.

A leitura deste pequeno livro de contos me animou a reler Madame Bovary e a ler Bouvard e Pécuchet. Estou certa de que não fiz jus a complexidade de Emma e que vale a pena conhecer o livro que deu tamanha angústia a um dos escritores mais aclamados da literatura mundial. Não digo que foi uma leitura fluída, mas a sensibilidade do autor para nos apresentar a esses humanos em sua complexidade é primorosa.

E, você, conhece Gustave Flaubert? Conte suas experiências com a literatura do autor nos comentários.

Até o próximo post!
Anna Rachel

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