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Jornalismo

Sobram vagas em escolas públicas de áreas nobres

Afetadas pelo crescimento das metrópoles e pela fuga da classe média, escolas públicas de áreas nobres buscam saídas para a falta de estudantes

PorBianca Bibiano

01/05/2010

Foto: Kriz Knack
FALTA ESTUDANTE Na EE Guilherme Kuhlmann, em bairro de classe média, a sala de aula virou depósito. Fotos: Kriz Knack

A EE Guilherme Kuhlmann fica na Lapa, bairro de classe média na região centro-oeste da capital paulista. A área é movimentada e conta com comércio variado e farta oferta de transporte público - na vizinhança, há uma estação de trem e um terminal de ônibus. Na teoria, pode-se imaginar que seja um local disputado para receber as crianças das redondezas. A realidade, porém, é bem diferente. Das 800 vagas, apenas 514 foram preenchidas no início de 2010, acompanhando a tendência de queda (desde 2005, a escola perde em média 46 alunos a cada novo ano letivo). Há também duas salas totalmente sem uso - uma delas virou depósito de materiais (como mostra a foto acima).

Não se trata de um caso isolado. A situação é comum nas escolas situadas em bairros de áreas centrais e nobres de capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte - e em metrópoles de porte médio, como Ribeirão Preto, a 314 quilômetros de São Paulo. O quadro é o ref lexo do processo de crescimento urbano que marca as grandes cidades. O primeiro fator tem relação com seu próprio movimento de expansão - em geral, elas crescem do centro para as periferias. Como resultado, há o esvaziamento e a decadência das áreas centrais, que passam a contar com menos habitantes. Assim, escolas, hospitais e bibliotecas instalados por lá quando a área era populosa passam a ser subutilizados.

Um segundo aspecto, presente sobretudo nas regiões nobres, diz respeito à condição socioeconômica das crianças em idade escolar. Em geral, são filhos de famílias de classe média ou alta, que têm preferido instituições particulares para educar os filhos. A consequência, novamente, é a diminuição do número de matrículas na rede pública. "Hoje, a clientela das escolas estaduais e municipais nos bairros de elite é composta principalmente por estudantes de classe baixa que moram longe", explica José Marcelino Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto. É justamente o que ocorre na Guilherme Kuhlmann, onde há alunos de bairros como Perus (a 13 quilômetros de distância) e até outras cidades da região metropolitana, como Santana de Parnaíba, a 32 quilômetros. Para Rezende Pinto, essas pessoas são atraídas para o centro pela infraestrutura e qualidade do ensino, que costuma ser melhor do que a média. Isso se dá, em parte, porque os docentes mais bem colocados nos concursos públicos escolhem trabalhar nessas instituições.

 

Foto: Kriz Knack
FALTA ESPAÇO Na escola EE Joiti Hirata, em Campo Limpo, na periferia paulistana, há turmas com até 50 alunos

Enquanto isso, nas periferias, a situação se inverte. Na EE Joiti Hirata, no Campo Limpo, a 29 quilômetros do marco zero da capital paulista, 1.889 alunos se apertam nas 17 salas da escola - média de 45 por turma. No dia em que a reportagem de NOVA ESCOLA esteve lá, pelo menos três professores faltaram. A biblioteca não funciona por ausência de funcionários e o laboratório de Ciências e a quadra poliesportiva foram desativados para dar lugar a novas salas. Novamente, o exemplo não é único: a combinação de turmas inchadas, falta de pessoal e infraestrutura precária é comum em diversas outras regiões de ocupação urbana recente. Nesse cenário, cabe perguntar: o que fazer para resolver o problema de baixa demanda no centro e de procura excessiva na periferia?

Repensar o uso no centro e ampliar a rede na periferia

Como não se pode transferir magicamente as vagas de uma região a outra, é preciso considerar as duas faces do problema. No lado das escolas centrais, trazer os alunos de longe é o menos recomendado. "Para eles, grandes deslocamentos implicam em perda de tempo para outras atividades", diz Flávio Villaça, urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Já as parcerias para desenvolver atividades de contraturno têm dado bons frutos. Na Guilherme Kuhlmann, uma das salas ociosas se transformou num ambiente para aulas de música. Outras instituições abrem espaço para cursos profissionalizantes ou reorganizam a grade curricular para oferecer ensino em tempo integral. Uma solução mais duradoura, válida especialmente para as áreas centrais com baixa ocupação, passa pela revitalização de edifícios abandonados para repovoar a área. Embora a ideia seja atraente, os próprios defensores dela reconhecem que, por enquanto, nenhuma cidade do mundo conseguiu aplicar essa fórmula em grande escala, pois ela demanda grandes investimentos e vontade política.

No lado das escolas da periferia, não há segredo. "Se uma região apresenta muita procura, deve-se oferecer mais vagas ali", observa Villaça. Em vez de multiplicar turnos ou inchar classes, é preciso construir mais escolas com boa infraestrutura. "Também é necessário conceber uma política consistente de bonificação para que os professores queiram lecionar ali", defende Rezende Pinto. Refletir sobre a distribuição de vagas nas metrópoles é essencial para cumprir uma das determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): toda criança tem direito ao acesso à escola mais próxima de sua casa.

Quer saber mais?

CONTATOS
EE Guilherme Kuhlmann, tel. (11) 3611-5667
EE Joiti Hirata, tel. (11) 5873-2855
Flávio Villaça
José Marcelino Rezende Pinto

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